Desde sua estreia ovacionada em Cannes, O Agente Secreto, novo filme de Kleber Mendonça Filho, vem despertando expectativa e orgulho no público brasileiro. Protagonizado por Wagner Moura, o longa já chamaria atenção pela atuação intensa do ator baiano — mas é a trilha sonora que vem conquistando a crítica e o público de forma arrebatadora.
A música aqui não é pano de fundo. É narrativa. É atmosfera. É memória coletiva.
E, sobretudo, é Brasil — em sua diversidade, contradição, poesia e força. Vale dizer que Kleber Mendonça Filho costuma dar uma atenção especial para as trilhas sonoras de seus filmes – basta lembrar das músicas que embalaram Bacurau.
Kleber sempre tratou o som como elemento central da construção de seus filmes e agora retoma sua origem recifense e mergulha em camadas afetivas da música do Nordeste. A trilha é uma verdadeira viagem pela cultura popular e seus cruzamentos com o contemporâneo. O aclamado filme chega hoje aos cinemas de todo Brasil e além de Wagner, o frevo também será protagonista.

O ritmo recifense brilhou na premiere mundial do longa-metragem, durante o Festival de Cannes, na França, em maio deste ano, e também na sessão especial para o presidente Lula, no Palácio da Alvorada. Em ambas as ocasiões, a equipe do filme desfilou ao som do frevo da Orquestra Popular do Recife, junto ao grupo Guerreiros do Passo, cujos passistas encenam a dança do frevo de décadas atrás.
Em uma cena do filme retratada num dos teasers o personagem de Wagner Moura encontra um bloco de carnaval no centro do Recife, onde foliões se divertem ao som de “Cabelo de Fogo”, do Maestro Nunes. A música é um frevo de rua de 1986 que marca momentos de apoteose no carnaval pernambucano até hoje. Apesar da história do filme se passar em 1977, nove anos antes do lançamento da composição, a sua escolha pode ser interpretada como uma licença poética do diretor recifense, reforçando a atemporalidade da obra.
Mas nem só de frevo se faz a trilha de “O Agente Secreto”. O filme ainda conta com outros cânones da música pernambucana, brasileira e internacional entre as músicas licenciadas. Títulos como “A Briga do Cachorro com a Onça” (1973), da Banda de Pífanos de Caruaru, “Não há mais tempo” (1964), de Ângela Maria, “If you leave me now” (1974), de Chicago estão na trilha.
Há ainda “Harpa dos Ares” e “Trilha de Sumé / Culto à Terra / Bailado das Muscarias”, do disco “Paêbirú – A caminho da montanha do sol”, de Lula Côrtes e Zé Ramalho. O álbum virou mito logo após o seu lançamento, em 1975, quando uma enchente do Rio Capibaribe, no Recife, atingiu a gravadora Rozenblit e destruiu a maior parte da tiragem única e a fita master do disco, que estavam no local. A mística em torno do disco ainda é reforçada pela psicodelia das músicas, que foram inspiradas por uma visita de Lula e Zé à Pedra do Ingá do Bacamarte – um sítio arqueológico da Paraíba, conhecido pelas inscrições rupestres.
O brega clássico de Waldick Soriano emociona sem pedir licença.
Nada é aleatório: cada faixa trabalha como camada emocional e sociopolítica da trama. A música reage ao filme e o filme responde à música. Atrilha sonora de “O Agente Secreto” já nasce antológica: um retrato vivo da cultura brasileira, das ruas recifenses e de todos os Nortes que cabem em nós.



