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5 momentos históricos em que Gal Costa desafiou os caretas

Se não tivesse nos deixado inesperadamente no dia 09 de novembro de 2022 – pouco depois de completar 77 anos de vida e quase 60 anos de carreira – uma das maiores e mais importantes artistas brasileiras de todos os tempos, Gal Costa, completaria 80 anos hoje.

O mundo ficou mais triste, com a partida de Gal. Mas ela estará entre nós para sempre: sua voz, sua música, seu pioneirismo, sua história, ficarão eternamente na memória de cada um dos brasileiros e brasileiras que foram atravessados de alguma forma pelo acontecimento que foram essas quase oito décadas de vida da cantora.

Nascida em Salvador, Maria da Graça se tornou Gracinha e depois ganhou o mundo como Gal Costa. Inspirada por João Gilberto – que a considerava a maior cantora do Brasil – ela encontrou nos palcos o seu lugar. Sua voz era poesia pura: indo do doce ao rasgado em uma mesma canção.

E – cá entre nós – Gal Costa foi muito mais que uma cantora genial. Ela foi coragem, liberdade, resistência. Foi um norte, um despertar para toda uma geração e para tantas mulheres que vieram depois.

Gal começou Bossa Nova, foi musa da Tropicália, seguiu firme quando a ditadura calou tantas vozes. Ela não se calava: cantava a liberdade ainda mais forte. Tocou violão sozinha no palco, de saias e pernas abertas. Como uma camaleoa, abraçou o Brasil e o rock’n roll, deu vida a hinos de uma geração. E, depois, vestiu a “Pele do Futuro” e abraçou também as gerações que foram chegando.

Em quase seis décadas de carreira, Gal Costa interpretou os maiores compositores da nossa música e sempre se reinventou, sem nunca perder sua essência. Gal foi Baby, Fatal, Profana, Doce, Bárbara, Divina, Maravilhosa, Estratosférica.

Hoje, selecionamos cinco momentos históricos da carreira de Gal, em que a cantora desafiou os padrões, a censura e os caretas, lutando pela liberdade, sempre. Seja dela mesma, do povo brasileiro como nação ou de todas as mulheres, na música e na vida.

Se você quiser saber tudo sobre a vida e a obra de Gal Costa, acesse esta matéria especial.

O nome dela é Gal e ele está escrito pra sempre na nossa história. 

“Vaca das divinas tetas

Teu bom só para o oco, minha falta

E o resto inunde as almas dos caretas”

“Vaca Profana” – Canção de Caetano Veloso, lançada por Gal Costa em 1984 

1 – Musa da Tropicália

Capa do álbum Tropicália ou Panis Et Circensis, 1968

Maria da Graça Costa Penna Burgos saiu de Salvador ainda Gracinha, para tornar-se Gal Costa na “Cidade Maravilhosa”, o Rio de Janeiro.

A cantora já tinha protagonizado alguns espetáculos musicais importantes na Bahia, ao lado de outros artistas baianos – Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria BethâniaeTom Zé – como “Nós, Por Exemplo” e “Arena Canta Bahia”, em que já se colocavam como uma renovação da música brasileira: influenciados pela Bossa Nova, eles apontavam para um novo cenário.

Em 1968, ano seguinte em que lançou seu primeiro álbum, “Domingo”, ao lado de Caetano Veloso, Gal Costa iniciou – junto com Caetano, Gil, Tom Zé, Os Mutantes, Torquato Neto, Rogério Duprat e Capinan – o Movimento Tropicalista ou a Tropicália.

O movimento de contracultura transcendeu tudo o que já havia em termos de produção artística no Brasil, contemplando e internacionalizou a música, o cinema, as artes plásticas, o teatro e toda a arte brasileira. 

Surgida sob a influência das correntes artísticas da vanguarda e da cultura pop nacional e estrangeira, como o rock e o concretismo, o Tropicalismo misturou manifestações tradicionais da cultura brasileira a inovações estéticas radicais, para criar algo inovador, que interviesse na cena de indústria cultural e de cultura de massas da época. E que representasse uma mudança de parâmetros, que atendesse também aos anseios da juventude da época.

O álbum manifesto do movimento, lançado em 1968, foi “Tropicália ou Panis et Circensis”, que traz – entre as canções mais marcantes do disco, a interpretação de Gal Costa para a canção “Baby”, de Caetano Veloso, que se tornou um hino Tropicalista – trazendo vários elementos da cultura pop, da cultura de massa e de consumo da época. 

2 – Tudo é “Divino Maravilhoso” 

A partir desse momento, Gal passou a sentir a necessidade de desbravar novos territórios que não somente o canto suave da Bossa Nova, que a acompanhava desde o início da carreira. 

Ela queria expressar a sua arte e o que sentia de uma forma mais agressiva, mais experimental, mais revolucionária, com influências do que vinha escutando de fora do país, como a voz rasgada de Janis Joplin, que foi uma grande inspiração para Gal Costa.

Ainda em 1968, a cantora participou do IV Festival da Record, defendendo a canção “Divino Maravilhoso”, de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Esta apresentação representou um marco na transição de postura de Gal, refletida no palco, na voz, nas atitudes, nas canções escolhidas para interpretar, nas roupas que vestia. 

Gal Costa no IV Festival da Record | Foto: Reprodução

“Divino Maravilhoso” foi um grito de liberdade, não só para Gal, mas para o povo brasileiro, em uma época de sofrimento por conta dos duros tempos de repressão. 

No auge da ditadura militar e com a recente instauração do Ato Institucional nº 5, com o cerceamento das liberdades democráticas, de expressão e das criações libertárias, o movimento Tropicalista sofreu forte censura e perseguição. Caetano e Gil – já grandes ídolos de uma geração e líderes do movimento – foram presos em novembro de 1968 e, depois, obrigados a se exilar em Londres.

Gal Costa se tornou, então – quase que forçadamente – um símbolo de resistência artística depois da partida dos seus amigos e parceiros para o exílio. 

A cantora foi ficando cada vez mais audaciosa e recebeu a missão de manter acesa a chama do Tropicalismo no Brasil, se tornando a sua maior representante e passando a ser conhecida como “Musa da Tropicália’ e da “geração do Desbunde”.

3 – Fa-tal: Gal a Todo o Vapor

Nesta época em que Caetano e Gil foram para o exílio, a cantora começou a trabalhar com novos parceiros como Jards Macalé, Waly Salomão e Lanny Gordin.

Depois de lançar seus dois primeiros álbuns solo em 1969, Gal Costa foi a Londres visitar os amigos e parceiros, fez shows pela Europa e voltou ainda com mais sede de liberdade. 

Em 1971, gravou um dos álbuns mais importantes de sua carreira e da história da música popular brasileira: o LP duplo “Fa-tal: Gal a todo o Vapor”, produzido a partir da gravação de um show ao vivo, chamado “Fatal” e dirigido por Waly Salomão. 

Gal Costa durante o show “Fa-tal” | Imagem: Reprodução

No espetáculo, Gal se apresentava – na primeira parte – sozinha ao violão, num formato mais acústico e intimista, e – na segunda parte – acompanhada da banda, com mais agressividade e atitude rock’n roll. 

O álbum, que consolidou Gal Costa como musa e uma das principais vozes da contracultura brasileira, é – ainda hoje – impressionantemente atual.

Ainda sobre a pressão dos anos de ditadura militar e três anos depois do silenciamento forçado provocado pelo AI5, o álbum teve intensa repercussão e dimensão sócio-política e parecia ser um respiro, uma luz no fim do túnel, um momento de fuga e sonho, de poder dizer não às convenções de uma sociedade e de um país calado pela repressão.

É maravilhoso, porque é Gal em sua versão mais nua e crua: uma voz espetacular, potente, imensa, divinal. Fazem parte desse disco muitas das canções mais importantes da carreira da cantora baiana.

O clássico “Vapor Barato” (de Jards Macalé e Waly Salomão) fala sobre repressão e tornou-se um verdadeiro hino de uma geração, com uma introdução com Gal fazendo improvisos em que imita algo que se assemelha a um instrumento de sopro com sua voz. Aqui, vemos uma Gal do rock, uma Gal do blues, uma Gal com muitas referências de Janis Joplin.

4 – “Índia”: pernas abertas, corpo livre, capa censurada

Em 1973, Gal lançou o disco “Índia”, dirigido por Gilberto Gil. O espetáculo apresentado a partir desse álbum também foi um grande marco na MPB. Gal Costa tocava violão sentada em um banco alto, usando uma flor no cabelo, saias e com as pernas abertas, cheia de personalidade e exalando sensualidade e presença. 

Um feito inédito até então, que deixou muitos conservadores impressionados, mas que também serviu de inspiração para tantas mulheres, sendo um verdadeiro grito de liberdade para a sexualidade feminina.

E não foi só no show de “Índia” que Gal Costa questionou os padrões e rompeu barreiras para as mulheres. Ela também fez isso com a capa do álbum. Na parte da frente, ela aparecia só de tanga vermelha, com close na parte de baixo, mostrando colares e uma saia indígena sendo retirada. Na contracapa, a foto trazia a parte de cima de Gal, com os colares cobrindo parcialmente os seios da cantora.

Capa do álbum “India”, de Gal Costa, vetada em 1973

A censura vetou o encarte e o disco teve que ser vendido envolto em um plástico azul, o que aumentou a curiosidade e fez as vendas do álbum subirem ainda mais. Foi a primeira vez em que um disco saiu com a embalagem lacrada, dando até disco de platina para a Gal Costa.

A capa só foi liberada para ser veiculada – pasmem! – em 2015, fato que foi comemorado por Gal (na época no auge dos seus 70 anos) em suas redes sociais:“Capa do disco Índia censurada nos anos 70 e agora liberada para nosso deleite, incluindo o meu.”, escreveu ela.

Contracapa do álbum “Índia”, 1973

5 – O Sorriso do Gato de Alice: o Brasil mostra a sua cara

Mais de 20 anos depois de “Índia“, mais uma vez o corpo – político e livre – de Gal Costa era questionado e sofria represálias.

Em 1994, aos 49 anos, Gal apresentou o espetáculo “O Sorriso do Gato de Alice”, dirigido por Gerald Thomas, em que ela subia ao palco com uma camisa solta que deixava seus seios à mostra propositalmente, quando ela abria os braços para cantar: “Brasil, mostra a sua cara, quero ver quem paga pra gente ficar assim”.

A música – composta por Cazuza, Nilo Romero eGeorge Israel, e lançada por Gal Costa em 1988 – foi abertura da novela “Vale Tudo” (e segue sendo no remake de 2025!) e falava sobre uma nova situação política complicada do país: é uma crítica social e política ao Brasil do período de redemocratização pós-ditadura militar, refletindo a hipocrisia, a desigualdade, a alienação e as injustiças sociais. 

A canção tornou-se um hino para o povo brasileiro, que clamava por uma redemocratização, pelas eleições diretas e pela justiça dos crimes cometidos durante o regime, sem sofrer com as questões econômicas que também assolavam o país. E – mais uma vez – Gal Costa era a porta-voz dessa mensagem.

A estreia do espetáculo  “O Sorriso do Gato de Alice” no Rio de Janeiro também causou polêmica. Logo no início, Gal surgia arrastando-se no palco como uma gata sob a lua, e chegou a ser vaiada pelo público.

O episódio virou capa de jornais, gerou críticas, piadas e indignação moralista (“Leite mau na cara dos caretas”!). Alguns da imprensa disseram que Gerald Thomas oprimia Gal Costa, o que a cantora negou veementemente em entrevistas, dizendo que estava assustada com o tamanho da repercussão e que era muito fã do trabalho do diretor. Para Gal, o espetáculo apenas reafirmava seu poder e liberdade no palco:

“Era o que eu queria, tenho muita honra e muito orgulho de ter feito esse espetáculo. Acho que era um espetáculo belíssimo, cenicamente era lindo: a luz era deslumbrante e o cenário era lindo. Acho o Gerald talvez o melhor encenador brasileiro. 

Eu fazia o espetáculo com o maior prazer, não me sentia oprimida, como a imprensa falou. Eu fiz ali o que eu quis, eu só faço aquilo que eu quero. Faz parte da minha história, quem conhece a minha história sabe que eu sou ousada. Eu sei que essas coisas tem um preço, mas eu encaro. O que eu tenho medo é de me estagnar, de ficar igual.”, disse a cantora ao programa “Roda Viva”, em 1995.

Gal Costa, gigante e necessária! 

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