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Cordel: a poesia do sertão – 5 obras para se apaixonar pela literatura popular

Imagine chegar a uma feira nordestina e se deparar com folhetos coloridos pendurados em cordas, contando histórias de amor, aventura e humor ácido. Essa é a literatura de cordel – uma tradição que mistura poesia, arte e oralidade, nascida no século 19 e que continua viva até hoje.

Por que o cordel merece sua atenção?
✔️ Raízes profundas: Herança dos trovadores medievais adaptada ao sertão brasileiro
✔️ Crítica social afiada: Dos cangaceiros aos políticos, nada escapa aos versos
✔️ Linguagem única: Rimas que seguem o ritmo do repente

Você sabia?

  • Em 2018, o cordel foi reconhecido como Patrimônio Cultural do Brasil
  • O maior cordel já escrito tem 1.103 estrofes (“Os Três Cavaleiros do Apocalipse”)
  • Artistas como Elba Ramalho e Cordel do Fogo Encantado levaram o gênero para os palcos


6 cordéis imperdíveis

1. “O Romance do Pavão Misterioso” – José Camelo de Melo

    “Era uma vez um pavão
    Que voava sem destino
    Num castelo de marfim
    Morava um rei muito fino…”

    Este clássico do cordel mistura elementos de contos de fadas europeus com o imaginário nordestino. A narrativa fantástica sobre um pavão encantado que se transforma em homem para salvar uma princesa revela como o cordel adaptava histórias universais ao contexto local. A obra é marcada por uma linguagem poética e estrutura narrativa bem elaborada, mostrando a sofisticação da literatura popular.

    2.“A Chegada de Lampião no Inferno” – José Pacheco

    “Lampião, muito invocado,
    Chegou logo perguntando:
     — Quem comanda esta bodega?
    Que eu já chego atirando!”

    Uma das sátiras mais famosas do cordel, onde o mítico cangaceiro desafia o próprio diabo. O poema transforma Lampião em herói popular, invertendo a visão moralista sobre o banditismo. A irreverência e o humor ácido criticam tanto o poder estabelecido quanto as convenções religiosas, mostrando como o cordel podia ser subversivo.

    3.“O Cachorro dos Mortos” – Leandro Gomes de Barros

    “Quem passar na estrada escura
    E ouvir um latido forte
    Foge correndo com medo
    Do cachorro da morte!”

    Este cordel revela o lado sombrio e macabro da literatura popular. Com elementos de terror folclórico, a história do cachorro fantasma que assombra viajantes reflete medos ancestrais do sertão. Leandro Gomes de Barros, pioneiro do gênero, demonstra aqui sua versatilidade ao mesclar suspense e tradição oral.

    4. “A Proeza de João Grilo” – João Ferreira de Lima

    João Grilo foi um cristão 
    que nasceu antes do dia
    criou-se sem formosura
    mas tinha sabedoria
    e morreu depois da hora
    pelas artes que fazia.

    E nasceu de sete meses
    chorou no bucho da mãe
    quando ela pegou um gato
    ele gritou: não me arranhe
    não jogue neste animal
    que talvez você não ganhe.”

    Personagem central do imaginário nordestino, João Grilo representa o trickster, o esperto que sobrevive pela astúcia. Este cordel traz a inteligência popular contra opressores, mostra como o fraco pode vencer o forte pela esperteza. A narrativa ágil e cheia de reviravoltas mantém o leitor engajado.

    5. “O Agregado e o Operário” – Patativa do Assaré

     “Sou matuto do Nordeste
    criado dentro da mata
    caboclo cabra da peste
    poeta cabeça chata
    por ser poeta roceiro
    eu sempre fui companheiro
    da dor, da mágoa e do pranto
    por isto, por minha vez
    vou falar para vocês
    o que é que eu sou e o que canto.

    Sou poeta agricultor
    do interior do Ceará
    a desdita, o pranto e a dor
    canto aqui e canto acolá
    sou amigo do operário
    que ganha um pobre salário
    e do mendigo indigente
    e canto com emoção
    o meu querido sertão
    e a vida de sua gente.

    Procurando resolver
    um espinhoso problema
    eu procure defender
    no meu modesto poema
    que a santa verdade encerra
    os camponeses sem terra
    que o céu deste Brasil cobre
    e as famílias da cidade
    que sofrem necessidade
    morando no bairro pobre.

    Vão no mesmo itinerário
    sofrendo a mesma opressão
    nas cidades, o operário
    e o camponês no sertão
    embora um do outro ausente
    o que um sente o outro sente
    se queimam na mesma brasa
    e vivem na mesma Guerra
    os agregados sem terra
    e os operários sem casa.

    Operário da cidade
    se você sofre bastante
    a mesma necessidade
    sofre o seu irmão distante
    levando vida grosseira
    sem direito de carteira
    seu fracasso continua
    é grande martírio aquele
    a sua sorte é a dele
    e a sorte dele é a sua.

    Disto eu já vivo ciente
    se na cidade o operário
    trabalha constantemente
    por um pequeno salário
    lá nos campos o agregado
    se encontra subordinado
    sob o jugo do patrão
    padecendo vida amarga
    tal qual burro de carga
    debaixo da sujeição.

    Camponeses meus irmãos
    e operários da cidade
    é preciso dar as mãos
    cheios de fraternidade
    em favor de cada um
    formar um corpo comum
    praciano e camponês
    pois só com esta aliança
    a estrela da bonança
    brilhará para vocês.

    Uns com os outros se entendendo
    esclarecendo as razões
    e todos juntos fazendo
    suas reivindicações
    por uma democracia
    de direito e garantia
    lutando de mais a mais
    são estes os belos planos
    pois nos direitos humanos
    nós todos somos iguais”.

      Em seu texto, Patativa traça um paralelo entre camponeses e operários, mostrando que, apesar de suas realidades distintas, ambos enfrentam opressão e violência sistêmicas. Por fim, ele convoca uma união entre os trabalhadores do campo e da cidade na luta por direitos, afirmando que a desigualdade é inaceitável, pois todos, como seres humanos, merecem dignidade e oportunidades iguais.

      6. “Romance de Luzia-Homem” – Arievaldo Viana

      “Seca de setenta e sete
      Estranho e terrível mal
      O século é dezenove
      E o cenário é Sobral
      Sob um sol causticante
      Vemos uma retirante
      Lá no morro do curral.

      O seu talhe é esbelto
      E o rosto muito bonito
      Possui o braço mais forte
      Nesse cenário maldito
      Canseiras não a consomem
      Lhe chamam Luzia-Homem
      Pelo seu jeito esquisito.

      O seu pai era vaqueiro
      Na fazenda Ipueira
      Por não ter um filho homem
      Transformou-a em vaqueira
      Nas lidas do dia-a-dia
      E a fama de Luzia
      Corria aquela ribeira.

      O pai morreu, veio a seca
      Mudou então seu destino
      Tornou-se uma retirante
      Grão de areia pequenino
      No mar da vida jogado…
      Só dois amigos a seu lado
      Eram Alexandre e Raulino”

        Este cordel retrata a seca de 1877 no Ceará através da história de Luzia-Homem, uma mulher forte que vira vaqueira após a morte do pai. Quando a seca chega, ela vira retirante, mostrando como a natureza destruía vidas no sertão. O texto mistura dor (a seca cruel) e resistência (Luzia enfrentando tudo), com linguagem simples que cria cenas marcantes, como ela caminhando sob o sol causticante com seus dois únicos amigos.

        Por que o cordel merece ser lido hoje?

        A literatura de cordel é uma arte viva, que se reinventa e continua a encantar. Seus versos falam de amor, justiça, humor e resistência, temas universais em qualquer época.

        Dicas para se aprofundar:

        • Visite feiras culturais nordestinas.
        • Siga cordelistas contemporâneos nas redes sociais.
        • Experimente escrever seu próprio cordel!

        Que tal começar lendo um desses clássicos? O Nordeste (e o Brasil) agradecem!

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