81 anos de Clara Nunes

Hoje seria aniversário de uma das maiores cantoras e intérpretes da MPB: a maravilhosa Clara Nunes completaria 81 anos neste 12 de agosto de 2023. Confira uma matéria especial sobre a vida e a obra da artista, com uma playlist ao final, que traz os 50 maiores sucessos na voz de Clara Nunes.

Considerada a nona maior voz do música popular brasileira, pela Revista Rolling Stone Brasil, Clara Nunes era também compositora e uma grande pesquisadora da música popular brasileira, de ritmos nativos e principalmente da cultura afro-brasileira, não limitando-se apenas à música, mas aos costumes, tradições, credos, vestimentas e danças.

Capa do LP de Clara Nunes “Deusa dos Orixás” (1984) | Foto: Reprodução

Clara Nunes foi primeira mulher brasileira a vender mais de 100 mil discos

Ela foi a primeira mulher brasileira a vender mais de 100 mil discos, marca antes somente atingida por homens, quebrando um tabu de que mulheres não vendiam álbuns. Ao todo, durante sua carreira, vendeu quatro milhões e quatrocentos mil discos.

Sempre com um estilo e identidade muito próprios e singulares na música, Clara Nunes firmou a sua carreira no samba – foi uma das principais intérpretes de compositores da Portela, sua escola do coração – mas teve influências da música romântica, principalmente do samba-canção, e referências como Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira e Ângela Maria.

A artista levantou debates sobre o preconceito étnico-racial e a intolerância religiosa

Trazia em suas pesquisas e nas canções que escolhia defender, uma proposta de reflexões imprescindíveis acerca da identidade de gênero, etnia e credo. Levantou debates sobre o preconceito étnico-racial e a intolerância religiosa, quando esses temas ainda se apresentavam timidamente no Brasil,  trazendo luz à história sociopolítica e sociocultural do país. 

Em toda a sua obra, temas afro-brasileiros marcam presença em letras e arranjos que sempre remetem aos elos que unem Brasil e África.

Clara Nunes desempenhou importante papel na popularização e desmistificação das religiões de matriz africana, colaborando para o rompimento dos estigmas e preconceitos que, até então, prevaleciam em relação aos seus adeptos em nossa sociedade.

Clara Nunes

O início de tudo

Clara Nunes nasceu em uma família humilde da cidade de Caetanópolis, no interior de Minas Gerais, última filha de sete irmãos.

O pai da artista era violeiro – além de marceneiro – mas ela mal chegou a conviver com ele, que faleceu quando Clara tinha apenas dois anos, vítima de um atropelamento. Quatro anos depois, a mãe dela também morreu, de câncer, após sofrer uma forte depressão em razão da morte do marido.

Aos seis anos de idade, Clara Nunes era órfã de pai e mãe e criada pelo irmão e pela irmã mais velhos. Já nesta época, ela cantava no coro da igreja da cidade.

Em 1952, com apenas 10 anos, Clara venceu um concurso de Caetanópolis, interpretando a canção, Recuerdos de Ypacaraí (de Demetrio Ortiz e Zulema De Mirkin). Aos 14 anos, começou a trabalhar como tecelã na fábrica de tecidos da cidade, para ajudar a família.

Em 1957, com 16 anos, Clara Nunes mudou-se para Belo Horizonte e passou a trabalhar como tecelã de dia e fazer o curso para formação de professoras à noite. Aos finais de semana, cantava no coro da igreja, mas aos poucos foi se afastando do catolicismo e se aproximando do kardecismo. 

Primeiros passos na carreira artística

Nesta época, Clara conheceu o violonista Jadir Ambrósio – famoso por ter composto o hino do time de futebol do Cruzeiro – que se encanta com a voz da moça e começa a levá-la para participar de programas de rádio da cidade. Nessa época, a cantora ainda se apresentava com o nome de batismo: Clara Francisca.

Até que, no início de 1960, Clara conheceu Aurino Araújo, irmão do cantor da Jovem Guarda, Eduardo Araújo, e eles começaram a namorar, um relacionamento que durou 10 anos. Aurino e Jadir introduziram a cantora no meio artístico e, a partir daí, seu imenso talento e originalidade a levaram para um carreira de estrondoso sucesso.

Por sugestão de um produtor musical, ela passa a usar o sobrenome da mãe no nome artístico, estreando como Clara Nunes naquele mesmo ano e vencendo a etapa mineira do concurso A Voz de Ouro ABC, com a música Serenata do Adeus, de Vinicius de Moraes.

A cantora ficou em terceiro lugar na final nacional, com a canção Só Adeus (de Jair Amorim e Evaldo Gouveia).

Até essa ocasião ela ainda dividia-se entre o trabalho de tecelã e a música. Mas logo começou a cantar na Rádio Inconfidência, de Belo Horizonte, e – por conta dos compromissos profissionais artísticos e as constantes viagens – largou o emprego na fábrica de tecidos e também os estudos.

A melhor cantora de Minas Gerais

Clara Nunes passou a se apresentar como crooner em clubes e eventos da capital mineira e começou a fazer muito sucesso no estado. Durante três anos seguidos, foi considerada a melhor cantora de Minas Gerais. 

Nesta época, fez a sua primeira aparição na TV, no programa da Hebe Camargo e, em 1963, passou a ter o seu próprio programa em uma rede mineira de televisão –  o Clara Nunes Apresenta –  que ficou um ano e meio no ar e recebia convidados já consagrados na música nacional como Ângela Maria e Altemar Dutra.

Em 1965, Clara mudou-se para o Rio de Janeiro, onde estavam as principais emissoras de rádio e de televisão do país, e começou a se apresentar em vários programas importantes, como Chacrinha e Almoço com as Estrelas. Nessa época, ela ainda se apresentava cantando principalmente boleros e sambas-canção, sua primeira influência desde a infância.

A artista passou então a se apresentar também em escolas de samba, clubes e casas noturnas do subúrbio do Rio, onde entrou em contato com terreiros de religião de matriz africana e decidiu deixar o espiritismo para se converter-se ao candomblé.

Neste mesmo ano, passou em um teste a gravadora Odeon e encantou a todos com sua potente voz, fazendo a sua primeira participação na gravação de um disco, junto com outros artistas da gravadora. No ano seguinte foi contratada pela Odeon, onde ficou até o fim da sua vida.

Álbuns de Clara Nunes

A Voz Adorável de Clara Nunes

Ainda em 1966, a cantora lançou o seu primeiro álbum, A Voz Adorável de Clara Nunes, em que também apresenta boleros e sambas-canção, como os clássicos:

  • Convite (Anísio Pessanha e Marco Polo);
  • Amor Quando é Amor (Niquinho e Othon Russo);
  • e Canção de Sorrir de Chorar (Tito Madi).

Você Passa Eu Acho Graça

Mas foi em 1968, que Clara atingiu o seu primeiro grande sucesso nas rádios, quando gravou a canção Você Passa Eu Acho Graça (de Ataulfo Alves e Carlos Imperial), em seu segundo disco, que tinha a faixa como título e já trazia uma Clara Nunes com foco no samba. 

Além da canção, outros sucessos fazem parte do álbum, como:

  • Sabiá (de Tom Jobim e Chico Buarque);
  • Grande Amor (de Martinho da Vila);
  • Pra Esquecer (de Noel Rosa);
  • e Cheguei à Conclusão (de Darcy da Mangueira).

A Beleza Que Canta

Em 1969, foi a vez de Clara Nunes lançar seu terceiro disco, A Beleza Que Canta, com clássicos como:

  • a canção tradicional Casinha Pequenina;
  • Guerreiro de Oxalá (Carlos Imperial);
  • Meus Tempos de Criança (Ataulfo Alves);
  • e De Esquina em Esquina (Aldir Blanc e César Costa Filho).

Neste mesmo ano, a cantora venceu o I Festival da Canção Jovem de Três Rios, com a canção Pra Que Obedecer (de Paulinho da Viola e Luís Sérgio Bilheri) e classificou a música Encontro (Elton Medeiros e Luís Sérgio Bilheri) em terceiro lugar.

Ainda ficou em oitavo lugar no IV Festival Internacional da Canção Popular com a música Ave Maria do Retirante (Alcyvando Luz e Carlos Coqueiro).

Clara Nunes

Em 1970 apresentou-se em Luanda, capital da Angola, e, em 1971, lançou o seu quarto disco, Clara Nunes, que traz um dos grandes sucessos da carreira da cantora a canção Ê Baiana (de Fabrício da Silva, Baianinho, Ênio Santos Ribeiro e Miguel Pancrácio). Também estão no disco as canções:

  • Sabiá (de Luiz Gonzaga e Zé Dantas);
  • Feitio de Oração (Noel Rosa e Vadico);
  • e Morrendo Verso em Verso (João Nogueira).
Foto: Iolando Husak/Divulgação

Clara Clarice Clara

No ano seguinte, Clara Nunes deixou o candomblé e ligou-se à umbanda, religião afro-brasileira a qual dedicou-se até o fim de sua vida. A partir daí, começou a usar vestes brancas e turbantes e lançou o álbum Clara Clarice Clara, que traz um resgate do samba e das tradições afro-brasileiras, consolidando o sucesso e a identidade da artista nacionalmente. 

Entre as canções do disco, estão:

  • Ilu Ayê (Terra da Vida) – samba enredo da Portela (de Norival Reis e Cabana);
  • Sempre Mangueira (Nelson Cavaquinho e Geraldo Queiroz);
  • Alvorada (Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio de Carvalho);
  • Seca do Nordeste (Waldir Oliveira e Gilberto de Andrade);
  • Morena do Mar (Dorival Caymmi);
  • Anjo Moreno (Candeia);
  • Vendedor de Caranguejo (Gordurinha);
  • e a canção que dá título ao disco: Clarice (dos então tropicalistas Caetano Veloso e Capinan).

Clara Nunes

Em 1973, foi a vez de lançar o disco Clara Nunes, que traz o grande sucesso Tristeza, Pé no Chão (de Armando Fernandes), além das canções:

  • É Doce Morrer no Mar (Dorival Caymmi e Jorge Amado);
  • Minha Festa (de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito);
  • e O Mais Que Perfeito (Jards Macalé e Vinicius de Moraes).

Sucesso Internacional e mais sucessos de Clara Nunes

Ainda em 1973, Clara Nunes apresentou o espetáculo O Poeta, A Moça e o Violão, ao lado de Toquinho e Vinicius de Moraes e, neste mesmo ano, a cantora fez uma temporada na Europa, onde passou a fazer muito sucesso. O sucesso nacional atinge proporções internacionais, em vários continentes.

Brasileiro Profissão Esperança

Em 1974, Clara lançou o álbum Brasileiro Profissão Esperança, ao lado do ator Paulo Gracindo, que interpretou textos sobre a vida de Antônio Maria e Dolores Duran, enquanto a cantora apresentava um repertório de clássicos dos dois artistas, em um show gravado ao vivo no Canecão, Rio de Janeiro. Estão no disco clássicos como:

  • A Noite do Meu Bem, Castigo (ambas de Dolores Duran);
  • e Se Eu Morresse Amanhã (de Antônio Maria). 

Alvorecer

No mesmo ano, Clara Nunes participou – representando o Brasil – do Festival do Miden, em Cannes, e lançou o disco icônico Alvorecer, que traz um dos maiores clássicos de sua carreira – a canção Conto de Areia (de Romildo Bastos e Toninho Nascimento) – além de Menino Deus (de Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, com quem Clara se casou em 1975 e ficou até o fim de sua vida) e O Que É Que a Baiana Tem (Dorival Caymmi).

Foto do casamento de Clara Nunes e Paulo Cesar Pinheiro que juntos criaram o disco o “Canto das Três Raças” | Foto: Reprodução.

O disco bateu recorde de vendas para cantoras brasileiras, com mais de 300 mil cópias vendidas, um feito nunca antes registrado no Brasil.

Claridade

Em 1975, Clara Nunes lançou o disco de maior sucesso de sua carreira, Claridade, que traz a canção icônica em sua voz, O Mar Serenou – de Candeia – além de outros sucessos como:

  • Juízo Final (Nelson Cavaquinho e Élcio Soares);
  • Que Sejas Feliz (Cartola);
  • e A Deusa dos Orixás (Romildo Bastos e Toninho Nascimento).

Neste mesmo ano, fez uma nova turnê pela Europa.

Capa do álbum “Claridade” (1975), de Clara Nunes | Foto: Reprodução

Canto das Três Raças

Em 1976, foi a vez do disco Canto das Três Raças, com sucesso homônimo, de Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte, um dos maiores clássicos eternizados na voz de Clara Nunes. Além dela, as canções:

  • Lama (de Mauro Duarte);
  • e Alvoroço no Sertão (Raimundo Evangelista e Aldair Soares).

As Forças da Natureza

Em 1977, a cantora lançou o disco de partido alto, As Forças da Natureza, que traz clássicos como a canção título, de Paulo César Pinheiro e João Nogueira, além de:

  • Coração Leviano (Paulinho da Viola);
  • Rancho da Primavera (Monarco);
  • e Coisa da Antiga (Wilson Moreira e Nei Lopes).

E também uma canção na qual Clara participa da composição, ao lado de Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós: À Flor da Pele.

Guerreira

Em 1978, lançou o álbum Guerreira, recheado de ritmos bem brasileiros, em canções como:

  • Outro Recado (Candeia e Casquinha);
  • Candongueiro (Wilson Moreira e Nei Lopes);
  • e a canção título (de Paulo César Pinheiro e João Nogueira).

Esperança

No ano seguinte, veio o álbum Esperança, que traz o grande sucesso Feira de Mangaio, de Sivuca e Glória Gadelha, além de outros clássicos como:

  • Abrigo de Vagabundos (de Adoniran Barbosa);
  • Minha Gente do Morro (de Candeia e Jaime);
  • e Na Linha do Mar (de Paulinho da Viola).

A Força da natureza de uma Guerreira

Em 1979, Clara Nunes precisou submeter-se a uma cirurgia no útero, após sofrer seu terceiro aborto espontâneo e descobrir – após muitas tentativas – que não podia engravidar.

O desejo intenso e frustrado de ser mãe, causou fortes abalos emocionais na cantora, mas também a levou a se entregar com mais força e amor à carreira artística e à defesa da música e da cultura brasileira.

Brasil Mestiço

Em 1980, lançou o álbum Brasil Mestiço, que conta com o grande sucesso em sua voz Morena de Angola, de Chico Buarque, além das faixas:

  • Meu Castigo (Paulo César Pinheiro);
  • e Regresso (Candeia). Neste ano, se apresentou mais uma vez em Angola.

Clara

No ano seguinte, lançou o LP Clara, que traz a participação da Velha Guarda da Portela, no grande sucesso Portela na Avenida, de Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte. Outros sucessos do disco são:

  • Deixa Clarear (Wilson Moreira e Nei Lopes);
  • e Magoada (João do Vale e Julinho do Acordeon).

Nação

Ainda em 1981, Clara Nunes estreou um espetáculo dirigido por Bibi Ferreira, chamado Clara Mestiça. Em 1982, lançou o seu último álbum de estúdio, Nação, com grande destaque para a faixa título (de João Bosco, Aldir Blanc e Paulo Emílio), além de outros sucessos como:

  • Ijexá (Filhos de Gandhi) (de Edil Pacheco);
  • Novo Amor (de Chico Buarque);
  • e Mãe África (de Sivuca e Paulo César Pinheiro).

Partida precoce e inesperada

Em março de 1983, no auge do sucesso, Clara Nunes precisou submeter-se a uma cirurgia de varizes e acabou tendo uma reação alérgica a um componente anestésico e sofrendo um choque anafilático e uma parada cardíaca. 

A cantora ficou internada por 28 dias, nos deixando órfãos de seu talento pouco antes de completar 41 anos de idade. Sua partida precoce não a impediu de fazer história como uma das mais belas e importantes vozes da nossa história.

No ano seguinte, sua escola de samba do coração, a Portela, levou para a avenida um samba enredo em sua homenagem – Contos de Areia – e foi campeã do carnaval carioca.

Em 2019, a escola desfilou com outro enredo inspirado na cantora: Na Madureira Moderníssima, hei sempre de ouvir cantar um sabiá.

A morte inesperada do grande talento da nossa música brasileira a rendeu homenagens em forma de canção – como Flor do Interior (de Manacéa) e Clara (de Aloísio Machado), além de muitos discos póstumos e coletâneas, com sucessos da carreira da cantora que ficaram para sempre eternizados na sua voz e na nossa história. 

Clara Nunes influenciou e inspirou uma geração de grandes cantoras da MPB que vieram depois dela e deixou o seu legado para sempre em nossa música. 

Em agosto de 2006, a Prefeitura de Caetanópolis lançou o 1º Festival Cultural Clara Nunes, com o objetivo de desenvolver a cultura no município e região, e também resgatar a obra da cantora.

No ano seguinte, a cidade inaugurou a Casa de Cultura Clara Nunes, no local onde antes era o cinema da cidade e onde Clara se apresentou pela primeira vez. Lá são realizadas oficinas de dança, música, pintura e teatro, oferecidas gratuitamente à população.

50 maiores sucessos de Clara Nunes

Preparamos uma playlist especial, com os 50 maiores sucessos de Clara Nunes, fazendo um passeio por sua  vida e a obra. Aproveite!

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