Se não tivesse nos deixado precocemente – aos 40 anos, em 1977 – vítima de um acidente de carro na Ponte Rio-Niterói, no Rio de Janeiro, a cantora, compositora, instrumentista e atriz Maysa estaria completando 87 anos no dia de hoje. A arte e músicas de Maysa a eternizaram como a Musa do Samba-canção.
E, para homenagear a aniversariante do dia e seguir homenageando grandes compositores da nossa música popular brasileira – que são tão importantes e têm uma contribuição tão significativa quanto cantores, intérpretes e músicos – nós damos continuidade à série Saudando Grandes Compositores da MPB, em que contamos a história de grandes clássicos das carreiras desses artistas.
Mulheres Compositoras Brasileiras
É importante começar dizendo que – por conta de um machismo estrutural predominante em nossa sociedade – conhecemos (ou reconhecemos!) muito mais compositores homens do que compositoras mulheres e que esta é a segunda mulher que participa desta série.
Antes de Maysa, contamos mais sobre a vida e a obra de Anastácia, a Rainha do Forró.
Já falamos muito sobre essa questão no:
- Acervo MPB que produzimos sobre Chiquinha Gonzaga – a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil, em 1888 – e também a primeira compositora popular brasileira e a primeira pianista de choro do país, que abriu portas para muitas mulheres profissionais da música depois dela.
Falamos sobre a questão da música ser estruturalmente dominada por homens – principalmente quando falamos de compositores e instrumentistas – no:
- Acervo MPB sobre Dona Ivone Lara, em que contamos que a sambista foi a primeira mulher a fazer parte da Ala de Compositores de uma Escola de Samba, na Império Serrano, em 1965, aos 44 anos de idade. Mas, antes disso, ela – que já compunha sambas-enredo há 20 anos e tinha que fingir que os sambas eram compostos por seu primo, para que fossem aceitos.
E também falamos sobre o assunto no:
- Acervo MPB Rita Lee, quando contamos o quanto nossa amada e já saudosa Mãe do Rock’n Roll brasileiro – a partir de meados dos anos 60 – abriu as portas para que mulheres instrumentistas e compositoras estivessem à frente de bandas de rock, cantando suas próprias canções e quebrando uma série de tabus sobre o que mulheres podiam ou não podiam cantar, fazer, dizer, vestir e sentir.
Sobre Maysa
Tal como Rita Lee é nossa Mãe, Rainha ou Musa do Rock, Maysa é celebrada até hoje como a Musa do Samba-canção, ou da música de fossa ou de dor de cotovelo.
Dona de uma voz e um poder de interpretação inconfundíveis, personalidade forte e transgressora, Maysa foi considerada uma das melhores cantoras da sua geração e transformou a música popular brasileira para sempre, influenciando muitos artistas que vieram depois como Ângela Ro Ro, Leila Pinheiro, Cazuza e Renato Russo.
Uma das maiores vozes do samba-canção, Maysa teve uma vida turbulenta e relacionamentos amorosos conturbados, que refletiam em suas composições melancólicas e na forma dramática e passional que interpretava as canções. Sofria de depressão e também do vício em álcool.
Nascida em 1936, em uma família rica e tradicional do Espírito Santo, passou a infância no Rio de Janeiro, estudou em colégio interno em Paris e, depois, viveu em São Paulo.
Sempre soube que queria ser cantora e foi autodidata. Uma mulher ousada e à frente de sua época, rompeu padrões, compondo pouco mais de 30 canções, em uma época em que poucas mulheres atuavam como compositoras.
As principais composições de Maysa
Maysa sofreu muito preconceito por escolher seguir a carreira artística e teve até que abandonar o primeiro marido, André Matarazzo, e o filho – o hoje diretor Jayme Monjardim – porque o marido não aceitava a sua carreira, tendo sido julgada por uma sociedade conservadora.
A artista fez sucesso internacionalmente e se apresentou nas principais casas de show do mundo. Entre suas principais composições estão os sucessos:
- Meu Mundo Caiu;
- Ouça;
- Adeus (que compôs com apenas 12 anos de idade), Resposta e Tarde Triste.
Mais tarde, enveredou também para um lado um pouco mais leve, da bossa nova, e gravou canções como:
- Eu Não Existo Sem Você;
- A Felicidade;
- e Água de Beber (essa e as canções acima de Tom Jobim e Vinícius de Moraes);
- e O Barquinho (de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli), sempre dando um tom mais intenso às canções, principal marca de sua personalidade artística
Saudando Grandes Compositores da MPB
Hoje, entre os vários sucessos da compositora, escolhemos contar as histórias de dois de seus clássicos: Ouça e Meu Mundo Caiu.
A história da música “Ouça”, de Maysa
A canção Ouça foi lançada no segundo LP da carreira da artista, chamado Maysa e lançado em 1957. O álbum marca um importante acontecimento pessoal na vida da cantora. Ao gravar o disco, Maysa estaria optando pela sua carreira ao em vez de seu casamento com o empresário André Matarazzo, que não admitia ser casado com uma cantora profissional.
A resposta a ele estaria no maior sucesso do disco, exatamente a canção Ouça, composta por Maysa, para falar da dor que sentia com a situação em que seu casamento se encontrava, porque o marido não queria mais que ela atuasse como cantora, pois isto não era bem visto pela sociedade machista e conservadora daquela época.
Ouça, vá viver sua vida com outro bem
Hoje eu já cansei de pra você não ser ninguém
O passado não foi o bastante pra lhe convencer
Que o futuro seria bem grande, só eu e você
Quando a lembrança com você for morar
E bem baixinho de saudade você chorar
Vai lembrar que um dia existiu
Um alguém que só carinho pediu
E você fez questão de não dar
Fez questão de negar
Maysa mostrou a letra a André e disse que compôs pensando nele. O casamento ainda durou alguns meses, mesmo com seus problemas conjugais já tendo virado assunto público.
Logo, Maysa resolveu lançar a canção em 78rpm, e – em pouco tempo – Ouça ganhou grande repercussão e chegou ao topo das paradas em todo o Brasil, sendo incluída em seu segundo disco.
Ao contrário do primeiro álbum, no qual Maysa foi proibida por André de aparecer na capa, neste havia uma foto da cantora junto com antúrios vermelhos.
A canção é a mais executada de Maysa até os dias atuais.
A história da música “Meu Mundo Caiu”, de Maysa
Depois do sucesso da canção Ouça, do disco anterior, ninguém imaginava que Maysa conseguiria ter um êxito igual ou melhor ao que teve. A primeira canção do seu próximo álbum – Convite Para Ouvir Maysa Nº. 2, de 1958 – chamada Meu Mundo Caiu – tornou-se mais um sucesso nacional e Maysa entrou de vez para o time das estrelas da música popular brasileira.
Segundo Maysa, é fato afirmar que após sua separação, explodiu seu impulso criativo. É desta época que nasceram seus maiores clássicos e as composições de maior sucesso de sua carreira, inclusive Meu Mundo Caiu, uma das maiores canções de fossa de todos os tempos.
Durante este período, o tom de suas letras começou a mudar, suas músicas começaram a adquirir um viés cada vez mais dramático, rodeadas sempre pelos mesmos temas que atormentavam Maysa. A cantora se desnudava cada vez mais ao público em cada letra, sua personalidade era transposta nos versos e a mostravam cada vez mais aflita e angustiada.
Meu Mundo Caiu, expressa o estado depressivo em que Maysa mergulhou após a separação:
Meu mundo caiu
E me fez ficar assim
Você conseguiu
E agora diz que tem pena de mim
Não sei se me explico bem
Eu nada pedi
Nem a você, nem a ninguém
Não fui eu que caí
Sei que você me entendeu
Sei também que não vai se importar
Se meu mundo caiu
Eu que aprenda a levantar
Gostou de saber mais sobre as histórias de grandes canções da nossa música popular brasileira? Continue acompanhando a nossa série Saudando Grandes Compositores da MPB. Hoje, homenageamos a aniversariante Maysa.
E que cada vez mais compositoras mulheres façam parte desta série especial!