A Bossa Nova foi um dos mais importantes movimentos da MPB e influenciou uma geração de artistas, tendo reverberações em nossa cultura até os dias atuais. Neste ano, ela ganha um capítulo novo e muito especial: depois de 60 anos, a sala de espetáculos Carnegie Hall, de Nova York, reviverá a grande noite de 21 de novembro de 1962.
O evento reuniu em seu palco nomes como João Gilberto, Tom Jobim, Sérgio Mendes e Carlos Lyra, apresentando de vez a Bossa Nova para o mundo inteiro. Esse é o tema que vamos falar mais ao longo desta matéria.
Mas, antes de tudo, vamos entender como chegamos até aqui?
Como surgiu a Bossa Nova?
Bim Bom
Entre os anos de 1955 e 1956, durante seus intensos estudos de violão, o cantor, compositor e violonista baiano João Gilberto percebeu que, se cantasse mais baixo e sem vibrato – diferente dos famosos cantores do rádio e de samba-canção que faziam sucesso na época – poderia adiantar ou atrasar o canto em relação ao ritmo, desde que a batida do violão fosse constante, criando assim seu próprio tempo. Compôs a canção Bim Bom, confiante de que havia encontrado a batida que queria.
Em 1957, com 26 anos, o baiano mudou-se para o Rio de Janeiro, para mostrar sua nova técnica aos músicos de lá e, quem sabe, conseguir gravá-la: com uma batida que alternava as harmonias com a introdução de acordes dissonantes, não convencionais, e uma inovadora sincopação do samba – a partir de uma divisão única, inspirada no jazz norte-americano – João Gilberto estava prestes a revolucionar e alterar, de forma irreversível, o DNA da música popular brasileira para sempre.
Das universidades para os bares cariocas
Foi quando João apresentou a sua música ao compositor, músico, arranjador, diretor e produtor musical Roberto Menescal, que o levou para participar dos encontros que ele e alguns outros jovens músicos de classe média do Rio de Janeiro – como Ronaldo Bôscoli, Nara Leão, Sérgio Ricardo e Carlos Lyra – faziam em apartamentos da zona sul carioca, entre eles, o apartamento de Nara, em Copacabana.
Todos esses músicos e uma geração de artistas, arranjadores e instrumentistas acabaram influenciadíssimos pela técnica de João Gilberto e iniciaram o movimento da Bossa Nova que, depois, expandiu-se para as universidades e para os bares cariocas, conquistando o Brasil inteiro e o mundo.
Johnny Alf
Nesta época, o cantor, compositor e pianista carioca Johnny Alf se apresentava em diversas boates do Rio de Janeiro – como o famoso Beco das Garrafas e o Little Club – ousando misturar em seu processo criativo referências da música clássica e popular, estrangeira e nacional.
A fonte de sua inspiração se encontrava na música de Chopin, Debussy, Nat King Cole, Stan Kenton, e nos notáveis brasileiros Custódio Mesquita e Francisco Alves. Sua música atraiu os ouvidos ditos mais intelectualizados para os piano bars do bairro de Copacabana.
Entre esses fiéis frequentadores, estavam João Gilberto, e o então jovem pianista, compositor, arranjador e cantor carioca Antônio Carlos Jobim.
Os dois ficaram surpresos com músicas como Rapaz de Bem, uma das primeiras composições profissionais de Alf, que – com a melodia linear, o jeito suave de cantar, uma série de escalas pouco convencionais e uma dissociação rítmica de bateria e baixo – foi, com certeza, a canção precursora da Bossa Nova, inspirando os aqueles dois jovens músicos que seriam os futuros representantes do movimento.
Qual foi o marco inicial da Bossa Nova?
Logo, João Gilberto se aproximou de Tom Jobim e do seu parceiro, o poeta carioca Vinicius de Moraes, que haviam acabado de montar juntos o espetáculo Orfeu da Conceição. Os dois apresentaram para o baiano a sua parceria, Chega de Saudade, guardada já há um ano.
A canção, inicialmente, era um chorinho e João Gilberto a transformou em um samba enxuto, com o violão deixando de ser mero acompanhamento e dividindo o primeiro plano com a voz, trazendo fluidez rítmica e melódica à música.
O marco inicial da Bossa Nova foi quando João Gilberto – primeiro gravou o violão de Chega de Saudade para o álbum Canção do Amor Demais, de Elizeth Cardoso, em 1958 – e, no ano seguinte, lançou o seu primeiro disco, contendo a canção e intitulado Chega de Saudade.
João inovou também na gravação do LP, ao pedir aos técnicos dois microfones: um para a voz e outro para o violão. Desse modo, a harmonia passou a ser mais claramente ouvida. Até então, gravava-se apenas com um microfone, com destaque para a voz em detrimento do violão.
De “Rapaz de Bem” até “Desafinado”
Embora Johnny Alf nunca tenha alcançado o merecido reconhecimento e estrelato, Tom Jobim e João Gilberto sempre o viram como uma referência musical. Jobim não apenas o chamava de “Genialf” (uma combinação de “gênio” e “Alf”), como se sentiu tão inspirado por Rapaz de Bem, que compôs Desafinado, uma das músicas mais famosas do movimento, que também entrou para o primeiro álbum de João Gilberto.
Já, o baiano, conhecido como o Pai da Bossa Nova, quando percebeu que as síncopes incomuns de Alf o lembravam da batida do tamborim, disse que finalmente encontrara o que estava procurando.
E a Bossa Nova ganha o mundo
Em 1960, João Gilberto gravou o seu segundo LP, O Amor, o Sorriso e a Flor, que – em 1962 – chegou aos EUA e iniciou a exportação da música brasileira. Esse álbum conta com a canção que é a síntese dos fundamentos da Bossa Nova: Samba de Uma Nota Só, de Tom Jobim e Newton Mendonça.
A partir daí, a Bossa Nova passou a ser conhecida mundialmente: os artistas do jazz norte-americano ficaram impactados com a forma de João Gilberto fazer música, considerando-o um fenômeno. João começa então a fazer apresentações no exterior, sendo muito aclamado pelo público, pela crítica e pelos músicos internacionais.
Com o lançamento do seu terceiro álbum – chamado João Gilberto – em 1962, o artista eternizou-se de vez na música popular brasileira, tendo – em tão pouco tempo – influenciando tanto. O disco conta com músicas clássicas do gênero como:
- O Samba da Minha Terra e Saudade da Bahia (ambas de Dorival Caymmi);
- O Barquinho (de Menescal e Bôscoli);
- Este Teu Olhar (de Tom Jobim);
- e Insensatez (de Tom e Vinicius).
Em agosto de 1962, João, Tom e Vinicius – acompanhados de Os Cariocas, Milton Banana e Otávio Bailly – fizeram o histórico show O Encontro – no restaurante Au Bon Gourmet, em Copacabana – única vez em que se apresentaram no mesmo palco, trazendo a público outros clássicos da Bossa Nova ainda inéditos:
- Só Danço Samba e Garota de Ipanema, (ambas de Tom e Vinicius);
- Samba da Bênção e O Astronauta (de Vinicius e Baden Powell);
- e Samba do Avião (só de Tom Jobim).
Noite histórica de Concerto no Carnegie Hall
Em 21 de novembro de 1962, em Nova York, com a Bossa Nova fazendo cada vez mais sucesso no exterior, a Audio Fidelity Records e o Itamaraty realizam um concerto no Carnegie Hall – famosa sala de espectáculos em Midtown Manhattan – com o objetivo de promover a Bossa Nova nos Estados Unidos.
Participaram do concerto, além de João Gilberto e Tom Jobim, outros nomes importantíssimos do movimento, como Luiz Bonfá, o conjunto de:
- Oscar Castro Neves;
- Roberto Menescal;
- Agostinho dos Santos;
- Carlos Lyra;
- e Sérgio Mendes.
Três mil pessoas lotaram o Stern Auditorium, no Carnegie Hall, para ouvir os nomes da Bossa Nova, em Nova York. Entre os espectadores, músicos e críticos, estavam figuras ilustres como:
- Tony Bennett;
- Peggy Lee;
- Dizzy Gillespie;
- Miles Davis;
- Gerry Mulligan;
- Erroll Garner;
- e Herbie Mann.
Havia grande presença da imprensa americana, estimada em trezentos repórteres, fotógrafos, cinegrafistas e críticos especializados do mundo inteiro, além de uma rádio que transmitia para Moscou e da Rádio Bandeirantes, que transmitia para o Brasil.
O show também foi filmado por uma TV americana, e posteriormente pôde ser exibido na TV Continental e na TV Tupi, no Brasil. A performance dos brasileiros foi elogiada pela mídia americana, em reportagens de veículos como:
- The New Yorker;
- Newsweek;
- Time;
- The New York Times;
- e Down Beat.
Getz/Gilberto – Grammy Awards
Depois do histórico show que celebra a Bossa Nova no Carnegie Hall, em Nova York, João Gilberto passou a residir no exterior e começou a difundir a moderna música brasileira pelo mundo. Em 1964, lançou – nos Estados Unidos – o disco Getz/Gilberto, junto com o saxofonista de jazz norte-americano Stan Getz.
O álbum foi um sucesso estrondoso e ganhou quatro Grammy Awards, entre eles Álbum do Ano e Gravação do Ano (por Astrud Gilberto – esposa de João na época – e Stan Getz, em The Girl From Ipanema, versão em inglês da música composta por Tom Jobim e Vinicius de Moraes).
Tom Jobim – que também passou a residir no país, lançou álbuns e fez diversas apresentações por lá – também participou da gravação do aclamado disco. Garota de Ipanema tornou-se a música brasileira mais conhecida e regravada no mundo.
O início do fim. Fim?
A partir de 1965, aconteceu uma cisão ideológica no movimento da Bossa Nova: de um lado, um grupo manteve-se fiel à estética leve, caracterizada por letras de temas amenos e descompromissados com a realidade brasileira ou qualquer espécie de participação social, pelo tom suave e intimista e a forte influência do jazz.
De outro lado, outro grupo – formado por artistas como Baden Powell, Carlos Lyra, Marcos Valle, Dori Caymmi, Edu Lobo, Francis Hime, Vinicius de Moraes e Nara Leão – se associou ao movimento geral da cultura brasileira, no sentido de buscar uma base popular, temáticas de realismo e participação social nas letras, propondo uma reaproximação com compositores de samba do morro, como Zé Kéti, Cartola, Nelson Cavaquinho e João do Vale.
Um dos marcos dessa fase é a canção Arrastão (de Vinicius de Moraes e Edu Lobo), defendida por Elis Regina no I Festival de Música Popular Brasileira. Mas, o fim cronológico da Bossa Nova não significou a extinção estética do estilo e o movimento é uma grande referência até os dias de hoje.
Prova disso é o evento que acontece no próximo dia 8 de outubro!
A Grande Noite – Bossa Nova (The Greatest Night), em Nova York
idealizado pelo cantor e compositor Max Viana – filho de Djavan e também diretor artístico do evento – o tributo ao concerto histórico, que aconteceu em 1962, vai reunir em uma apresentação única que celebra a Bossa Nova na lendária casa de espetáculos em Nova York:
- Seu Jorge;
- Daniel Jobim (neto de Tom Jobim);
- Roberto Menescal (pioneiro da Bossa Nova, que se apresentou no concerto de 1962);
- Carlinhos Brown;
- e Carol Biazin.
Sim, o Stern Auditorium, no Carnegie Hall, receberá – mais uma vez – um espetáculo inesquecível, após 60 anos da primeira apresentação histórica que definiu os rumos da Bossa Nova e da música popular brasileira!
O cantor, compositor, ator, e multi-instrumentista Seu Jorge, acompanhado pelo piano de Daniel Jobim e banda, interpretará clássicos como os já citados:
- Chega de Saudade;
- Garota de Ipanema;
- Samba de uma Nota Só;
- O Barquinho;
- e Samba da Minha Terra, além de outros como:
- Wave;
- Corcovado (essa e a canção anterior de Tom Jobim);
- e Eu Sei Que Vou Te Amar (de Tom e Vinicius)
Roberto Menescal lembra uma história divertida envolvendo o concerto de 1962:
“Quando fui convidado a me apresentar no Carnegie Hall, não tinha a menor noção de como isso seria importante. Quase não fui. Tinha uma pescaria marcada naquele dia e avisei ao Itamaraty que não poderia ir.
Aí o Tom Jobim me ligou e disse: ‘Menesca, você tá louco! É o Brasil que estará lá. Não sou eu nem você. É a música brasileira. É importantíssimo para o país’. Claro que eu fui e acabou sendo uma das coisas mais significativas na minha carreira. Percebi que a nossa música estava saindo do Brasil para o mundo.
Vou reviver essa emoção agora, com outros artistas, novas caras da música. Tocar naquele palco é reviver toda essa emoção. A gente ganha um espaço muito grande no mundo com esse concerto”, revela.
Carlinhos Brown, – que já cantou no Carnegie Hall, ao lado de Caetano Veloso e Lee Ritenour – diz que, dessa vez, subir nesse palco terá um gosto especial para ele:
“Nasci em 1962, no mesmo ano desse concerto histórico. É fantástico comemorar os 60 anos de um show que ajudou a construir a minha trajetória. A Bossa Nova mais do que se internacionalizou a partir dali.
Ela mostrou um Brasil profundo, de poesias e lindas harmonias. Foi um momento de coesão, em que os artistas se encontravam nas esquinas do mundo. Temos que celebrar nomes como João Gilberto, Tom Jobim, Johnny Alf, Vinicius de Moraes, Nara Leão e Miúcha.
A Bossa Nova é um movimento popular e, ao mesmo tempo, sofisticado. Quando ouvimos Jobim também nos conectamos com Gershwin e Cole Porter. A Bossa Nova conversa com o mundo”, define.
Os ingressos para os 2.804 lugares disponíveis estão divididos em cinco pisos, incluindo plateia, mezanino e balcão, e já começaram a ser vendidos no site da casa de espetáculos ou na bilheteria local (esquina da Sétima Avenida com a Rua 57, em Manhattan).