RÁDIO AO VIVO
Botão TV AO VIVO TV AO VIVO
Botão TV AO VIVO TV AO VIVO Ícone TV
RÁDIO AO VIVO Ícone Rádio

Conheça Luhli, compositora de sucessos dos Secos & Molhados

Ela era compositora, cantora, violonista, percussionista e escritora, ou seja: uma multiartista! E também era mulher. Uma mulher pouco conhecida do grande público, mas que escreveu músicas icônicas do cancioneiro brasileiro, que fizeram muito sucesso na voz de homens: “O Vira”, “Fala” e “Bandoleiro”. Você conhece a Luhli?

Foi Luhli quem apresentou Ney Matogrosso a João Ricardo para então formarem o antológico grupo Secos & Molhados. Além disso, ela formou – com a também compositora, instrumentista e cantora Lucina – uma das mais importantes duplas femininas da nossa música: juntas, Luli e Lucina cantavam, tocavam e compuseram mais de 800 canções. 

“Antigamente, eu me sentia uma árvore cheia de frutos que ninguém come. Fazia músicas lindas e ninguém ouvia”, disse Luhli certa vez em uma entrevista. “E o que acontece com uma árvore que dá 300 frutos? Digamos que 30 são comidos. Os outros caem no chão, apodrecem, a semente brota e nasce outra árvore. Todas as músicas que não foram consumidas foram caindo no chão e virando uma floresta. Quando fico triste, vou pra essa minha floresta, das músicas que ninguém consumiu. É a minha florestinha.”

Se não tivesse nos deixado em 2018, vítima de insuficiência respiratória, Luhli completaria 80 anos nesta semana. Para homenageá-la, vamos conhecer mais sobre sua vida e obra.

Tudo sobre Luhli

Heloisa Orosco Borges nasceu em 19 de junho de 1945, em Vila Isabel, Rio de Janeiro. Sofria de uma asma severa desde criança e, por isso, não conseguia brincar. O violão, desde os sete anos, foi o seu consolo e brinquedo.

Em 1965, aos 20 anos gravou um primeiro disco, “Luli“’, pela gravadora Philips,  sob forte influência da música de protesto. Insatisfeita com as imposições estéticas da companhia, desistiu de cantar, já mostrando as escolhas libertárias que faria ao longo de toda a vida. 

Nessa mesma levada politizada, Lucina integrava o Grupo Manifesto e participava de festivais da canção como Lucelena

No início dos anos 1970, Luli estava casada com o fotógrafo Luiz Fernando da Fonseca emorando em um casarão em Santa Teresa. Na sua garagem, o amigo Ney Matogrosso – recém-chegado de Brasília, depois de sair de casa por conta de infinitas brigas com seu pai, militar que não aceitava Ney como ele era: também livre e querendo ser artista – fazia artesanato para sobreviver no Rio de Janeiro. 

Muitas vezes, Ney entrava para cantarolar uma voz de algum arranjo que Luhli estivesse escrevendo. Luhli percebeu o imenso talento vocal de Ney Matogrosso e o apresentou para o músico português radicado no Brasil, João Ricardo, que – ao lado do parceiro Gérson Conrad, procurava um vocalista para completar a sua banda, os Secos & Molhados.

Nascia ali, uma das mais importantes bandas brasileiras de todos os tempos. Os Secos & Molhados tornaram-se um dos maiores fenômenos da música popular brasileira, batendo todos os recordes de vendagens de discos e público, em apenas dois anos e dois discos lançados.

Do primeiro disco, de 1973 – aquele antológico, da capa em que os integrantes aparecem com suas cabeças em bandejas – Luhli é parceira de João Ricardo na composição de duas das faixas de maior sucesso: “O Vira” e “Fala“.

Luiz Fernando – marido de Luhli – é o responsável pelas fotos da mitológica capa de “Água do Céu – Pássaro”, primeiro álbum pós-Secos & Molhados de Ney Matogrosso, de 1975. Nelas, o cantor aparece feito homem de Neanderthal, nu a não ser por minúscula tanga, penas indígenas e chifres animais. 

Ney era homem, era mulher, era bicho, era coisa. As pessoas deliravam de liberdade”, dizia Luhli

Na verdade, seja com os Secos & Molhados ou em carreira solo, Ney expunha para o mundo algo Luhli e Luiz também viviam só que de forma mais introspectiva, sem a projeção nacional que Ney tinha, dentro de sua casa.

Isso porque, no início dos anos 70, o casal conheceu Lucina. As vozes e a chama criativa das duas se fundiram e nasceu a dupla Luli & Lucina (inicialmente Lucinha), que estreou em um festival da TV Globo, em 1972. Três anos depois, a parceria artística entre os três virou casamento a três. 

“Primeiro, conheci Luhli e a música e fiquei apaixonada. Quando conheci o casal, fiquei louca por eles. Aí, não era só a música. Tinha a fotografia do Luiz. O encontro era um núcleo criativo, um sonho. Tivemos uma amizade profundíssima. Eu tive coragem, todos nós tivemos”, avalia Lucina em uma entrevista. 

Lucina, Fernando e Luli | Imagem: Reprodução

Vivendo este amor à três, foram para Mangaratiba, no estado do Rio, onde viveriam em isolamento voluntário durante seis anos. Queriam “ter filhos, fazer horta e compor com os passarinhos”. 

Tiveram quatro filhos: duas geradas por LuhliJúlia e Flor – e os gêmeos Antônio e Pedro, gerados por Lucinda. Todos criados pelos três: uma família.

Surge ali uma união em uma vida alternativa em comunidade, intensa e criativa, onde criaram um estilo novo e límpido de composição, com uma variedade musical e qualidade literária únicas, permitindo uma pesquisa musical de raízes e das forças da natureza, com repertório eclético, folk e brasileiro, e com o estudo da música de umbanda. 

Revolucionaram os conceitos sociais de uma época em que se falava muito em liberdade e amor livre, mas onde os conceitos morais preestabelecidos é que realmente prevaleciam. Luhli e Lucina foram verdadeiras revolucionárias dos anos 70!

Foi um tempo de enfrentamento com as famílias e amigos, e o período mais exuberante da criação musical. “Vocês realizaram às claras. Mesmo exiladas, disseram: não tem importância, estamos com a verdade. Senti que não estava sozinho neste mundo”, diz Ney Matogrosso para a dupla, no documentário “Yorimatã“, sobre a vida e a obra da dupla, lançado em 2014, por Rafael Saar.

Luhli e Lucina

No primeiro show de Luhli e Lucina como uma dupla, em 1973, elas dividiam o palco com Ney e o também libertário grupo Dzi Croquettes, de Lennie Dale. “Nós cantávamos ‘O Vira’ com o Ney, e as Dzi vinham e mordiam nossas pernas enquanto a gente cantava ‘vira lobisomem’”, diverte-se Luhli

O LP de estreia “Luli & Lucinha” foi uma das primeiras produções fonográficas independentes no Brasil. O disco, produzido inteiramente por elas, podia ser comprado pelo correio. A turnê de lançamento foi feita em uma Kombi adaptada, com cenário e luz de Luiz Fernando

É de Luiz também a capa desse álbum, em que aparecem ao longe, unidas pelas cabeças, as silhuetas apenas sugeridas de duas mulheres nuas. 

Sucesso do álbum, a composição das duas, “Coração Aprisionado” canta sobre a libertação: “Coração aprisionado não canta, não canta, amor/ há uma fera à solta, à solta, amor, dentro de mim/ ai, há uma fera à solta, e a minha garganta, amor, se estreita e se cala/ a solidão é assim”.

Luhli tem cinco discos em parceria com Lucina: Seguiram com “Amor de mulher – Yorimatã” (1982); “Timbres Temperos” (1984) “Porque Sim, Porque Não” (1991), que as levou para uma turnê na Europa; e “Elis & Elas” (1995), de releituras em homenagem a Elis Regina; e um disco comemorativo de 25 anos de carreira.

A dupla possui diversos sucessos gravados na voz de outros grandes artistas como Nana Caymmi, Joyce, Wanderléa, Tetê Espíndola, Rolando Boldrin, As Frenéticas, Zélia Duncan (que depois tornou-se grande parceira de composição de Lucina), e principalmente Ney Matogrosso, que gravou outras diversas músicas da dupla Luhli, como: “Êta nóis!” e o imenso sucesso “Bandoleiro”. Praticamente todos os discos do Ney possuem ao menos uma música de Luhli.

Com ativa participação no movimento ecológico e na resistência cultural, a dupla se apresentou em shows por todo o Brasil e no exterior. Também mantiveram no ar, por um ano, alcançando o primeiro lugar em audiência, o programa radiofônico “Conversinha”, pela FM USP, em São Paulo.

Nos anos 1980 viviam o ápice da carreira, em São Paulo, quando Luiz Fernando recebeu diagnóstico de câncer de faringe. Voltaram ao Rio, onde ele infelizmente faleceu, em 1990. Luhli e Lucina permaneceram casadas até 1998, quando desfizeram a dupla.

A dupla musical durou 25 anos e a cumplicidade e parceria perduraram para sempre. 

Parceria de uma vida: Luhli e Lucina | Imagem: Reprodução

Carreira solo e últimos anos

Luhli viveu sua última década em Lumiar, distrito de Nova Friburgo, Rio, “perto da umbanda, das cachoeiras, das pessoas que estão buscando o que eu busco”. 

Participou intensamente da vida cultural e ritual da comunidade, gravou novos discos, escreveu livros, produziu tambores artesanais (Luhli estudou pintura e era formada em artes gráficas). Atuou em projetos culturais voltados para a população local: dirigiu um coral percussivo, além de acompanhar as “Danças da Terra e do Mar”, uma proposta de levar a alegria às ruas e fazer o povo dançar. 

Publicou diversos contos premiados e o livro “Segredo dos Gnomos”, com 49 ilustrações de sua autoria. Em parceria com Felipe Cerquize, lançou o livro de poemas “Conversa Rimada”, premiado na Academia Brasileira de Letras, entre os melhores livros em 2008, pela União Brasileira de Escritores. 

Lançou, em parceria com Beth Albano, o disco independente “Todo Céu Pra Voar”, em 2002. Pelo selo Atração lançou o álbum solo” Luhli”, passando a ser Luhli com “H”. 

Em 2014, lançou o álbum autoral “Música Nova”, com músicas suas inéditas, produzido por ela mesma e gravado em Lumiar, por Maurício Barreto.

Luhli fez arte até o último momento de seus 73 anos de vida, quando faleceu em 2018, por conta de insuficiência respiratória. 

Lucina também se lançou em carreira solo, que segue até os dias atuais, aos 74 anos. 

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS