Você conhece Lupicínio Rodrigues, cantor e compositor gaúcho que – na última semana, ao lado de Pixinguinha -foi nomeado pelo presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, como “Patrono da MPB”?
A Lei 15.204, sancionada pelo presidente no dia 11 de setembro, concedeu o importante título a esses, que são dois dos mais importantes nomes da história da música popular brasileira de todos os tempos.
Hoje, preparamos uma matéria especial, para que você conheça mais sobre o – também aniversariante do dia! – Lupicínio Rodrigues.
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Quem foi Lupicínio Rodrigues
Cantor e compositor gaúcho de Porto Alegre, Lupicínio Rodrigues foi um dos maiores representantes do gênero samba-canção – um samba um pouco mais lento e com temas sobre a dor de amor, a decepção amorosa e o abandono: a famosa dor de cotovelo.
Muitos dizem, inclusive, que o termo foi inventado por ele, pois deu nome ao seu segundo disco, lançado em 1973.
O termo faz alusão à figura de uma pessoa sentada no bar, apoiando os cotovelos em cima do balcão, enquanto toma uma bebida e lamenta a má sorte no amor. Assim, de tanto ficar com os cotovelos nessa posição, eles começam a doer, segundo o imaginário popular.
Apaixonado por música desde criança, Lupi – como era chamado na infância – ainda com 12 anos, chegou a ser aprendiz nas oficinas da Companhia Carres Porto-Alegrense, empresa de bondes, e na oficina Micheletto, onde carregou peso e fez parafusos e porcas, para ajudar nas despesas da casa.
Mas o que Lupicínio gostava mesmo de fazer era compor samba. Com essa idade já fazia músicas para os blocos carnavalescos de seu bairro. Conforme crescia, mostrava interesse nos encontros no bar de Seu Belarmino, na Praça Garibaldi, onde ficava bebendo e cantando até de madrugada.
Para afastá-lo da boemia, em 1931, seu pai levou o filho, como voluntário, ao Exército. A rígida disciplina entrou em choque com o espírito boêmio do jovem. Mesmo servindo ao Sétimo Batalhão de Caçadores de Porto Alegre, Lupicínio não desistiu da música.
Ele assumiu o posto de cantor do conjunto musical formado pelos soldados e continuava compondo para os blocos carnavalescos e vencendo concursos.

Com 14 anos, o jovem Lupicínio Rodrigues chegou a vencer um concurso com uma marchinha sua, chamada “Carnaval”, feita para o Cordão Carnavalesco Prediletos.
Dois anos depois, ele foi promovido a cabo e transferido para a cidade de Santa Maria. Quando deu baixa no exército, em 1935, seu pai lhe conseguiu um emprego de bedel na Faculdade de Direito da UFRGS, onde trabalhou por mais de 10 anos.
Os primeiros passos como profissional
Mas sua carreira musical já começava a acontecer paralelamente. Em 1935, Lupicínio entrou no concurso de música popular instituído pela Prefeitura para animar as comemorações do centenário da Revolução Farroupilha.
“Triste História”, samba-canção que ele compôs em parceria com o cantor Alcides Gonçalves, foi a vencedora de um bom prêmio em dinheiro. No ano seguinte, Lupi teve suas primeiras músicas gravadas pelo parceiro Alcides: além de “Triste História”, o samba “Pergunte a Meus Tamancos”.
Dois anos depois, em 1938, Lupicínio Rodrigues obteve seu primeiro grande sucesso nacional, com o samba “Se Acaso você Chegasse”, parceria com Felisberto Martins, gravado por Cyro Monteiro.
Na entrevista do vídeo abaixo, Lupicínio conta que começou cantando e gravando músicas alegres, mas que as circunstâncias da vida – por ter acreditado muito no amor e sofrido por isso – ele mudou de gênero:
Apesar da qualidade de suas músicas e composições, sempre muito premiadas, não era fácil conseguir gravá-las, pois Lupicínio Rodrigues nunca deixou de viver em Porto Alegre, e, portanto, estava longe das gravadoras e dos grandes cantores.
Um fato que fez seus sambas serem divulgados nos grandes polos culturais como São Paulo e Rio de Janeiro, mesmo nunca tendo deixado de viver em Porto Alegre, foi o de sua cidade receber muitos navios.
Desta forma, os marinheiros que frequentavam a boemia do centro da capital gaúcha – onde os bares tocavam muitas das músicas de Lupicínio – quando embarcavam, divulgavam aqueles sucessos ouvidos em Porto Alegre para outros centros.
Foi assim que “Se Acaso Você Chegasse” chegou até a gravadora RCA Victor e foi gravada por Cyro Monteiro. O imenso sucesso da canção fez Lupicínio ganhar projeção nacional e viajar para o Rio de Janeiro, em 1939, onde frequentou os bares da Lapa e o Café Nice, em companhia de Ataulfo Alves, Wilson Batista e outros grandes nomes do samba.
“Se Acaso Você Chegasse” foi gravada – mais tarde – por muitos grandes nomes da nossa música como Elza Soares, Nelson Gonçalves, Elis Regina e Jair Rodrigues. A música deu – inclusive – nome ao primeiro álbum da carreira de Elza, em 1960.
Uma carreira de sucessos em várias vozes
Em 1947, o Quarteto Quitandinha gravou outro que seria um dos maiores sucessos da carreira de Lupicínio Rodrigues e um dos clássicos mais importantes da nossa história: a canção “Felicidade”: “Felicidade foi-se embora e a saudade no meu peito ainda mora…”.
Lupicínio gravou a canção – que depois foi gravada com sucesso por nomes como Caetano Veloso e Marisa Monte – alguns anos depois, em 1952:
No mesmo ano, Lupicínio escreveu “Nervos de Aço”, que fez imenso sucesso quando lançada na voz de Francisco Alves. Anos depois, a música foi gravada também por nomes como Elza Soares, Jamelão (o maior intérprete de Lupicínio de todos os tempos) e por Paulinho da Viola, tendo feito muito sucesso em sua voz. Aqui, o compositor conta a história da canção:
Em 1948, Lupicínio Rodrigues compôs o samba-canção “Esses Moços (Pobres Moços)”, onde alerta os jovens sobre as inconveniências do amor. Gravada por Francisco Alves, foi depois – em 1970 – gravada pelo próprio Lupicínio, além de ter versões nas vozes de nomes como Gilberto Gil, Nelson Gonçalves, Emílio Santiago e Jamelão.
Em 1950, Francisco Alves gravou outro sucesso de Lupicínio em parceria com Alcides Gonçalves: “Cadeira Vazia”, que depois foi gravada com êxito por Elza Soares, Elis Regina, Jair Rodrigues, entre outros.
Em 1951, foi a vez de outro grande sucesso de Lupicínio Rodrigues conquistar o Brasil: o samba-canção “Vingança”, gravado pelo Trio de Ouro e por Linda Batista, no auge de sua carreira, bateu todos os recordes de venda.
“Vingança” depois ganhou versões nas vozes do próprio Lupicínio, de Ângela Maria, Elza Soares, Noite Ilustrada, Nora Ney, Jamelão, Cauby Peixoto, entre outros. A música deu nome – em 2014 – a uma peça de teatro musical baseada na obra de Lupicínio Rodrigues, escrita por Anna Toledo.
Outro imenso sucesso de Lupicínio é a canção “Nunca“, de 1952, regravada por nomes como Jamelão, Zizi Possi, Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto e Beth Carvalho.
Sua própria voz
Como compositor ele foi gravado por muitas vozes importantes da nossa música. Mas foi somente em 1955 que Lupicínio Rodrigues gravou seu primeiro disco como intérprete de suas canções: “Roteiro de um Boêmio”.
Em toda a sua carreira, o artista gravou como cantor seis compactos de 78 rotações por minuto e dois álbuns: o segundo foi em 1973, chamado “Dor de Cotovelo”, que trouxe outros sucessos seus como “Loucura” e “Castigo”, esta última em parceria com Alcides Gonçalves.
Torcedor do Grêmio, o artista compôs o hino do time do coração em 1953. Seu retrato está na Galeria dos Gremistas Imortais, no salão nobre do clube.
Na década de 1960, Lupicínio foi quase ao ostracismo com a chegada da Jovem Guarda, do rock’n roll brasileiro, da Tropicália e da Bossa Nova. O gênero em que ele compunha ficou em segundo plano, principalmente em Porto Alegre.
Ele só voltou a fazer bastante sucesso nos anos 1970, quando Caetano Veloso gravou “Felicidade” e Gal Costa gravou outra composição importantíssima de Lupi: “Volta”, de 1957, em seu álbum “Índia“, de 1973:
Foi um grande marco, porque – depois disso – Lupicínio Rodrigues começou a ser regravado por todos esses grandes nomes que nós já citamos acima e nunca deixou de ser referência para os artistas de geração em geração.
Lupicínio Rodrigues nos deixou em 1974, aos 59 anos, vítima de uma insuficiência cardíaca. Mas o legado que o cantor e compositor gaúcho deixou para a nossa cultura é imensurável: uma obra atemporal, eternizada nas vozes de grandes nomes da MPB e regravada por diversos artistas até os dias atuais.



