Hoje, dia 7 de outubro, é celebrado o Dia do Compositor Brasileiro. Nesta matéria, saiba mais sobre a importância dessa data e confira uma análise de uma das composições mais importantes da música brasileira de todos os tempos: “Construção”, de Chico Buarque.
Dia do Compositor Brasileiro
O Brasil é berço de grandes compositores e compositoras, que têm papel vital na nossa cultura e são essenciais na construção de nossa história musical, ao traduzirem a alma humana com sua sensibilidade e criatividade, sendo capazes de despertar as mais diversas emoções por meio da música.
A data foi criada em 1948, pelo saudoso cantor e compositor Herivelto Martins, que foi um dos fundadores e fez parte da diretoria da União Brasileira dos Compositores, a UBC, em 1942, lutando pelos direitos da classe dos compositores, ajudando a regulamentar a profissão.
Em 1983, o deputado Cunha Bueno apresentou o projeto de Lei 581/83, com o objetivo de oficializar o 7 de outubro de Herivelto como o Dia do Compositor, a ser celebrado em todo o território nacional. De acordo com o documento, o dia foi festejado até 1980 apenas no Rio de Janeiro e, no ano seguinte, passou a ser celebrado também em São Paulo. A proposta do projeto era a de elevar essa comemoração a todo o país.
O projeto foi arquivado pela Câmara dos Deputados em 1989, mas a celebração informal se manteve. O Rio de Janeiro continuou celebrando a data e, em 1981, São Paulo também adotou a homenagem.
Hoje, a celebração informal do Dia do Compositor acontece em várias localidades do país. A nossa imensa gratidão e admiração a todos os compositores e compositoras da nossa música popular brasileira.
Nós, aqui da Novabrasil, valorizamos demais o trabalho desses importantes artistas e profissionais, e temos um quadro especial em nosso site, chamado Saudando Grandes Compositores da Nossa História, em que contamos a história de nomes importantes para a nossa música e dos principais sucessos compostos por eles. Vale a pena conferir!
Dia do Compositor: por que “Construção”, de Chico Buarque, é tão valiosa para MPB?
Por que – depois do lançamento dessa música – Chico Buarque passou a ser merecidamente considerado um dos maiores compositores da nossa história (entre tantos compositores e compositoras geniais que o Brasil possui)?
Composto em períodos entre o exílio de Chico Buarque na Itália e sua volta ao Brasil, no auge da ditadura militar, o álbum que leva o título da canção – Construção, de 1971 – é considerado um marco na música brasileira e na carreira do artista.
Carregado de críticas diretas ao regime militar vigente, à censura e às perseguições e repressões políticas da época, ele também entrou para a lista dos 100 maiores discos da história da MPB, elaborada pela mesma revista em 2007, ficando em terceiro lugar.
Um dos 100 maiores discos da história da MPB
Que Chico Buarque é um dos maiores gênios da música brasileira de todos os tempos, nós já sabemos. Mas o que essa composição tem de tão especial?
Construção é considerada uma das canções mais emblemáticas da vertente crítica do compositor, “podendo-se enquadrar como um testemunho doloroso das relações aviltantes (humilhantes, desonrosas) entre o capital e o trabalho”, como cita Adélia Bezerra de Menezes em seu livro Desenho Mágico: Poesia e Política em Chico Buarque.
Segundo a Revista Rolling Stone, nesta época:
“o governo do General Emílio Garrastazu Médici tinha em seu bojo o chamado ‘Milagre Brasileiro’, que prometia crescimento econômico recorde e baixa inflação. O país era campeão mundial de futebol e o slogan ‘Ame-o ou Deixe-o’ era colado nos vidros dos carros. O que poderia estar errado? O preço para essa suposta estabilidade e ufanismo era alto. A censura tolhia a liberdade artística e a atmosfera repressora levava cidadãos insuspeitos para a cadeia.”
Em ‘Construção’, Chico Buarque traz uma forte crítica social e estrutural
Chico Buarque mostra então o quando não concorda com o regime atual e com as relações que dele se estabelecem, trazendo na letra da canção uma forte crítica à alienação do trabalhador na sociedade capitalista moderna e urbana, reduzido à condição mecânica (o que é intensificado, especialmente, por seus atos no terceiro bloco da canção).
Em um formato tipicamente épico – definido como a poesia em que se celebra uma ação grandiosa e heróica, na qual se exprime um mito coletivo – Construção é como uma crônica, que narra a história de um trabalhador da construção civil morto no exercício de sua profissão, em seu último dia de vida, desde a saída de casa para o trabalho:
“Amou daquela vez como se fosse a última / Beijou sua mulher como se fosse a última”) até o momento da sua queda mortal.“E se acabou no chão feito um pacote flácido / Agonizou no meio do passeio público / Morreu na contramão atrapalhando o tráfego”.
Um dos setores que mais se expandiram com o propagado crescimento econômico da época era o da construção civil.
“Operários eram peças de reposição, ganhando pouco e estendendo sua jornada de trabalho com infindáveis horas extras para garantir a compra dos bens materiais que eram anunciados na TV. Acidentes de trabalho eram acontecimentos corriqueiros.”, conta uma matéria da Rolling Stone Brasil.
Quando esse trabalhador morre, a constatação é de que sua morte apenas atrapalha o “tráfego”, o “público” ou o “sábado”.
A construção da música ‘Construção’
A música foi composta em versos dodecassílabos (ou seja, que apresentam doze sílabas métricas ou sílabas poéticas), que sempre terminam com uma palavra proparoxítona (que tem o acento predominante – a sílaba tônica – na antepenúltima sílaba), e vão se alternando “como se fossem peças de um jogo num tabuleiro”, segundo Chico.
Dividida em três partes, os 17 versos da primeira parte (quatro quartetos, acrescidos de um verso-desfecho) são praticamente os mesmos 17 que compõem a segunda parte, mudando apenas a última palavra de cada verso, de forma a uma construção narrativa brilhante, que modifica o ângulo de observação a cada repetição da letra com a troca de comparações (“Ergueu no patamar quatro paredes sólidas/mágicas/flácidas”), mas que no final se encaminha para o mesmo fim: a morte do trabalhador.
Como se ele estivesse realmente colocando laje sobre laje num edifício
O impessoal narrador observa, organiza e comunica os acontecimentos, ocorridos em uma história circular, cantada em melodia reiterativa, composta por dois acordes, que são repetidos à medida que se sucedem as imagens “como se ele estivesse realmente colocando laje sobre laje num edifício”.
Os arranjos arrebatadores são do maestro Rogério Duprat, nome muito importante da MPB, participante ativo do período tropicalista. A orquestra acompanha o arranjo sinfônico e imponente, e vai crescendo à medida que a história vai se mostrando, como um componente sinistro, complementando a cadência do samba de Chico. Os instrumentos aparecem a princípio simulando os caóticos ruídos da metrópole, suas buzinas e prédios em construção e – de repente – fazem parte da “construção” da narrativa e conduzem nossas emoções.
Na parte final da canção, que não é cantada na íntegra, o protagonista já se encontra alucinando, agonizando, e não é dono de suas ações. A interpretação de Chico e do grupo vocal MPB-4, que participa do coro musical da gravação original, também vai crescendo e ficando mais agoniante conforme a música vai se encaminhando para o trágico fim.
Letra da música ‘Construção’, de Chico Buarque
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímidoSubiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrimaSentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse músicaE tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio públicoMorreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbadoSubiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfegoSentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximoE tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufragoMorreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidasSentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbadoMorreu na contramão atrapalhando o sábado
Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe paguePela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça, desgraça que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair
Deus lhe paguePela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague