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7 poesias líricas de Raul Bopp

Embora menos conhecido pelo grande público do que contemporâneos como Mário de Andrade e Oswald de Andrade, o poeta Raul Bopp foi um dos nomes mais significativos do Modernismo brasileiro.

Gaúcho de 1898, participou ativamente da Semana de Arte Moderna de 1922 e do movimento antropofágico, ao lado de Oswald e Tarsila do Amaral. Sua obra-prima, Cobra Norato (1931), é um longo poema inspirado em lendas amazônicas. Mas a produção poética de Bopp vai muito além dessa obra célebre.

Semana de Arte Moderna: e se ela acontecesse hoje?

Poeta e diplomata viajante, experimentou diversas formas e temas: incorporou ao verso livre elementos do folclore indígena e da fala regional amazônica, dialogou com a cultura africana na formação do Brasil e desenvolveu uma sensibilidade cosmopolita em seus textos.

7 poesias de Raul Bopp

  1. Pelas ondas (1920)

Olha este barco como vai sereno,

Levando nele os ledos namorados,

Voluptos irrequietos e abraçados

E tanto amor num bote tão pequeno!

Fôssemos nós ali, com barco pleno

Às ondas solto, muito descuidados…

Meus dedos pelos teus bem apertados,

Solto de renda o braço teu, moreno…

O teu cabelo, assim, lá bem revolto…

E o barco iria a todo pano solto

Sulcar ondas aos cálidos harpejos!

Tímida, os olhos para o espaço erguidos!

Mas depois… em desejos incontidos

Nós nos embriagaríamos de beijos…

Nos anos de formação, Bopp ainda seguia modelos tradicionais, escrevendo versos rimados e metrificados de forte musicalidade, como sonetos e madrigais, típicos da estética parnasiana.

Um exemplo desse período inicial é “Pelas ondas”, um soneto romântico em que o eu-lírico imagina dois amantes navegando serenamente num pequeno barco, “ledos namorados… abraçados”, embalados pelo movimento do mar.

Esses versos exibem linguagem rebuscada e imagens delicadas – “cálidos harpejos”, “olhos erguidos ao espaço” – revelando o Bopp pré-modernista, de alma lírica e influências clássicas.

Pouco depois, porém, o poeta abandonaria e os sonetos e adotaria de vez o verso livre, característico do Modernismo.

  1. Coco de Pagu (1928)

Pagu tem os olhos moles

uns olhos de fazer doer.

Bate-côco quando passa.

Coração pega a bater.

Eh Pagu eh!

Dói porque é bom de fazer doer.

Passa e me puxa com os olhos

provocantissimamente.

Mexe-mexe bamboleia

pra mexer com toda a gente.

Eli Pagu eh!

Dói porque é bom de fazer doer.

Toda a gente fica olhando

o seu corpinho de vai-e-vem

umbilical e molengo

de não-sei-o-que-é-que-tem.

Eh Pagu eh!

Dói porque é bom de fazer doer.

Quero porque te quero

Nas formas do bem-querer.

Querzinho de ficar junto

que é bom de fazer doer.

Eh Pagu eh!

Dói porque é bom de fazer doer.

No fim da década de 1920, inserido no movimento antropófago paulistano, Bopp passou a compor poemas irreverentes e coloquiais. “Coco de Pagu” é o mais famoso deles, uma homenagem bem-humorada à jovem Patrícia Galvão, apelidada de Pagu.

Aliás, foi o próprio Raul Bopp quem batizou Patrícia com o nome “Pagu”: ele achava (por engano) que o sobrenome dela fosse Goulart e, a partir das iniciais P. G., criou o apelido que se tornaria lendário.

Publicado em diversos jornais e revistas da época, “Coco de Pagu” rapidamente tornou Pagu famosa nos círculos artísticos e políticos, a ponto de a letra ganhar uma versão musicada em 1929, que fez sucesso nas rádios. Essa poesia representa o espírito modernista de irreverência e liberdade de expressão.

  1. Como se vai de São Paulo a Curitiba (1928)

Os tempos mudaram.

  O mundo contemporâneo pulsa em ritimos acelerados.

Novos fatores revelam conveniência de outros métodos.

  Surgem, no descurso dos nossos dias, motivos que nos convencem de que cada município deve levar a sério o problema da circulação rodoviária.

  Para facilitar a ação administrativa.

  Para uma revisão das suas possibilidades econômicas.

  Ritimo de ruralização.

  Costurar o país com estradas alegres, desligadas de horários. Livres e cheias de sol como um verso moderno!

Bopp também se aventurou por formas experimentais e híbridas. “Como se vai de São Paulo a Curitiba” mescla poesia e prosa numa espécie de reportagem poética. Escrito em primeira pessoa, o poema acompanha a viagem de carro de São Paulo à capital paranaense em linguagem telegráfica e imagética.

As frases são curtas, justapostas como flashes cinematográficos: o narrador descreve a cidade ficando para trás na madrugada, as estradas de terra, os subúrbios e paisagens rurais, intercalando impressões sensoriais e detalhes do cotidiano (galos cantando ao longe, caminhões de cebola cruzando a estrada, o frio da manhã).

Bopp antecipou, com esse texto de estilo enxuto e visual, soluções narrativas que apenas anos depois seriam exploradas por Oswald de Andrade em romances vanguardistas.

  1. Cobra Norato (1931)

(fragmentos)

I

Um dia

ainda eu hei de morar nas terras do Sem-Fim.

Vou andando, caminhando, caminhando;

me misturo rio ventre do mato, mordendo raízes.

Depois

faço puçanga de flor de tajá de lagoa

e mando chamar a Cobra Norato.

— Quero contar-te uma história:

Vamos passear naquelas ilhas decotadas?

Faz de conta que há luar.

A noite chega mansinho.

Estrelas conversam em voz baixa.

O mato já se vestiu.

Brinco então de amarrar uma fita no pescoço

e estrangulo a cobra.

Agora, sim,

me enfio nessa pele de seda elástica

e saio a correr mundo:

Vou visitar a rainha Luzia.

Quero me casar com sua filha.

— Então você tem que apagar os olhos primeiro.

O sono desceu devagar pelas pálpebras pesadas.

Um chão de lama rouba a força dos meus passos.

II

Começa agora a floresta cifrada.

A sombra escondeu as árvores.

Sapos beiçudos espiam no escuro.

Aqui um pedaço de mato está de castigo.

Árvorezinhas acocoram-se no charco.

Um fio de água atrasada lambe a lama.

— Eu quero é ver a filha da rainha Luzia!

Agora são os rios afogados,

bebendo o caminho.

A água vai chorando afundando afundando.

Lá adiante

a areia guardou os rastos da filha da rainha Luzia.

— Agora sim, vou ver a filha da rainha Luzia!

Mas antes tem que passar por sete portas

Ver sete mulheres brancas de ventres despovoados

guardadas por um jacaré.

— Eu só quero a filha da rainha Luzia.

Tem que entregar a sombra para o bicho do fundo

Tem que fazer mironga na lua nova.

Tem que beber três gotas de sangue.

— Ah, só se for da filha da rainha Luzia!

A selva imensa está com insônia.

Bocejam árvores sonolentas.

Ai, que a noite secou. A água do rio se quebrou.

Tenho que ir-me embora.

E me sumo sem rumo no fundo do mato

onde as velhas árvores grávidas cochilam.

De todos os lados me chamam:

— Onde vai, Cobra Norato?

Tenho aqui três árvorezinhas jovens, à tua espera.

— Não posso.

Eu hoje vou dormir com a filha da rainha Luzia.

IV

Esta é a floresta de hálito podre,

parindo cobras.

Rios magros obrigados a trabalhar.

A correnteza arrepiada junto às margens

descasca barrancos gosmentos.

Raízes desdentadas mastigam lodo.

A água chega cansada.

Resvala devagarinho na vasa mole

com medo de cair.

A lama se amontoa.

Num estirão alagado

o charco engole a água do igarapé.

Fede…

Vento mudou de lugar.

Juntam-se léguas de mato atrás dos pântanos de aninga.

Um assobio assusta as árvores.

Silêncio se machucou.

Cai lá adiante um pedaço de pau seco:

Pum

Um berro atravessa a floresta.

Correm cipós fazendo intrigas no alto dos galhos.

Amarram as árvorezinhas contrariadas.

Chegam vozes.

Dentro do mato

pia a jurucutu.

— Não posso.

Eu hoje vou dormir com a filha da rainha Luzia.

XXXII

— E agora, compadre,

eu vou de volta pro Sem-Fim.

Vou lá para as terras altas,

onde a serra se amontoa,

onde correm os rios de águas claras

em matos de molungu.

Quero levar minha noiva.

Quero estarzinho com ela

numa casa de morar,

com porta azul piquininha

pintada a lápis de cor.

Quero sentir a quentura

do seu corpo de vaivém.

Querzinho de ficar junto

quando a gente quer bem, bem;

Ficar à sombra do mato

ouvir a jurucutu,

águas que passam cantando

pra gente se espreguiçar,

E quando estivermos à espera

que a noite volte outra vez

eu hei de contar histórias

(histórias de não-dizer-nada)

escrever nomes na areia

pro vento brincar de apagar.

Divulgação

É impossível falar de Raul Bopp sem destacar “Cobra Norato”, seu poema mais emblemático. Publicado em livro em 1931, é um longo poema narrativo inspirado na lenda amazônica da Cobra Grande (ou Norato), repleta de elementos fantásticos da floresta.

Nessa obra, Bopp funde as técnicas de vanguarda modernista com temas do folclore indígena e linguajar regional, criando “um drama épico e mitológico nas selvas amazônicas” em versos livres.

O resultado, segundo críticos, foi uma das realizações mais importantes da poesia modernista brasileira. De fato, a aventura narrada – um herói que percorre a Amazônia dentro da pele da cobra para encontrar e desposar a filha da rainha Luzia – é bastante brasileiro e imaginativo.

  1. Monjolo (1932)

Chorado do Bate-Pilão

Fazenda velha. Noite e dia

Bate-pilão.

Negro passa a vida ouvindo

Bate-pilão.

Relógio triste o da fazenda.

Bate-pilão.

Negro deita. Negro acorda.

Bate-pilão.

Quebra-se a tarde. Ave-Maria.

Bate-pilão.

Chega a noite. Toda a noite

Bate-pilão.

Quando há velório de negro

Bate-pilão.

Negro levado pra cova

Bate-pilão.

Após o sucesso de Cobra Norato, Raul Bopp ampliou seu escopo temático. Em “Monjolo”, poema publicado no livro Urucungo (1932), voltou seu olhar poético para a herança africana e a vida do negro no Brasil pós-escravidão.

Monjolo retrata a rotina exaustiva de trabalho em uma velha fazenda, com uma forma rítmica que imita o vaivém interminável do pilão (o monjolo, máquina de socar grãos movida à água). Com um ritmo propositalmente monótono e repetitivo, os versos narram a vida de um homem negro que “passa os dias nesse trabalho repetitivo e alienante” na fazenda – noite e dia, o som do bate-pilão marcando o tempo, “negro deita, negro acorda, bate-pilão…”.

A atmosfera é de fadiga e tristeza, em um quadro pungente das consequências da escravidão e da exploração. Monjolo integra os chamados “poemas negros” de Bopp, nos quais incorpora à poesia elementos da cultura afro-brasileira e denuncia o passado de opressão.

Esses poemas conferem a Bopp um lugar especial na literatura latino-americana

  1. Diamba (1932)

Negro velho fuma diamba

para amassar a memória

O que é bom fica lá longe…

Os olhos vão-se embora pra longe

O ouvido de repente parou

Com mais uma pitada

o chão perdeu o fundo

Negro escorregou

Caiu no meio da  África

Então apareceu do fundo da floresta

uma tropa de elefantes enormes

trotando

Cinqüenta elefantes

puxando uma lagoa

– Para onde vão levar esta lagoa?

Está derramando água no caminho

A água no caminho juntou

correu correu

fez o rio Congo

Águas tristes gemeram

e as estrelas choraram

– Aquele navio veio buscar o rio Congo!

Então as florestas se reuniram

e emprestaram um pouco de sombras pro rio Congo dormir

Os coqueiros debruçaram-se na praia

para dizer adeus

Também parte de Urucungo, o poema “Diamba” que exploraa evasão mental e espiritual através da erva. Diamba é um termo de origem africana para a maconha, e no poema um “negro velho” fuma diamba “para amassar a memória”, ou seja, para anestesiar as dores do presente e revisitar o passado esquecido.

Em certo momento, “o chão perdeu o fundo” e o homem sente que escorrega para longe: seus olhos “vão-se embora pra longe” até “cair no meio da África”. A maconha atua como um portal místico que reconduz o velho ao seu ambiente ancestral, anulando momentaneamente a dura realidade atual.

Com imagens de forte teor simbólico, Bopp poetiza a saudade da terra natal e a busca de alívio, por meio de um transe, para as angústias da vida de um ex-escravo. Diamba complementa Monjolo ao mostrar, de forma lírica e quase onírica, a resistência cultural e psicológica do negro brasileiro diante da opressão.

Esses poemas de Urucungo foram visionários em tematizar questões raciais e sociais através de metáforas poéticas, antecipando preocupações que ganhariam mais destaque na literatura em décadas posteriores.

  1. Mironga (1978)

er sete mulheres brancas de ventres despovoados

guardadas por um jacaré.

— Eu só quero a filha da rainha Luzia.

Tem que entregar a sombra para o bicho do fundo

Tem que fazer mironga na lua nova.

Tem que beber três gotas de sangue.

— Ah, só se for da filha da rainha Luzia!

A selva imensa está com insônia.

Bocejam árvores sonolentas.

Ai, que a noite secou. A água do rio se quebrou.

Tenho que ir-me embora.

E me sumo sem rumo no fundo do mato

onde as velhas árvores grávidas cochilam.

De todos os lados me chamam:

— Onde vai, Cobra Norato?

Tenho aqui três árvorezinhas jovens, à tua espera.

— Não posso.

Eu hoje vou dormir com a filha da rainha Luzia.

Quarenta e seis anos após Urucungo, Raul Bopp voltaria a publicar poesias inéditas. “Mironga” é o poema que dá título à coletânea Mironga e Outros Poemas, lançada em 1978 em comemoração aos 80 anos do autor.

O termo “mironga” significa feitiço ou segredo na linguagem popular de matriz africana e, de fato, a atmosfera do poema é de magia na floresta. Nele, o veterano Bopp resgata toda a imaginação mítica de sua juventude: “Tem que fazer mironga na lua nova. Tem que beber três gotas de sangue”, brada o poeta, “– Ah, só se for da filha da rainha Luzia!”.

A referência à filha da rainha Luzia (personagem da lenda amazônica também presente em Cobra Norato) indica que estamos de volta ao mundo encantado da cobra grande e dos seres fabulosos da mata.

Versos como “A selva imensa está com insônia. Bocejam árvores…” pintam um quadro surreal, em que a natureza toda participa de um ritual misterioso noite adentro.

Mesmo décadas após seu auge modernista, Bopp demonstra em Mironga que sua verve poética continuava afiadíssima: o poema combina elementos de folclore, ritual de feitiçaria e imagens oníricas com a mesma força inventiva.

Raul Bopp vai muito além da selva de Cobra Norato

Durante muito tempo, a imagem de Raul Bopp ficou reduzida a “autor de um único livro”, Cobra Norato, e grande parte de sua produção poética permaneceu ignorada pela crítica.

Felizmente, esse panorama vem mudando. No fim da década de 1990 e início dos anos 2000 suas obras completas foram reunidas e publicadas, e recentemente novas edições e estudos têm redescoberto o poeta em toda a sua diversidade.

Hoje, Raul Bopp já é reconhecido como um importante inovador da primeira geração modernista. Sua poesia lírica, seja com mitos amazônicos, cantando amores irreverentes ou dando voz poética à herança negra, preserva uma atualidade surpreendente. Bopp soube expressar, com originalidade, a alma do Brasil.

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