Descubra os versos inesquecíveis de Gonçalves Dias, poeta essencial do Romantismo e do Indianismo
Antônio Gonçalves Dias (1823-1864) foi um dos mais importantes poetas do Romantismo brasileiro, especialmente conhecido por sua contribuição ao movimento indianista.
Nascido no Maranhão, estudou Direito na Universidade de Coimbra, em Portugal, onde teve contato com a literatura romântica europeia. De volta ao Brasil, destacou-se como poeta, dramaturgo e historiador, ajudando a consolidar a identidade nacional por meio da literatura.
Sua poesia exalta a natureza, os povos indígenas e o sentimento nacionalista. Seu poema “Canção do Exílio”, escrito em 1843, tornou-se um dos mais conhecidos da literatura brasileira, sendo frequentemente citado e parodiado ao longo da história.
A carreira de Gonçalves Dias foi interrompida precocemente quando ele faleceu em um naufrágio na costa do Maranhão, aos 41 anos. Mesmo com sua curta vida, deixou um legado literário, influenciando gerações de escritores.
Os maiores poemas de Gonçalves Dias com comentários
Canção do Exílio
Provavelmente seu poema mais famoso, “Canção do Exílio” expressa a saudade da pátria com versos melancólicos e imagens naturais do Brasil. O poema começa com os icônicos versos:
“Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.”
A simplicidade e a força emocional do poema fizeram com que ele fosse amplamente referenciado na literatura brasileira.
“Minha terra tem palmeiras,
Onde Canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.”
I-Juca-Pirama
Este é um dos principais exemplos do indianismo na literatura romântica. A narrativa em versos conta a história de um guerreiro tupi capturado por uma tribo inimiga. O poema destaca valores como coragem e honra, e um dos trechos mais emblemáticos é:
“Meninos, eu vi!”
Essa exclamação final dá uma carga emocional intensa ao relato do ancião que testemunhou a valentia do guerreiro.
“Um velho Timbira, coberto de glória,
Guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: — “Meninos, eu vi! “
Eu vi o brioso no largo terreiro
Cantar prisioneiro
Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo; Parece que o vejo, Que o tenho nest’hora diante de mi.
“Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo!
Pois não, era um bravo;
Valente e brioso, como ele, não vi!
E à fé que vos digo: parece-me encanto
Que quem chorou tanto,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!”
Assim o Timbira, coberto de glória,
Guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi.
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tornava prudente: “Meninos, eu vi!”.
Leito de Folhas Verdes
Este poema romântico fala do amor idealizado e da união entre um casal na natureza. Ele evoca uma atmosfera bucólica, típica do Romantismo, e reforça a relação entre o ser humano e o ambiente natural.
“Por que tardas, Jatir, que tanto a custo
À voz do meu amor moves teus passos?
Da noite a viração, movendo as folhas,
Já nos cimos do bosque rumoreja.
Eu sob a copa da mangueira altiva
Nosso leito gentil cobri zelosa
Com mimoso tapiz de folhas brandas,
Onde o frouxo luar brinca entre flores.
Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco,
Já solta o bogari mais doce aroma!
Como prece de amor, como estas preces,
No silêncio da noite o bosque exala.
Brilha a lua no céu, brilham estrelas,
Correm perfumes no correr da brisa,
A cujo influxo mágico respira-se
Um quebranto de amor, melhor que a vida!
A flor que desabrocha ao romper d’alva
Um só giro do sol, não mais, vegeta:
Eu sou aquela flor que espero ainda
Doce raio do sol que me dê vida.
Sejam vales ou montes, lago ou terra,
Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,
Vai seguindo após ti meu pensamento;
Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!
Meus olhos outros olhos nunca viram,
Não sentiram meus lábios outros lábios,
Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas
A arazoia na cinta me apertaram.
Do tamarindo a flor jaz entreaberta,
Já solta o bogari mais doce aroma,
Também meu coração, como estas flores,
Melhor perfume ao pé da noite exala!
Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes
À voz do meu amor, que em vão te chama!
Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil
A brisa da manhã sacuda as folhas!
Ainda Uma Vez Adeus (trecho)
Neste poema, Gonçalves Dias explora o tema da despedida e da dor amorosa, elementos recorrentes no Romantismo. A obra expressa o sofrimento do eu lírico diante da separação, mesclando sentimentos de resignação e paixão intensa.
O título reforça a ideia de um adeus definitivo, carregado de emoção e nostalgia. A linguagem sentimental e a musicalidade dos versos tornam este poema um dos mais marcantes do autor dentro da temática do amor e da perda.
“Enfim te vejo! – enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te
Que não cessei de querer-te
Apesar de quanto sofri.
Muito pensei. Cruas ânsias,
Dos teus olhos afastados,
Houveram-me acabrunhados,
A não lembrar-me de ti. (…)
Adeus que eu parto, senhora!
Negou-me o fado inimigo
Passa a viver comigo,
Tem sepultura entre os meus.” (…)
Se Se Morre de Amor
Este poema questiona a idealização romântica do amor e reflete sobre sua intensidade e seus efeitos na vida humana. Diferente de outros poemas do autor que exaltam o amor idealizado, “Se Se Morre de Amor” apresenta uma visão mais reflexiva, explorando a influência das emoções no cotidiano.
O poema sugere que o amor não é apenas um sentimento arrebatador, mas algo que pode ser vivido de maneira mais equilibrada. É uma abordagem interessante dentro do Romantismo, pois contrapõe a visão trágica do amor que era comum na época.
“Se se morre de amor! – Não, não se morre,
Quando é fascinação que nos surpreende
De ruidoso sarau entre os festejos;
Quando luzes, calor, orquestra e flores
assomos de prazer nos raiam n’alma,
Que embelezada e solta em tal ambiente
No que ouve, e no que vê prazer alcança! (…)
Marabá
O poeta constrói uma narrativa lírica na qual a protagonista, uma jovem mestiça, sofre rejeição tanto dos indígenas quanto dos colonizadores. Seu nome, “Marabá”, vem do tupi e significa “mestiça” ou “meia raça”, para evidenciar o conflito de identidade que a personagem enfrenta.
A obra explora um dilema central do Brasil colonial: a mestiçagem e o preconceito em relação àqueles que não se encaixam completamente em um grupo racial ou cultural.
No poema, um jovem guerreiro indígena tenta conquistar Marabá, mas ela rejeita seu amor, pois sente que não pertence totalmente ao mundo indígena e, ao mesmo tempo, é rejeitada pelos brancos. Essa recusa simboliza um sentimento de desajuste e marginalização, algo presente na história do país e na formação da identidade nacional.
A estrutura do poema, marcada por versos fluidos e um tom melancólico, reforça a angústia da protagonista. A musicalidade e as imagens naturais evocam um cenário tipicamente romântico, em que a dor da exclusão se mistura à beleza da paisagem brasileira. Assim, Gonçalves Dias exalta a cultura indígena, mas também reflete sobre as complexidades do encontro entre diferentes povos no Brasil, um tema que permanece relevante até hoje.
Eu vivo sozinha, ninguém me procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupá!
Se algum dentre os homens de mim não se esconde:
—”Tu és”, me responde,
“Tu és Marabá!”
—Meus olhos são garços, são cor das safiras,
—Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
—Imitam as nuvens de um céu anilado,
—As cores imitam das vagas do mar!
Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
“Teus olhos são garços”,
Responde anojado, “mas és Marabá:
“Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
“Uns olhos fulgentes,
“Bem pretos, retintos, não cor d’anajá!”
—É alvo meu rosto da alvura dos lírios,
—Da cor das areias batidas do mar;
—As aves mais brancas, as conchas mais puras
—Não têm mais alvura, não têm mais brilhar.
Se ainda me escuta meus agros delírios:
—”És alva de lírios”,
Sorrindo responde, “mas és Marabá:
“Quero antes um rosto de jambo corado,
“Um rosto crestado”
Do sol do deserto, não flor de cajá.”
—Meu colo de leve se encurva engraçado,
—Como hástea pendente do cáctus em flor;
—Mimosa, indolente, resvalo no prado,
—Como um soluçado suspiro de amor!
—”Eu amo a estatura flexível, ligeira,
Qual duma palmeira”,
Então me respondem; “tu és Marabá:
“Quero antes o colo da ema orgulhosa,
Que pisa vaidosa,
“Que as flóreas campinas governam, onde está.”
—Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
—O oiro mais puro não tem seu fulgor;
—As brisas nos bosques de os ver se enamoram
—De os ver tão formosos como um beija-flor!
Mas eles respondem:
“Teus longos cabelos,
São loiros, são belos,
“Mas são anelados; tu és Marabá:
“Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
“Cabelos compridos,”
Não cor d’oiro fino, nem cor d’anajá,”
E as doces palavras que eu tinha cá dentro
A quem nas direi?
O ramo d’acácia na fronte de um homem
Jamais cingirei:
Jamais um guerreiro da minha arazóia
Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
Que sou Marabá!
A poesia de Gonçalves Dias ajudou a consolidar o Romantismo no Brasil. Sua exaltação da natureza, dos povos indígenas e do sentimento de pertencimento à terra foi essencial para a construção de uma visão nacionalista na literatura.
Obras como I-Juca Pirama, Os Timbiras e Marabá trouxeram à tona a figura do indígena como símbolo de bravura, mas, além disso, como um personagem complexo, inserido em dilemas históricos e sociais. Já seus poemas mais líricos, como Ainda Uma Vez Adeus e Se Se Morre de Amor, mostram uma faceta mais introspectiva, voltada à emoção e ao drama pessoal.
O legado de Gonçalves Dias vai além do romantismo idealizado, captura angústias e aspirações que continuam atuais. Sua obra reflete um momento crucial da literatura brasileira, enquanto continua a ser uma referência na compreensão de nossa história e de nossa identidade cultural.



