Chico Buarque: por que o artista foi perseguido no período de Ditadura Militar

Músico, cantor, compositor, dramaturgo e escritor, a vasta contribuição de Chico para a nossa cultura é notável e expressiva e sua obra é uma das maiores riquezas nacionais. No período de censura na Ditadura Militar, Chico Buarque foi um dos artistas mais perseguidos.

Sua discografia conta com aproximadamente 80 discos, entre solos, em parceria com outros músicos e compactos.

Escreveu trilhas para teatro e cinema, esteve na trilha de diversas novelas, é autor de livros premiados e de peças teatrais históricas. Foi gravado por grande parte dos mais importantes nomes da música brasileira de todos os tempos.

Com uma obra rica e variada, o artista tem atravessado os anos mantendo-se como um exemplo de coerência política e estética, recebendo o respeito e admiração do público e da crítica.

Nesta matéria, entenda por que Chico Buarque e sua obra foram censurados e o artista virou um símbolo de resistência durante os anos de chumbo da Ditadura Militar.

Foto: Reprodução

Chico Buarque, a peça Roda Viva e a Ditadura Militar

No ano de 1967, apresentou – ao lado do grupo vocal MPB4 – a clássica canção Roda Viva, no III Festival Nacional de Música Popular Brasileira, ficando em terceiro lugar. E sua canção Carolina também ficou em terceiro lugar no II FIC – Festival Internacional da Canção, da TV Globo.

Neste mesmo ano, Chico fez uma turnê de shows pelo Brasil e lançou o seu segundo disco, Chico Buarque de Hollanda, Vol. 2, com os clássicos:

  • Noite dos Mascarados,;
  • Com Açúcar e Afeto;
  • Quem Te Viu, Quem Te Vê;
  • Morena dos Olhos D’Água.

Escreveu também a peça Roda Vida – que estreou no ano seguinte – dirigida por José Celso Martinez Corrêa e que tinha Marieta Severo, sua então esposa, no elenco inicial.

A obra tornou-se um grande símbolo da resistência contra a ditadura militar e teve uma de suas sessões invadidas pelo Comando de Caça aos Comunistas, que depredou as instalações do Teatro Galpão, em São Paulo, e espancou atores e técnicos da montagem.

No dia seguinte, Chico Buarque estava na plateia para apoiar o grupo e começava um movimento organizado em defesa de Roda Viva e contra a censura nos palcos brasileiros.

Lançou, em 1968, um disco com versões das suas canções em italiano e também o álbum Chico Buarque de Hollanda, Vol. 3, que conta com os sucessos:

  • Retrato em Preto e Branco (parceria de Chico com Tom Jobim);
  • Roda Viva;
  • e Carolina.

O exílio na Itália

Dias após a decretação do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, Chico Buarque foi detido em sua própria casa e levado ao Ministério do Exército para prestar depoimento sobre a sua participação na Passeata dos Cem Mil – manifestação popular contra a ditadura, organizada pelo movimento estudantil – e também sobre as cenas exibidas na peça Roda Viva, consideradas subversivas.

Em tempos duros de repressão – no auge da ditadura militar e diante da recente instauração do AI5 – com o cerceamento das liberdades democráticas, de expressão e das criações libertárias, Chico resolveu se exilar na Itália, em janeiro de 1969.

Da Itália, fez shows ao lado de Toquinho, escreveu artigos esporádicos para o jornal político-satírico O Pasquim e lançou dois LPs: um cantando em italiano e o outro – Chico Buarque de Hollanda nº 4 – com grandes sucessos como:

  • Essa Moça Tá Diferente;
  • Samba e Amor;
  • Gente Humilde (parceria com Vinícius de Moraes).

Também colocou letra em Samba de Orly, canção que Toquinho lhe mostrou como uma espécie de bilhete de despedida, no dia em que decidiu retornar ao país, depois de passar um tempo com Chico na Itália.

Construção

Essa canção entrou para o disco Construção, de 1971, que marcou a volta de Chico Buarque ao Brasil e consagrou-o um dos artistas mais ativos na crítica política e na luta pela democratização no país, com composições que denunciavam aspectos sociais, econômicos e culturais do Brasil.

O álbum entrou para a lista dos 100 maiores discos da história da MPB, elaborada pela mesma revista em 2007, ficando em terceiro lugar.

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Disco “Construção” (1971), de Chico Buarque | Foto: Reprodução

Consequentemente, Chico tornou-se também um dos artistas mais perseguidos pela censura.

A música que dá nome ao disco – Construção – é considerada uma das canções mais emblemáticas da vertente crítica do compositor, “podendo-se enquadrar como um testemunho doloroso das relações aviltantes (humilhantes, desonrosas) entre o capital e o trabalho”, como cita Adélia Bezerra de Menezes em seu livro Desenho Mágico: Poesia e Política em Chico Buarque.

Chico mostra então o quando não concorda com o regime atual e com as relações que dele se estabelecem, trazendo na letra da canção uma forte crítica à alienação do trabalhador na sociedade capitalista moderna e urbana, reduzido à condição mecânica (o que é intensificado, especialmente, por seus atos no terceiro bloco da canção).

Depois do lançamento da canção, o artista passou a ser merecidamente considerado um dos maiores compositores da nossa história (entre tantos compositores e compositoras geniais que o Brasil possui).

No álbum Construção também está a canção que dá nome ao disco, além dos sucessos:

  • Cotidiano;
  •  Deus Lhe Pague;
  • Valsinha, essa última em parceria com Vinícius de Moraes.

Apesar de Você: a volta de Chico Buarque ao Brasil

Em 1970, Chico Buarque retornou ao Brasil e compôs Apesar de Você, uma resposta crítica à Ditadura Militar no qual o país ainda estava imerso, disfarçado como uma briga entre namorados. Surpreendentemente, a música passou pela censura prévia e se tornou uma espécie de hino da resistência à ditadura.

Para o público, não havia dúvidas: o “você” da música era o general Emílio Garrastazu Médici, então Presidente da República, em cujo governo foram cometidas as maiores atrocidades contra os opositores do regime. Ao ser interrogado sobre quem era o “você” da canção, Chico respondia:

“É uma mulher muito autoritária”.

Depois do compacto vender cerca de 100 mil cópias, a canção foi censurada, o disco retirado das lojas e até a fábrica da gravadora foi fechada. Após esse episódio, o cerco às suas composições endureceu. A canção só pôde ser incluída em um álbum do cantor em 1978.

Em 1972, foi lançado o álbum que teve origem no show histórico que Chico Buarque e Caetano Veloso fizeram ao retornarem dos seus respectivos exílios (Caetano foi forçado a exilar-se em Londres, junto com Gilberto Gil), no Teatro Castro Alves, em Salvador: Caetano e Chico Juntos e Ao Vivo.

Neste disco, além de outros sucessos, estão:

  • Partido Alto;
  • Bom Conselho;
  • Atrás da Porta (em parceria com Francis Hime e eternizada depois na voz e interpretação de Elis Regina)
  • e a famosa união das canções Você Não Entende Nada (de Caetano) e Cotidiano (de Chico).

Outras músicas e peças de Chico Buarque que foram censuradas na Ditadura Militar

Em 1972, Chico compôs quase todas as músicas e foi protagonista do filme Quando o Carnaval Chegar, de Cacá Diegues, ao lado de Nara Leão e Maria Bethânia. Entre elas, o sucesso Mambembe e a canção que dá nome ao filme.

Nara Leão, Chico Buarque e Maria Bethânia em “Quando o Carnaval Chegar” | Foto: Instituto Tom Jobim

No mesmo ano, ao lado de Ruy Guerra, traduziu as canções para o musical O Homem De La Manchaentre elas, a clássica Sonho Impossível, versão da música The Impossible Dream, de Joe Darion e Mitch Leigh.

Calabar

Em 1973, escreveu – também com Ruy Guerra – a peça Calabar, o Elogio da Traição. Proibida pela censura, a peça e o disco com as canções (entre elas, o sucesso Tatuagem) somente seriam liberados muito anos depois, em 1980.

Cálice

No mesmo ano de 1973, sua clássica canção Cálice, em parceria com Gilberto Gil, é proibida. Desta vez não pela censura (que já havia vetado a letra), mas pela própria Phonogram. Com medo de represálias, a gravadora desliga os microfones do palco e impede Chico e Gil até mesmo de tocarem a melodia sem letra.

O episódio contribuiria, mais tarde, para o rompimento do compositor com a gravadora. A música pôde ser lançada somente em 1978.

Julinho da Adelaide

Em 1974, para driblar a censura, Chico Buarque criou o personagem heterônimo Julinho da Adelaide e passou a assinar canções com esse nome, como é o caso de Acorda Amor, Jorge Maravilha e Milagre Brasileiroque passaram sem grandes problemas pela censura.

Julinho da Adelaide concedeu até entrevista ao escritor e jornalista Mário Prata e o público só ficou sabendo da verdade em 1975.

Neste mesmo ano, quase impossibilitado de gravar suas próprias canções, Chico gravou o disco Sinal Fechado, com músicas de outros compositores, com exceção de Acorda Amor, que assina como Julinho da Adelaide.

Entre as canções do disco, está o sucesso Sem Compromisso, de Geraldo Pereira e Nelson Trigueiro.

O primeiro livro e Gota D’Água 

Ainda em 1974, Chico Buarque escreve o seu primeiro livro: a novela Fazenda Modelo.

Em 1975, fez – com Maria Bethânia – uma longa temporada de shows no Canecão, no Rio de Janeiro, que rendeu um disco com vários sucessos, entre eles as clássicas Flor da IdadeVai Levando (em parceria com Caetano) e a marcante Gota D’Água.

Neste mesmo ano, escreveu – em parceria com Paulo Pontes – a peça Gota D’Água, uma releitura de Medéia, de Eurípedes, baseada em uma adaptação que Oduvaldo Vianna Filho havia feito para a televisão.

A peça – estrelada por Bibi Ferreira – se tornou um imenso sucesso de crítica e público, embora tenha sido também alvo de censura. Tanto Gota D’Água, quanto Roda Viva tiveram remontagens em tempos recentes e continuam impressionantemente atuais até os dias de hoje.

Chico chegou a ganhar o Prêmio Molière como melhor autor teatral pelo seu trabalho em Gota d ́Água, mas – em protesto contra a censura – que proibiu peças de vários autores, não comparece à cerimônia de entrega dos prêmios.

A partir de 75, Chico ficou nove anos sem subir profissionalmente em um palco, limitando-se a participar de eventos em benefício de causas sociais.

Continue a biografia de Chico Buarque com o Acervo MPB. Ouça como, quando e onde quiser:

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