Um dos maiores ícones da música e da televisão brasileira, o ator, cantor e compositor Tony Tornado completa 95 anos de vida hoje e nós preparamos um texto para homenagear este grande artista, relembrando sua trajetória especial.
Sobre Tony Tornado
Nascido Antônio Viana Gomes – em Mirante de Paranapanema, região de Presidente Prudente, no interior de São Paulo – no dia 26 de maio de 1930, Tony Tornado tornou-se um dos principais nomes da black music e do funk no Brasil, consagrando-se tanto na área musical, como na atuação, além der ser um dos precursores do movimento negro no país.
Tony é uma força da natureza. Não à toa, seu nome artístico é “Tornado”. Ele transformou para sempre cada local por onde passou. E não foram poucos.
Seu pai nasceu, na capital da Guiana – Georgetown – e veio para o Brasil ainda criança, mais especificamente para Macapá, onde – mesmo tendo nascido na primeira década do século 20 – foi escravizado em fazendas do interior e trabalhou como reprodutor, tendo mais de 100 filhos.
No interior de São Paulo, conheceu a mãe de Tony. Com esse passado familiar tão recente, o garoto não poderia mesmo passar a existência sem muitas lutas. Desde muito cedo, Tony entendeu que a arte era seu destino e que a cidade onde nasceu – e onde trabalhou como baleiro no cinema – era pequena demais para ele.
Com menos de 18 anos foi para o Rio de Janeiro. No Rio, dormiu na rua, foi engraxate e vendeu amendoim, até que – aos 19 anos – serviu a Escola de Paraquedismo de Deodoro, onde foi colega de turma do apresentador Silvio Santos.
Depois de 13 anos no exército, depois de voltar da guerra pelo Canal de Suez, em 1957, Tony iniciou sua carreira artística.
Participou do programa “Hoje é Dia de Rock”, na Rádio Mayrink Veiga, ainda utilizando o nome artístico de Tony Checker, uma homenagem a Chubby Checker, cantor, compositor e dançarino norte-americano, conhecido por popularizar o twist com sua gravação, feita na década de 1960, do sucesso de R&B composto por Hank Ballard, “The Twist”.

A figura impressionante de Tony cantando e dançando twist, chamou a atenção do apresentador Carlos Imperial, que o contratou como dançarino em seu programa na TV Continental, ‘Festival dos Brotos’, do qual também participavamRoberto e Erasmo Carlos.
Nessa época, a luta pelos direitos civis estava ganhando corpo e chegando ao seu auge nos Estados Unidos. O Brasil também começava a ter grupos muito engajados na luta antirracista e Tony Tornado seguiu, em 1963, com o “Conjunto Folclórico Coisas do Brasil” para a Europa e depois para os Estados Unidos.
No coração do bairro do Harlem, Tony conheceu Stokely Carmichael – ativista negro do Movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos nas décadas de 1960 e 1970 – casado com a cantora Miriam Makeba – cantora, compositora, atriz, embaixadora da boa vontade da ONU e ativista pelos direitos humanos e contra o apartheid sul-africana.
Nos Estados Unidos, Tony também entrou em contato com os movimentos “Black is beautiful”, “Black Power’, “Black Panther” e foi impactado pelaMarcha sobre Washington (1963), pelo Verão da Liberdade e do Nobel da Paz para Martin Luther King (1964), e pela Marcha de Selma no Alabama e o assassinato de Malcolm X (1965).
Sobre essa época em que morou no centro do Harlem, Tony conta: “Lá, ou você canta ou trafica. Como é que eu ia cantar num lugar onde você ouve Ray Charles e James Brown o tempo todo?”.
Tony conta que traficou, mas que nunca foi usuário ou bebeu, porque não gosta: “O Sebastião(nome de batismo de Tim Maia, que morou nos Estados Unidos na mesma época em que Tornado) era mais ilegal do que eu. Eu era ilegal, mas era mais ou menos comportado, tinha 20 mulheres na rua. Cafetão era uma profissão boa, não era uma profissão qualquer, eu tinha minha Cadillac branca por dentro e por fora, roupas bonitas… O Sebastião, não, eu fui tirar ele na delegacia, ele tinha roubado não sei o quê. Alguém falou ‘ô, Comfort (apelido de Tony no Harlem), tem um brasileiro pegado lá’. Eu fui, e era o Tim. Paguei a fiança, ficamos muito amigos e continuamos a nossa amizade no Brasil. Eu fui no dia do último show dele…”.
Os quatro anos depois, tendo trabalhando também como cafetão, Tony Tornado foi deportado de volta ao Brasil, pois estava ilegalmente nos Estados Unidos. Não sem antes extrair tudo o que podia de arte e cultura negra americana e do movimento negro.
Projeção Nacional
Chegou no Brasil na fase mais dura da ditadura militar e passou a cantar em inferninhos da Praça Mauá, até que foi à boate New Holiday, para integrar o conjunto do músico Ed Lincoln, já introduzindo no Brasil toda a influência de James Brown, do funk e do soul.
Nesta época ele conheceu Janis Joplin, apresentada pelo cantor Serguei, e dois nomes que o fariam entrar para a história da MPB: Antônio Adolfo e Tibério Gaspar, os compositores da canção “BR-3”, que – em 1970 – Tony Tornado (já com esse nome artístico) interpretou no 5º Festival Internacional da Canção, ao lado do Trio Ternura, formado pelos irmãos – também negros – Jussara, Jurema e Robson da Silva.
Dançando e cantando versos como “a gente morre na BR-3”, foi impactante a vitória em primeiro lugar de Tony, um desconhecido do grande público até então, desbancando nomes como Caetano Veloso, Jair Rodrigues, Ivan Lins, Tom Jobim, Beth Carvalho e Gilberto Gil.
O sucesso nacional levou Tony Tornado a condição de astro e o rendeu o primeiro trabalho como ator, no programa “Chico Anysio Especial”. Ficou também casado com a atriz Arlete Sales – de 70 a 72 – e fez sua estreia no cinema, no filme “Tô na Tua, ô Bicho! do diretor Raul Araújo, em 1971.
O Movimento Black Rio veio então na esteira do estouro da soul music e agitava a vida cultural do país, principalmente no Rio de Janeiro.Os salões dos subúrbios cariocas eram tomados pelas roupas coloridas, os cabelos crespos, os discursos fortes e motivadores de uma auto estima negada desde há muito tempo à população negra.
Tony Tornado gravou dois álbuns pela gravadora Odeon, que levaram o seu nome: um em 1971 e outro em 1972. Ambos contavam com composições suas e de outros nomes como Tim Maia, Roberto Carlos, Getúlios Côrtes, Hyldon, Marcos e Paulo Sérgio Valle.
Perseguição e exílio
Mas, em tempos duros de repressão e ditadura militar, não demorou muito para que Tony Tornado fosse visto como “um suspeito em potencial”. A Comissão Estadual da Verdade do Rio (CEV-RJ) resgatou o seguinte trecho publicado, na época, pelo jornal O Globo: “Um revolucionário americano estaria no Brasil recrutando militantes para implementar no país um regime de segregação racial”.
Como bem colocou a escritora e jornalista Eliana Alves Cruz no artigo Um tornado chamado Tony”, que escreveu para o SescSP, em 2020: “Caso a palavra ‘incômodo’ tivesse uma foto no verbete do dicionário, Tony na época poderia facilmente ser esta ilustração, pois descia com sacrifícios pela garganta da elite e de certa classe média brasileira. Casado com uma atriz branca, falando em consciência racial e alçado ao topo do estrelato.”.
Em 1971, Elis Regina fez um show no Maracanãzinho e levantou as arquibancadas interpretando “Black is Beautiful”, canção de Marcos e Paulo Sérgio Valle. Ao terminar a canção, a cantora pediu para alguém negro subir ao palco e Tony gritou na hora um “sou eu!”.
Ele subiu e ergueu o punho cerrado como os Panteras Negras, grupo revolucionário da década de 1960, que lutava contra o racismo nos Estados Unidos. Já desceu do palco algemado, com 40 mil pessoas vaiando a polícia no estádio: “É uma história complicada. Foi um choque muito grande. As pessoas não estavam acostumadas. Eu cantava e falava coisas de negros, depois casei com uma loira. Foi um negócio muito sério. Deixavam recados ofensivos no meu carro.”, relembra o artista.
Tony conta que os militares inacreditavelmente interpretaram a canção “BR-3”, como uma referência à heroína. A repressão enviou Tony Tornado para um exílio forçado no Uruguai e de lá foi para a atual República Tcheca, Coréia do Norte, Cuba e Moscou.

Estreia de Tony Tornado na televisão
Quando voltou ao Brasil, Tony beijou o chão: “Igual ao Papa. Eles ficaram com medo porque eu estava começando a implantar coisas. A consciência negra”, ressalta.
Foi nesta época que Tornado deu seguimento a uma extensa carreira como ator. Ele estreou na TV Tupi em 1972, na novela “Jerônimo, o Herói do Sertão”, no papel de João Corisco, personagem que enfrentava o herói.
Em 1976, participou da novela “Tchan, a grande sacada” e também passou a trabalhar com Chico Anysio, com quem conta que aprendeu muita coisa.
Ainda na Tupi, conheceu “Os Trapalhões” e foi parceiro de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias por alguns anos.
Entre 82 e 83, Tony Tornado participou do humorístico “Balança mais não Cai” como o mordomo Charles, que respondia: “Yes, Sir” sempre que era chamado, fazendo a frase virar uma mania no país.
Foi também Ganga Zumba no filme “Quilombo”, de Cacá Diegues, de 1984, mas antes participou de diversos outros projetos no cinema também.
Em 1985, ainda interpretou o incrédulo Zé Alma Grande, na minissérie “Tenda dos Milagres”, até chegar no maior sucesso de sua carreira até então: Rodésio, o capataz da Viúva Porcina na novela “Roque Santeiro”, de 1986.
“Originalmente, era Rodésio quem ficava com Porcina no final da novela. A cena chegou a ser gravada, mas foi vetada pela emissora. Podemos imaginar como seria a repercussão, em 1984, do fim de um sucesso estrondoso como foi a novela, com a protagonista e ex ‘namoradinha do Brasil’ terminando em par romântico com o capataz negro.”, reflete a escritora Eliane Alves Cruz.
Em seguida, Tony Tornado interpretou o capitão do mato Justo Filho, na novela “Sinhá Moça” e conta que sofreu com o papel: “Sofri, historicamente, pelo personagem, e sofri na vida particular, como transferência. Era um negro branco, que dava ‘porrada’ na negada e não gostava de preto. Essa época eu tive problemas.”
Em 1991, foi o Pai Gil, na novela “Vamp”. Podemos lembrar ainda de sua atuação marcante, em 1993, como o chefe da segurança pessoal do presidente Getúlio Vargas, Gregório Fortunato, o “Anjo Negro”, na minissérie “Agosto”, baseada no livro de Rubem Fonseca.
Tony Tornado tambémencantou as crianças com o personagem Avalanche em “Caça Talentos”, novela infantil exibida em 1997 e protagonizada pela apresentadora Angélica no programa “Angel Mix”.
Em 2007, voltou à comédia ao integrar o elenco do humorístico “Zorra Total”. Em 2011, na novela “Cordel Encantado”, seu personagem, Damião, era casado com a personagem da atriz Débora Duarte e vivia o conflito de ter tido um filho branco.
Foram tantos papéis em produções marcantes, que Tornado está definitivamente na história da televisão brasileira. E também no cinema: foram mais de 20 filmes, como “Pixote, a Lei do Mais Fraco” (1980) e “Redentor” (2004).
Em 2017 participou da série “A Fórmula”, como Lisboa. No mesmo ano, esteve em “Carcereiros”, original Globoplay, como o agente Valdir. Ainda no serviço de streaming, fez uma participação em “Encantados”, em 2022. Em 2023, aos 92 anos, retornou às novelas em “Amor Perfeito”, interpretando o atrapalhado Frei Tomé.
Agora, em 2025, aos 95 anos, Tony Tornado estará na novela das seis “Êta Mundo Melhor!”.

O furacão Tony Tornado
Em 2015, aos 85 anos, Tony subiu ao Palco Sunset do Rock in Rio para cantar ao lado de Rappin Hood e de Nasi (do Ira!) e encarnar outra vez o “rei do soul”. Foi ovacionado ao entrar de óculos escuros e paletó amarelo e cantar “BR-3”, o grande hit da carreira de sua carreira de cantor.
Além de “BR-3”, Tornado abriu o show cantando “Pode crer, amizade” (sua composição em parceria com Majó) e engatou numa versão de “A Festa do santo reis” (de Márcio Leonardo) famosa na voz de Tim Maia.
Tornado chamou o filho, Lincoln – também cantor – para dividir o microfone. Ambos pediram igualdade racial em diferentes momentos.
Como escreve muito bem Eliane Alves Cruz no artigo “Um tornado chamado Tony”: “Tony Tornado atravessou nove décadas superando truculências que atingem em cheio o corpo negro masculino sem despertar compaixão ou amor, no máximo fetiche e desejo. Salta aos olhos a alegria, a paixão e a leveza com que relata passagens nada fáceis. Salta aos olhos como não existe traço de amargura e como não deixa de acreditar em valores cultivados desde uma juventude para lá de engajada e como segue inspirando jovens e adultos.”.
E conclui: “Sua longevidade ainda é exceção em um país que assiste adormecido à morte de um jovem negro a cada 23 minutos.”.
Fontes: Eliane Alves Cruz – “Um tornado chamado Tony” – Sesc SP e Memória Globo.



