Um dos maiores compositores da história da música popular brasileira de todos os tempos – que, além de letrista, também era cronista e médico – Aldir Blanc completaria 79 anos neste 02 de setembro de 2025. Para celebrar o grande poeta, separamos uma lista com suas 15 maiores composições.
Sobre Aldir Blanc
Nascido no Rio de Janeiro, em 1946, Aldir Blanc era filho único e teve no avô materno a presença mais afetuosa em sua infância, que praticamente criou o neto na casa de Vila Isabel, bairro onde estariam tipos e cenários fundamentais para os textos e as letras do futuro letrista e cronista.
Aos 11 anos, seus avós foram morar no bairro do Estácio. Com o passar dos anos, o contato com os malandros da área aumentou, levando-o a morar com um primo um pouco mais velho, na Tijuca, que fez com que Aldir conhecesse bailes, noitadas boêmias, mulheres, futebol, blocos de carnaval e a quadra da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro, que se tornou sua escola do coração.
Ele deu seus primeiros passos na música em meados da década de 1960, quando começou a compor aos 16 anos e aos 17 aprendeu a tocar bateria, fundando o grupo Rio Bossa Trio, que – com a entrada do músico Sílvio da Silva – foi rebatizado para GB-4.
Com Sílvio, Aldir Blanc firmou sua primeira parceria musical, sendo que uma das canções da dupla – “A Noite, a Maré e o Amor” – competiu no III Festival Internacional da Canção de 1968.
A partir de 1969, surgiu uma nova parceria na vida de Aldir, com César Costa Filho, compositor de quem foi colega no Movimento Artístico Universitário, o MAU, que o letrista integrou ao lado de outros nomes como Ivan Lins e Gonzaguinha. O movimento teve um importante papel na música popular do Brasil nos anos 70, sendo um grupo com pretensões de romper as barreiras do mercado de trabalho.
Em 1970, o primeiro grande sucesso composto por Aldir Blanc, “Amigo É pra Essas Coisas” (parceria com Sílvio da Silva), chegou ao segundo lugar no III Festival Universitário de Música Popular Brasileira, da TV Tupi, na interpretação do grupo MPB-4.
Em 1971, por intermédio de um amigo, Aldir conheceu o então estudante de engenharia civil João Bosco. Desse encontro, surgiu uma das mais importantes parcerias da história da música brasileira.
Como o violonista, cantor e compositor mineiro ainda morava em Ouro Preto, a primeira leva de parcerias entre os dois aconteceu por correspondência, como é o caso da canção “Agnus Sei”, lançada como lado B de um compacto do jornal “O Pasquim”, em 1972, que tinha como lado A a inédita “Águas de Março”, de Tom Jobim.

O sucesso nacional
Ainda naquele ano de 1972, a dupla mostrou algumas músicas para a cantora Elis Regina, que incluiu a canção “Bala com Bala” no seu LP “Elis”. A partir daí, a dupla tornou-se conhecida nacionalmente e a cantora tornou-se uma das principais intérpretes dos dois autores, tendo gravado 20 músicas da parceria, além de ter o privilégio de sempre escutar antes, com exclusividade, a produção de Aldir Blanc e João Bosco, para escolher o que queria lançar.
Aqui cabe um parênteses: aluno exemplar em biologia, Aldir havia ingressado na Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro em 1965, de onde saiu em 1971 com especialização em Psiquiatria.
Ele fez residência dentro do Centro Psiquiátrico Pedro II, no Hospital Gustavo Riedel, em Engenho de Dentro, mas como se negava constantemente à rotina de eletrochoques em pacientes, saiu de lá após um ano para abrir seu próprio consultório, no centro do Rio.
Assim foi até 1973, época em que ele e João Bosco passaram a ser gravados constantemente por Elis, e Aldir decidiu dedicar-se exclusivamente à carreira de letrista.
A parceria Bosco e Blanc rendeu outras canções muito marcantes, como veremos mais pra frente.
No entanto, a partir da década de 1980, os amigos foram se afastando gradualmente, e a parceria foi dissolvida em 1986. Aldir Blanc e João Bosco voltaram a se aproximar em 2002, quando Bosco convidou o velho parceiro para uma gravação de “O Bêbado e a Equilibrista”, em seu songbook, e dali voltaram a se falar por telefone diariamente, além de às vezes comporem juntos. Ao todo, compuseram mais de 100 canções em parceria.
Em 50 anos de carreira, Aldir Blanc é autor de mais de 600 canções e gravou, como cantor, dois álbuns de estúdio: o primeiro deles em 1984, “Aldir Blanc e Maurício Tapajós”, e o segundo em 2005, “Vida Noturna”, em que interpreta 12 faixas de sua autoria.
Outras parcerias de sucesso do letrista são com artistas como: Moacyr Luz (mais de 60 parcerias); Guinga (mais de 80 parcerias); e Cristóvão Barros (mais de 30 parcerias).

Patrimônio da cultura brasileira
Apaixonado por futebol, Aldir Blanc ainda compôs “Coração Verde e Amarelo” (em parceria com Tavito Carvalho), tema da Rede Globo para a Copa do Mundo FIFA de 1994.
Paralelamente a sua carreira como letrista, ele escrevia crônicas inspiradas na sua vida nos subúrbios cariocas para os jornais “Última Hora”, “Tribuna da Imprensa” e a revista “Homem”, até fixar-se em “O Pasquim”, em 1975. É autor de mais de 10 livros.
Um dos últimos trabalhos do artista foi compor, em parceria com Carlos Lyra, a trilha do musical “Era no Tempo do Rei”, baseado no romance de Ruy Castro.
Depois da morte do letrista – que nos deixou em maio de 2020, vítima do Coronavírus, aos 73 anos de idade, poucos meses depois de decretada a Pandemia de Covid-19 – a Lei Federal nº 14.017/2020, ficou conhecida como “Lei Aldir Blanc (LAB)”, e estabeleceu uma série de medidas emergências para o setor cultural e criativo, fortemente impactado pela pandemia do Coronavírus (Covid-19).
As 15 principais composições de Aldir Blanc
1 – Bala com Bala (com João Bosco, 1972)
2 – Mestre-Sala dos Mares (com João Bosco, 1974)
João Cândido Felisberto, conhecido como “O Almirante Negro”, foi um militar da Marinha Brasileira que, em 1910, liderou a Revolta da Chibata, movimento que se rebelou contra os cruéis castigos, originários da época da escravidão, que continuavam a ser aplicados contra os marujos negros, mesmo após a suposta “abolição”.
Cansados de terem os seus corpos retalhados pela chibata, os marinheiros se revoltaram, liderados por João Cândido. Expulso, discriminado e perseguido pela Marinha, o herói que ficou na memória das “lutas inglórias” do povo brasileiro, morreu aos 89 anos, vítima de câncer, pobre e esquecido, no município de São João de Meriti, no Rio, onde se recolheu.
Para saudar sua memória, João Bosco e Aldir Blanc compuseram, em 1975, o samba “O Mestre-Sala dos Mares”.
A canção foi barrada algumas vezes pela censura da ditadura militar, até que os autores descobriram que se mudassem o título – que antes seria “O Navegante Negro” ou “O Almirante Negro” – para algo mais “pomposo” e que não mostrasse de quem estavam realmente falando: “O Mestre Sala dos Mares” – a música passaria pelos censores com tranquilidade.
Na letra, os autores também tiveram que mudar o trecho: “Jorravam das costas dos negros entre cantos e chibatas” para “Jorravam das costas dos santos entre cantos e chibatas”.
Aldir Blanc declarou certa vez em entrevista: “Vivemos na censura um momento dramático, onde eu me deparei, pela primeira vez, com o racismo oficial do regime militar”.
A referência à cachaça também não tem nada de gratuita neste samba: a revolta dos marinheiros contra os castigos físicos vinha sendo arquitetada há muito tempo, mas foi precipitada por causa de duas garrafas de cachaça: o marinheiro Marcelino Rodrigues, voltando de uma folga, tentou embarcar no navio Minas Gerais, ancorado na Guanabara, com duas garrafas de cachaça.
Flagrado, ele reagiu, mas foi preso a uma argola de ferro e recebeu uma pena severa: 250 chibatadas. O castigo foi aplicado no convés, na frente de todos, para “servir de exemplo para que aquele comportamento não se repetisse”.
As chibatadas não foram interrompidas nem pelo desmaio do marinheiro. O fato fez com que os marujos, liderados por João Cândido, precipitassem o motim. João também tinha sido punido, cinco anos antes, com redução de seu pagamento, pela mesma falta de Marcelino: levar cachaça para bordo.
3 – Dois pra Lá, Dois pra Cá (com João Bosco, 1974)
Nas décadas de 1940 e 1950, o gênero estrangeiro que dominava as rádios brasileiras era o bolero, com influência direta sobre o samba-canção. O ritmo cubano, que mescla raízes espanholas com influências locais de vários países hispano-americanos, tornou-se também bastante conhecido como canção romântica mexicana.
Foi para homenagear o bolero, que João Bosco e Aldir Blanc compuseram “Dois Pra Lá, Dois Pra Cá”.Na canção, o eu-lírico, tímido, “sentindo um frio na alma”, convida alguém para uma dança. Parece que ele não sabe dançar bolero, mas o parceiro de dança o acalma: “são dois pra lá, dois pra cá”.
A partir de então, a música passa a ser sinestésica, ou seja, faz uma série de comparações ou associações do bolero com os sentimentos de quem o dança, tornando-se o próprio bolero um condutor dos outros sentidos:
O coração do dançarino apaixonado bate de forma descompassada, ao contrário do bongô e das maracas que conduzem a música; a cabeça roda mais do que os casais dançando em volta, guiada pela vertigem das notas de gardênia do perfume de seu par.
A sensualidade e a paixão estão sempre esbarrando – propositalmente – na linha tênue de algo de cafona ou piegas que existe também em uma cena como essa: na música, no perfume, nas costas macias, na mão no pescoço, na embriaguez de Whisky com Guaraná, no “dois pra lá, dois pra cá”.
Ou na “ponta de um torturante band-aid no calcanhar” (genialidade na letra de Aldir Blanc) protegendo do atrito do calçado gasto, juntamente com a imagem do “falso brilhante” e os “brincos iguais ao colar”.
Mas, com habilidade única, Blanc também consegue levar para a letra, a elegância de um universo pautado pelas paixões arrebatadoras. Imagine você, que o letrista contava que essa foi uma das músicas mais difíceis de escrever, mas que – quando veio – veio toda de uma vez depois de uma “esbórnia”, em um táxi, de madrugada.
4 – De Frente pro Crime (com João Bosco, 1974)
5 – Kid Cavaquinho (com João Bosco, 1974)
6 – O Ronco da Cuíca (com João Bosco, 1975)
7 – Corsário (com João Bosco, 1975)
8 – Incompatibilidade de Gênios (com João Bosco, 1976)
9 – Transversal do Tempo (com João Bosco, 1976)
“Transversal do Tempo” é um blues. Como o título diz, é uma canção que fala do tempo, é uma reflexão sobre o tempo.
É um sujeito dentro de um táxi pensando sobre as coisas da vida, neste quadro que existe no dia a dia das grandes cidades. “E essas lembranças podem ou não morrer”, como diz João Bosco, “mas seria melhor que elas ficassem assim, numa situação como se houvesse um sinal sem sair do amarelo, numa coisa de espera”.
“Transversal do Tempo” virou o título do espetáculo apresentado por Elis Regina em 1978 e depois, deu título a um disco ao vivo, gravado durante a turnê deste show, com roteiro e direção dos autores da canção.
Elis contou em entrevista que a inspiração para o espetáculo surgiu dentro de um engarrafamento durante o qual ela se lembrou da música de Bosco e Aldir:
“Um congestionamento que foi provocado, simulado, por pessoas que tinham razões específicas — e eu sei quais foram as pessoas e quais as razões. Mas isso não vem ao caso: o importante é que daquele engarrafamento simulado eu fiz um paralelo com a vida que todos estão vivendo: Você sabe que o sinal de trânsito só vai ser aberto quando o guarda resolver abrir. Enquanto isso, você está dentro de um táxi e tudo acontecendo. Você imagina saídas, mas o sinal não abriu, o que podemos fazer? Ficamos sentados, dentro de um táxi, numa transversal do tempo, esperando. Não te perguntam nada, não te pedem opinião”.
10 – Querelas do Brasil (com Maurício Tapajós, 1978)
“Querelas do Brasil” entrou para o disco “Transversal do Tempo”, de Elis Regina.
Sua letra é considerada por alguns críticos como uma das mais geniais de Aldir. O título faz uma referência à música “Aquarela do Brasil” – composição de Ary Barroso, de 1939, que exalta as belezas e maravilhas do Brasil e do povo brasileiro – e seu conteúdo é uma provocação ao autoritarismo que acontecia na época, auge da ditadura militar no país.
A música aponta as contradições culturais e sociais de um país diante da aproximação da reabertura política e denuncia que a elite econômica brasileira estaria suprimindo a cultura popular do país com sua cultura amplamente americanizada.
A palavra “querela” vem do latim e, de acordo com o Dicionário Aurélio, pode significar tanto “lamento” quanto “queixa“. A canção, portanto, pode ser tanto um lamento quanto uma queixa da situação que descreve.
A letra usa expressões em tupi, e diz que o “O Brazil (com Z mesmo) não merece o Brasil. O Brazil tá matando o Brasil. O Brazil não conhece o Brasil.”. Além de citar ícones da cultura brasileira como Tom Jobim, Mário de Andrade e Guimarães Rosa e, no fim, pedir socorro (S.O.S.) ao Brasil



