Há exatos 176 anos, no dia 17 de outubro de 1847, nascia uma das figuras mais importantes da história da música popular brasileira: a compositora, instrumentista e regente Chiquinha Gonzaga! Nesta matéria, confira detalhes importantes sobre sua biografia.
A importância de Chiquinha Gonzaga para a MPB
Chiquinha Gonzaga é figura tão importante para a música popular brasileira que a data de seu nascimento tornou-se oficialmente – em maio 2012 – o Dia da Música Popular Brasileira, por meio da Lei 12.624, sancionada no Rio de Janeiro, cidade em que nasceu.
A artista foi a primeira compositora popular e a primeira pianista de choro (chorona) do Brasil, além de ser também a primeira mulher a reger uma orquestra no país.
Chiquinha Gonzaga é também autora da primeira marchinha de carnaval com letra da nossa história: a clássica Ô Abre Alas, escrita em 1899, para o cordão carnavalesco Rosa de Ouro, que passava na frente de sua casa, no bairro do Andaraí, no Rio de Janeiro.
Os preconceitos que Chiquinha Gonzaga enfrentou
No que diz respeito ao pioneirismo, ela foi uma mulher muito à frente de seu tempo. Quebrou muitas barreiras e rompeu padrões, tanto na música – abrindo portas (ou alas!) para muitas mulheres, em uma profissão que não era exercida por elas na época; quanto na sociedade: lutando pelas liberdades no país.
Chiquinha Gonzaga também participou da campanha abolicionista e da proclamação da república do Brasil e enfrentou uma cultura opressora, ao romper casamentos e perder a guarda dos filhos para dedicar-se à carreira.
Ela chamava atenção nas rodas boêmias do Rio por ser independente e por fumar em público, algo que não era considerado de “bom tom” para mulheres na época.
A artista enfrentou todos os preconceitos da sociedade patriarcal e escravista para se firmar como pianista, compositora, regente e, por fim, líder de classe em defesa dos direitos autorais.
Ao todo, Chiquinha compôs músicas para 77 peças teatrais, tendo sido autora de cerca de duas mil composições em gêneros variados: valsas, polcas, tangos, lundus, maxixes, fados, quadrilhas, mazurcas, choros e serenatas.
Preparamos uma linha do tempo de sua trajetória, desde o nascimento, até o dia da sua partida, em 1935, aos 87 anos.
Biografia de Chiquinha Gonzaga
Francisca Edviges Neves Gonzaga, nasceu no Rio de Janeiro do Segundo Reinado, filha da união de José Basileu Gonzaga, marechal de campo do Exército Imperial Brasileiro, e de Rosa Maria Neves de Lima, filha de escrava alforriada. Contrariando a família, José casou-se com Rosa após o nascimento da filha.
Chiquinha cresceu em uma família de pretensões aristocráticas (afilhada de Luís Alves de L. e Silva, Duque de Caxias) e conviveu bastante com a rígida família paterna.
A menina cresceu e se educou em um período de grandes transformações na vida da cidade. Além de escrever, ler e fazer cálculos, estudar o catecismo, e outras prendas femininas, a jovem Chiquinha aprendeu a tocar piano, estudando com o maestro Elias Álvares Lobo.
Desde cedo, também frequentava rodas de lundu, umbigada e outros ritmos oriundos da África. Aos 11 anos, em 1858, escreveu sua primeira composição, a canção natalina Canção dos Pastores.
Casamento aos 16 anos, maternidade, separação e preconceito
Em 1863, aos 16 anos, por imposição paterna, Chiquinha Gonzaga casou-se com Jacinto Ribeiro do Amaral, oficial da Marinha Mercante, e logo engravidou do seu primeiro filho, João Gualberto, nascido em 1864. Sua segunda filha, Maria do Patrocínio, nasceu em 1865, e seu terceiro filho, Hilário, em 1970.
Em 1869, Gonzaga foi homenageada pelo compositor Joaquim Canado, com a polca Querida por Todos.
Não suportando a reclusão do navio onde o marido servia e, principalmente a proibição de que se envolvesse com a música (o marido não gostava de música e encarava o instrumento como seu rival), uma inquieta e determinada Chiquinha decidiu abandonar o casamento, seis anos depois, escandalizando a sociedade conservadora da época.
Por isso, sua família a expulsa de casa, proibindo-a de levar dois de seus três filhos e permitindo que mantivesse consigo somente o filho mais velho.
Chiquinha Gonzaga sofreu muito por ter sido separada de seus filhos Maria do Patrocínio e Hilário, os quais não pôde criar, e também sofreu muito preconceito por criar um filho sozinha.
Nesta mesma época, sofreu um processo de divórcio perpétuo movido pelo marido no Tribunal Eclesiástico.
Após a separação, Chiquinha lecionou piano e frequentou rodas de choro, acompanhada pelo flautista Joaquim Antônio da S. Callado. Na ocasião, conheceu o engenheiro de estradas de ferro João Batista de Carvalho, com quem iniciou um relacionamento e teve uma filha: Alice Maria, em 1875.
Eles viveram juntos por alguns anos, mas Chiquinha não aceitava as relações extraconjugais do parceiro e separou-se mais uma vez, perdendo a guarda de mais uma filha, um sofrimento imenso para uma mãe.
Reconhecimento por sua obra
A partir daí, voltou a lecionar, retornou aos bailes e passou a viver como musicista independente, com o grupo Choro Carioca, dando aulas e tocando piano em lojas de instrumentos musicais. Passou a dedicar-se inteiramente à música, obtendo bastante reconhecimento pela composição de polcas, valsas, tangos e cançonetas.
A necessidade de adaptar o som do piano ao gosto popular rendeu-lhe reconhecimento como a primeira compositora popular do Brasil. O sucesso começou em 1877, com a polca Atraente, seguida das composições Sultana, de 1878, e Camila, de 1879. Nesta época, Chiquinha seguiu seus estudos musicais com Artur Napoleão.
A profissionalização da mulher como musicista era fato inédito na sociedade da época, ainda mais aquele tipo de música de dança para consumo nos salões.
A atividade exigia muito mais que talento, mas também determinação e coragem – qualidades que não faltavam a Chiquinha Gonzaga.
A estreia de Chiquinha Gonzaga
A partir da repercussão de sua primeira composição impressa, Chiquinha resolveu lançar-se no teatro de variedades e revista. Estreou compondo a trilha da opereta A Corte na Roça, de 1885, com texto de Palhares Ribeiro, no Teatro Imperial, com a companhia portuguesa Souza Bastos.
Em 1886, Chiquinha Gonzaga passou a fazer reuniões de violonistas em bairros cariocas para valorizar o instrumento, considerado pela burguesia como símbolo da malandragem. Também compôs o choro Sabiá na Mata para o concerto de 100 violões, no Teatro São Pedro.
Em 1888, com A Filha do Guedes, Chiquinha regeu – pela primeira vez – uma orquestra, tornando-se a primeira mulher regente da história do Brasil.
Chiquinha regente, militante, autora de marchinha e internacional
Ao longo de sua carreira de regente, Chiquinha Gonzaga musicou dezenas de peças de teatro nos gêneros mais variados. Em 1889, regeu, no Imperial Teatro São Pedro de Alcântara, um original concerto de violões, promovendo este instrumento ainda estigmatizado.
Era a mesma coragem que movia a militante política, participante de todas as grandes causas sociais do seu tempo, denunciando assim o preconceito e o atraso social.
A abolicionista fervorosa passou a vender partituras de porta em porta a fim de angariar fundos para a Confederação Libertadora e, com o dinheiro da venda de suas músicas, comprou a alforria de José Flauta, um músico escravizado.
Ó Abre Alas, a primeira marchinha de carnaval
Em 1899, Chiquinha Gonzaga compôs Ó Abre Alas, para embalar o desfile do cordão Rosa de Ouro, do bairro Andaraí, no Rio de Janeiro. Foi a primeira composição criada para o Carnaval, que definiu um novo estilo musical – a Marcha-Rancho – considerado o ritmo oficial do Carnaval a partir daí.
Quem foi o grande amor de Chiquinha Gonzaga?
Também em 1899, aos 52 anos, Chiquinha conheceu e apaixonou-se por João Batista Fernandes Lage, um estudante de música de 16 anos. A diferença de idade era muito grande, e temendo mais uma vez o preconceito, Chiquinha escondeu o relacionamento, adotando João Batista como filho.
Assim, pôde viver o seu grande amor, evitando escândalos e em respeito aos seus filhos, protegendo também sua carreira. Após certa resistência inicial, os filhos de Chiquinha aceitam o romance da mãe com naturalidade.
A temporada em Portugal
Chiquinha passou a viajar bastante pela Europa entre 1902 (data de sua primeira ida ao continente europeu) e 1910, tornando-se especialmente conhecida em Portugal, onde escreveu músicas para diversos autores.
Em 1906, ela e João Batista mudaram-se para Lisboa, em Portugal, para viverem mais tranquilos, longe de julgamentos. Eles retornaram ao Brasil em 1909 e nunca assumiram de fato o romance, que foi descoberto após a morte de Chiquinha, por meio de cartas e fotos do casal.
Em 1911, Gonzaga iniciou intensa atividade, musicando peças teatrais para os espetáculos por sessões dos cineteatros da praça Tiradentes.
Em 1912, ela estreou a reconhecida opereta Forrobodó, que chegou a ter 1.500 apresentações seguidas, sendo recordista deste gênero no Brasil.
Em 1913, Chiquinha começou uma campanha pela defesa do direito autoral de compositores e teatrólogos.
Uma mulher pioneira e transgressora
Pouco depois do retorno de Chiquinha Gonzaga ao Brasil, a irreverente artista brasileira Nair de Tefé von Hoonholtz, primeira caricaturista feminina do mundo, casou-se com o então presidente da república Hermes da Fonseca, tornando-se primeira-dama do país.
Chiquinha foi convidada por Nair de Tefé para alguns saraus no Palácio do Catete, a então morada presidencial, mesmo sob a contrariedade imposta pela família da primeira dama.
Em 1914, no palácio presidencial, o recital de lançamento de Corta-Jaca, maxixe composto por Chiquinha Gonzaga, escandalizou a imprensa e a burguesia.
Foram feitas críticas ao governo e retumbantes comentários sobre os “escândalos” no palácio, pela promoção e divulgação de músicas com origens em danças vulgares. O ato de levar para o palácio do governo a música popular brasileira foi considerado, na época, uma quebra de protocolo.
A primeira sociedade protetora e arrecadadora de direitos autorais do país
Como autora de músicas de sucesso, sobretudo pela divulgação nos palcos populares do teatro musicado, Chiquinha Gonzaga – como vários outros autores – sofreu exploração abusiva de seu trabalho, o que fez com que tomasse a iniciativa de fundar, em 1917, a primeira sociedade protetora e arrecadadora de direitos autorais do país, a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (Sbat).
Em 1919, foi encenada a peça de costumes regionais Jurití, de Viriato Corrêa e musicada por Chiquinha, que tornou-se o maior êxito no gênero.
Falecimento
Em 1925, a artista recebeu uma homenagem consagradora da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (Sbat) e manifestações de reconhecimento do país inteiro.
Em 1933, aos 85 anos, Chiquinha Gonzaga escreveu sua última composição: Maria.
A artista morreu em 28 de fevereiro de 1935 – bem na época em que começava o Carnaval daquele ano – ao lado de João Batista Lage, seu grande amor, amigo, parceiro e fiel companheiro, que aprendeu muito sobre música e sobre a vida com a parceira.
Homenagens à Chiquinha Gonzaga
Chiquinha Gonzaga teve seu trabalho reconhecido em vida, sendo festejada pelo público e pela crítica. Dos compositores brasileiros, Chiquinha Gonzaga foi a que trabalhou com maior intensidade a transição entre a música estrangeira e a nacional.
Com isso, abriu o caminho e ajudou a definir os rumos da música propriamente brasileira, que se consolidou nas primeiras décadas do século XX.
- Em 1983, Chiquinha foi homenageada no teatro, na premiada peça Ô Abre Alas, escrita por Maria Adelaide Amaral, sob encomenda do Teatro Popular do SESI de São Paulo, com direção de Osmar Rodrigues da Cruz e tendo a atriz Regina Braga no papel principal.
- Em 1985, a compositora foi homenageada no carnaval carioca, pela escola de samba Mangueira, com o enredo Abram Alas Que Eu Quero Passar.
- Em 1997, foi novamente homenageada no carnaval carioca, pela Imperatriz Leopoldinense, com o enredo Eu Sou Da Lira, Não Posso Negar… . A atriz Rosamaria Murtinho, que vivia a artista no teatro, representou-a no desfile.
A segunda montagem da peça Ô Abre Alas, ocorreu em 1998, no Rio de Janeiro, em comemoração dos 150 anos de nascimento de Chiquinha Gonzaga, com encenação de Charles Möeller e direção musical de Claudio Botelho, tendo Rosamaria Murtinho no papel principal. Em 1999, a peça foi para São Paulo.
- Em 1999, foi criada no Brasil a Medalha de Reconhecimento Chiquinha Gonzaga, para mulheres que militam em prol das causas democráticas, humanitárias, artísticas e culturais.
- Em 1999, Jayme Monjardim dirigiu a minissérie Chiquinha Gonzaga, na TV Globo, em que a artista foi vivida por Regina e Gabriela Duarte.
- No cinema, a compositora foi interpretada por Malu Galli, em 2011, no filme O Xangô de Baker Street, baseado no livro homônimo, escrito por Jô Soares.
- Chiquinha também foi vivida por Bete Mendes, no filme Brasília 18%, de 2006, dirigido por Nelson Pereira dos Santos.
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