Não se fala em outra coisa senão no magistral filme “Homem com H”, que conta a história de um dos maiores nomes da música popular brasileira de todos os tempos: Ney Matogrosso!
E não é para menos: o filme – dirigido e roteirizado por Esmir Filho – é excelente! Emocionante, comovente, forte, genial. Não apenas porque a vida e a obra de Ney são de uma grandeza sem igual, mas também porque a interpretação de Jesuíta Barbosa é arrebatadora. Se ainda não assistiu, corra!
E – entrando no clima do filme – hoje nós trouxemos a história por trás da música “Homem com H”, um dos maiores sucessos na voz inigualável de Ney Matogrosso, e que marcou para sempre a sua trajetória. Não à toa, dá nome à sua cinebiografia.
A história da música “Homem com H”
De autoria do cantor, compositor e poeta paraibano, Antônio Barros, “Homem com H” já havia sido gravada pela “Orquestra Som Bateau” e pelo grupo “Os Três do Nordeste“, em 1974, e até mesmo pelo próprio Antônio Barros, em 1980, antes de chegar nas mãos – ou melhor, na voz – de Ney Matogrosso.
Antônio conta que compôs a música depois de assistir auma cena danovela “O Bem Amado”, exibida pela TV Globo em 1973. Na cena, depois do personagem principal da novela, Odorico Paraguaçu (interpretado por Paulo Gracindo) ficar com medo do cangaceiro matador Zeca Diabo (interpretado por Lima Duarte), seu secretário – Dirceu Borboleta (vivido por Emiliano Queiroz) – pergunta:
- “Seu Odorico, o senhor, o dono da cidade, está com medo de um cangaceiro?”
E Odorico responde com a seguinte frase:
- “Ô, Seu Dirceu! Eu nunca vi rastro de cobra nem couro de lobisomem!”
Ao escutar esta frase na novela, Antônio Barros correu para o violão e compôs “Homem com H”.

Nessa época, estava surgindo no cenário nacional, a banda “Secos & Molhados”, da qual Ney Matogrosso foi vocalista, e que revelou o artista para o grande público, ao lançarem dois álbuns antológicos, em 1973 e 1974.
Antônio Barros conta que quando viu aquela figura “super ambígua” do Ney, achou que ele tinha que cantar essa música: “Já pensou gravar essa música ‘Homem com H’, esse cara cantando bem fininho: nunca vi rastro de cobra nem couro de lobisomem… era um contraste!”.
Então, o compositor mandou a música para o produtor musical de Ney Matogrosso na época, Marcos Mazzola. Nesta época, Ney tinha acabado de sair dos Secos & Molhados e estava começando sua carreira solo. Na banda, ele era um fenômeno popular, mas na carreira solo ele ainda estava buscando essa popularidade com o público, que ainda o via muito vinculado aos Secos & Molhados (o filme retrata isso muito bem!).
Alguns anos depois, quando Mazzola mostrou “Homem com H” para Ney Matogrosso, o cantor – em um primeiro momento assim – conta que estranhou, porque nunca tinha cantado um forró e não era um representante da cultura nordestina. O filme mostra que Ney inclusive se sentia invadindo um território que não era seu.
Apesar do posicionamento do cantor, Mazzola ainda tentou insistir, porque acreditava muito que Ney devia gravar “Homem com H”. Ele disse: “Deixa eu fazer pelo menos a base da música, se você não gostar, a gente não grava. Você é quem vai pro palco, não sou eu, você que é o artista.”.
Mazzola insistiu tanto, que Ney topou gravar e disse que, quando a música estivesse pronta, se ele não gostasse, não entraria para o álbum que ele estava gravando naquele momento e que seria lançado em 1981, com o nome de “Ney Matogrosso”.
“Mas quando eu cantei, eu já vi que eu podia brincar com aquela história. Que aquilo dali tinha um duplo sentido.”, conta Ney.
Já Mazzola revela que na hora que eles estavam gravando, começou a ver que o Ney sorria e olhava para ele, e que achou que o cantor estava se convencendo de que gravar aquela música era uma boa ideia.
Até um dia, o cantor e compositor Gonzaguinha – era da mesma gravadora de Ney Matogrosso na época, a Ariola, foi no estúdio em que eles estavam gravando o álbum e escutou a gravação de “Homem com H”.
Quando Ney contou que não estava certo de que incluiria a canção no disco, Gonzaguinha na hora falou: “Ney, você não está percebendo que você é a única pessoa que pode cantar isso e a música ter uma graça diferente, né? Porque, qualquer pessoa que cante isso… é isso. Mas com você é uma outra conotação, é uma coisa engraçada!”.
Foi o que faltava para convencer Ney Matogrosso a gravar “Homem com H”!
E era isso mesmo: a letra da música se encaixa perfeitamente com a performance do Ney.
“Eu cantar isso era transgressor naquele momento. Eu transgredia uma mentalidade: as pessoas achavam que eu não era homem, e ele me dá uma música onde eu afirmo que sou homem. Agora, o fato de eu afirmar também era um deboche, porque eu também nunca nunca me submeti a dizer ‘ah, é ou não é’, isso nunca me disse nada, isso nunca me atrapalhou.”, reflete o artista.
Na hora em que a música chegou às rádios, em uma semana, ela tornou-se um hit nacional. Este LP, de 1981, foi o mais vendido da carreira de Ney Matogrosso.
Ney já tinha lançado seis discos em carreira solo e conquistado sucesso com hits como “Bandido Corazon” (composição de Rita Lee) e “Bandolero” (de Luhli e Lucina), mas nada se comparava com o que aconteceu com “Homem com H”.
O artista analisa: “’Homem com H’ me tornou popular como Secos & Molhados foi. Até então, depois que eu saí dos Secos & Molhados, eu não tinha alcançado essa popularidade. Eu tocava, tinha prestígio, mas não era popular. Essa música atravessou todas as barreiras: de tocar num radinho de pilha no interior do Brasil e as pessoas estarem me ouvindo.”.
Antonio Barros conta a surpresa que foi saber que – depois de passados anos que ele tinha pensado nessa possibilidade – Ney Matogrosso gravou sua música: “Eu estou na Paraíba e nem me lembrava mais, quando um dia um moço diz: ‘Você já ouviu Ney Matogrosso cantando ‘Homem com H’” Eu digo: ‘O quê???’. Eu estava dentro do banheiro tomando banho, quase que eu caí dentro do banho, debaixo do chuveiro. Quando eu vi o homem que eu queria que gravasse a minha música, gravando. Foi fantástico.”.
Ney Matogrosso, como bem relata a sua cinebiografia, foi uma figura importantíssima, que levou nas costas algo muito forte: ele foi fundamental na liberação dos costumes no Brasil via cultura. Ney mostrava que podia fazer coisas ditas “femininas” sem abrir mão da figura “masculina” dele.
“A música foi feita para ele. A música foi feita para Ney Matogrosso. Eu acho que se outra pessoa da mídia tivesse gravado, não teria acontecido. Aconteceu porque era ele que tinha que acontecer com essa música.”, conclui Antônio Barros.



