Entre manchetes que o colocam como herói ou vilão, o café volta ao centro do debate. Em artigo enviado à reportagem, o cardiologista e professor de Medicina Gustavo Lenci Marques defende uma visão sem extremos. “O café é, sem dúvida, uma das bebidas mais consumidas do mundo e um fenômeno cultural”, afirma.
Como o café age no corpo
O médico lembra que a bebida vai muito além do “acordar” depois da xícara. “Vai muito além da cafeína: contém centenas de compostos que interagem no nosso organismo, desde antioxidantes até substâncias que podem alterar o colesterol”, diz.
Segundo ele, a cafeína é a protagonista desse efeito de alerta. “A cafeína, seu principal ingrediente ativo, age bloqueando receptores de adenosina no cérebro, o que explica a sensação de alerta e a redução do cansaço”, explica. O estímulo, contudo, pode mexer com hormônios e o metabolismo da glicose — e, em excesso ou em horários ruins, atrapalhar o sono.

Pressão, colesterol e fígado
No coração e nos vasos, o café tem duas faces. “No sistema cardiovascular, o café tem uma relação ambígua”, resume Marques. A pressão pode subir logo após o consumo, mas o corpo tende a criar tolerância com o hábito. Já compostos como polifenóis podem ter ação protetora.
O modo de preparo também importa: cafés sem filtro, como o de prensa francesa, concentram substâncias que elevam o colesterol. Por outro lado, o fígado costuma se beneficiar. “O fígado é um dos órgãos que mais chamam atenção nos estudos”, diz o médico, citando trabalhos que apontam menor risco de fibrose e cirrose. Ainda assim, ele frisa que não há certeza sobre qual componente é o principal responsável pelos efeitos.
Sono, cérebro e gestação
Pesquisas já relacionaram o café a menor risco de Parkinson e depressão, mas as evidências não são definitivas. O que é mais sólido: exageros atrapalham o descanso e aumentam a ansiedade, com possibilidade de dependência leve e sintomas de abstinência ao parar.
Na gravidez, o recado é claro. “Na gestação, a cautela é maior”, afirma. Como a cafeína chega ao feto e é metabolizada lentamente, o ideal é não ultrapassar o equivalente a duas xícaras por dia.
As reações ao café variam muito entre pessoas. “O metabolismo do café varia de pessoa para pessoa”, lembra Marques, citando fatores genéticos, uso de remédios e até o tabagismo.
No fim, nada de rótulos extremos. “O ponto central é que o café não deve ser tratado nem como vilão absoluto, nem como elixir da saúde. Ele pode fazer parte de uma rotina equilibrada, mas não deve ser usado como argumento para justificar exageros nem como ‘receita natural’ contra doenças. O café é, antes de tudo, um prazer cultural e sensorial – que merece ser apreciado com consciência, e não idolatrado ou demonizado”, conclui o cardiologista.



