“Adolescência” expõe crise nas relações humanas e alerta sobre redes sociais

A Série Adolescência, produção da Netflix, tem gerado intensos debates por sua abordagem crua e realista do universo juvenil. Para o psicanalista Christian Dunker, entrevistado por Heródoto Barbeiro no jornal da Novabrasil, a série transcende o entretenimento ao se configurar como um verdadeiro documento sobre o colapso das relações humanas, especialmente no ambiente familiar e escolar.

Uma tragédia contemporânea

Segundo Dunker, a série Adolescência se diferencia das tradicionais narrativas dramáticas por se estruturar como uma tragédia. Não há um vilão único nem um culpado óbvio. Em vez disso, há um emaranhado de pequenas omissões, falhas e violências cotidianas que culminam em um crime bárbaro — mas, paradoxalmente, banal.

A narrativa em tempo real, sem cortes, provoca no espectador um tipo de angústia que não se encerra com a punição de um culpado. “Todo mundo se vê naquela família, naquela escola, naquela atitude”, afirma o psicanalista, destacando o poder de identificação promovido pela série.

O enfraquecimento da palavra e a tolerância à mentira

Um dos aspectos centrais da série Adolescência é a crise da palavra. A produção escancara o quanto a verdade, a mentira e a falsidade perderam peso entre os adolescentes — muitas vezes, sem qualquer consequência. Um garoto de 13 anos mente, manipula, desafia psicólogos e pais, e o espectador se vê obrigado a conviver com essa tensão sem resolução rápida.

Dunker aponta que essa é uma crítica contundente à forma como os adultos vêm tolerando comportamentos inconsequentes, legitimando a desconstrução do valor da palavra na formação dos jovens.

Redes sociais: de espaço privado à arena pública

Outro alerta presente na série Adolescência — e reforçado por Dunker — é a falsa ideia de que o uso de redes sociais por adolescentes ocorre em um “espaço privado”. Para muitos pais, o quarto dos filhos representa intimidade inviolável, mas esquecem que TikTok, Instagram e outras plataformas são, na verdade, arenas públicas.

A série escancara a vulnerabilidade dos jovens diante de discursos de ódio, comunidades tóxicas como incels e redpills, e a ausência de mediação adulta. “Os códigos mudaram, os pais não compreendem mais as linguagens digitais, e isso os torna incapazes de intervir”, alerta o psicanalista.

Falta de regulação e a impunidade digital

A crítica de Dunker também se estende à ausência de políticas públicas e regulamentações que protejam os adolescentes no ambiente digital. Ele questiona a inexistência de prerrogativas como o “direito ao esquecimento” ou a possibilidade de mediação nos casos de agressões virtuais.

Mesmo com evidências de que o uso excessivo dessas plataformas esteja ligado a transtornos emocionais, adolescentes seguem expostos, sem filtros, limites ou acompanhamento. “A tragédia é que sabemos que isso é nocivo, mas seguimos permitindo”, conclui.

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS