“Eu falei Faraó! Ê Faraó!”. Quem não conhece esse imenso sucesso do carnaval baiano, hit absoluto na voz da maravilhosa Margareth Menezes?
Pois bem! Mas você sabia que por trás dessa canção que virou febre nacional há uma importante e significativa história? Pois bem, vamos te contar tudo sobre “Faraó” nesta matéria especial, que celebra o aniversário da cantora, compositora, instrumentista e nossa Ministra da Cultura.
Antecedentes de “Faraó”
Margareth Menezes é uma das grandes vozes da música popular brasileira e figura de extrema importância para a cultura afro-brasileira.
Nascida em Boa Viagem – região da Península de Itapagipe, Salvador, Bahia – no ano de 1962, teve contato muito intenso com a música durante a infância, interessando-se naturalmente pela cultura que exalava das ruas onde nasceu e cresceu.
Quando era menina já tocava violão e cantava no coro da igreja, mas – antes de despontar na música – Margareth descobriu os palcos por meio do teatro, onde começou a descobrir a própria expressividade.
Em 1986, passou a dividir-se entre a música e o teatro, apresentando-se Brasil afora e já recebendo um Troféu Caymmi de Melhor Intérprete por seu primeiro espetáculo solo.
Em 1987, ela conheceu o produtor, empresário e cantor baiano Djalma de Oliveira, que a convidou para gravar com ele o seu primeiro single, lançado como LP: o grande clássico “Faraó (Divindade do Egito)”, composição do também baiano Luciano Oliveira e primeiro samba-reggae gravado no Brasil, que vendeu mais de 100 mil cópias.
Na época, Luciano – que era membro da ala de canto do Olodum, – foi convidado para criar uma canção para o Festival de Música e Artes do Olodum (FEMADUM).
Criado em 1979, hoje o Olodum é um dos maiores representantes da cultura baiana e afro-brasileira em todo o mundo. Hoje, é constituído de bloco de carnaval, uma banda internacionalmente conhecida, uma escola do conhecimento, um bando de teatro, um centro digital e memória, uma marca forte, que além das atividades de arte, educação, música e cidadania, desenvolve diversas campanhas de defesa e estímulo da cidadania e direitos humanos, uma verdadeira holding cultural, o mundial Olodum.

O tema escolhido pelo grupo para a canção foi o líder do Império Egipcio, Faraó. Depois de estudar a fundo a cultura egípcia, Luciano Oliveira acabou criando, sem saber, aquela que seria considerada uma das melhores músicas do Olodum, puxada pela voz de Margareth Menezes.
O compositor conta que a dificuldade maior foi encontrar um refrão que colasse com a narrativa do tema: “Tive uma dificuldade de entender a temática porque ele é muito complexo, mas graças a Deus, deu no que deu. Fui iluminado. No dia do festival eu não precisei nem cantar a música porque Faraó foi cantada pelo povo. Eu cantava uma palavra e o povo cantava a música inteira.”, explicou Luciano ao Correio da Bahia.
A canção tornou-se um grande marco para o Axé Music (gênero fundado por Luiz Caldas no início dos anos 80) e também para o Carnaval de Salvador, quase que um hino da festa soteropolitana, tomando conta das ruas de Salvador em 1987, quando foi lançada, e até hoje, em qualquer lugar que é tocada.
Agora, vamos entender a história por trás da complexa letra de “Faraó”.
A história por trás de “Faraó (Divindade do Egito)”
A canção de Luciano Gomes é uma verdadeira aula de história do Egito e carrega um significado muito importante para a cultura negra e a exaltação dos elementos que a compõem.
O portal Escola 24h traz uma explicação histórica bastante detalhada sobre o Egito Antigo, que nos leva ao entendimento de muitos dos nomes e das relações que são tratadas na complexa letra de “Faraó (Divindade do Egito)”. Tentamos adaptar essa explicação para trazer a história da canção para vocês.

Falar do Egito Antigo nos remete a uma civilização que se formou às margens do rio Nilo, no nordeste do continente africano. (…) Sua organização política tendeu à centralização e o faraó concentrava em si os poderes de soberano administrativo, militar, legislativo e religioso, sendo cultuado por seus aspectos divinos.
No plano religioso, acreditavam que cada corpo possuía uma alma e esta se manteria viva caso o corpo fosse preservado após a morte. Daí o aprimoramento egípcio das técnicas de mumificação, que consistiam no embalsamento dos cadáveres, preservando-os.
Do mesmo modo, havia também a preocupação com os túmulos, que deveriam ser também duradouros e resistentes ao tempo: os corpos dos faraós foram guardados nas grandiosas pirâmides, construídas por ordem dos mesmos. Os faraós Quéops, Quéfren e Miquerinos dão nome às pirâmides construídas na Planície de Gizé, que datam do Antigo Império (3200 – 2000 a.C.).
No período conhecido como Novo Império (1580-1085 a.C.), se consolida o poder do faraó sobre a totalidade do território, destacando-se o governo do faraó Tutmés III. O faraó Akhenaton era da mesma linhagem de Tutmés III, a 18ª dinastia, sendo o responsável pela difusão da adoração de um único deus (monoteísmo): Áton.
Akhenaton = Aquele que louva Áton.
O filho de Akhenaton, Tutankamon, subiu ao trono aos nove anos de idade, e restaurou o politeísmo no Egito. Tutankamon faleceu dez anos depois, em 1324 a.C. e tornou-se bastante célebre mais de três mil anos depois, em 1922, quando seu sarcófago foi encontrado, contribuindo muito para os estudos sobre os antigos egípcios.
A religião dos egípcios se baseava no politeísmo, havendo o culto de diversos deuses, cada um deles relacionado a forças da natureza ou aspectos cotidianos, sendo os principais: Rá (Deus-Sol) e Osíris (conhecido como Deus dos Mortos).
Pela mitologia egípcia, no começo existia o caos, estágio personificado pelo deus Nun, a origem de tudo, o ser que se torna Atum, o deus primordial que cria outros deuses a partir de si mesmo: Shu (deus do ar) e Tefnut (deusa da chuva). De sua união nasceram Geb (deus da terra) e Nut (deusa do céu, a que gerou as estrelas, na música).

Atum, o criador, tornou-se o primeiro faraó e tomou conhecimento de uma profecia: uma criança nascida de sua neta, a deusa Nut, o destronaria. Isso levou Atum a proibir que Nut fosse mãe. A deusa do céu não se curvou à ordem e de seu ventre saíram quatro filhos: Osíris, Isis, Seth e Néftis, frutos de seu envolvimento com o deus Geb, seu irmão.
Osíris, conforme a profecia, destronou Atum. Além disso, desde o útero materno, já havia se envolvido com Isis, sua irmã, tal como estavam também ligados Seth e Néftis, a outra irmã com quem Osíris se envolveu, provocando a ira de Seth, que mata o irmão, lançando-o ao Rio Nilo.
Isis, em prantos, sai em busca do corpo de Osíris e, para os egípcios da antiguidade, suas lágrimas correspondem às cheias do Nilo: por isso,atribui-se a fertilidade do Nilo a Osíris.
Com a ajuda de Anúbis (deus do mundo dos mortos), o corpo de Osíris emergeu do Nilo e ele sucedeu Anúbis no papel de condutor dos mortos após ter alguns instantes de vida, nos quais concebe, junto a Osíris, Hórus: o filho que vinga a morte do pai, matando Seth em batalha.
Durante a briga, Hórus teve o olho esquerdo arrancado e substituído por um amuleto, tornando-se um dos símbolos mais famosos do Egito Antigo, o Olho de Hórus, que representa poder e proteção aos que o carregam consigo.
Haja história!
Não podemos esquecer da segunda e importante parte da canção, que exalta a cultura negra da Bahia e sintetiza muito bem uma África explorada e dividida pelo imperialismo, já no século XIX de nossa era, que impôs fronteiras e não respeitou a história e o legado de tantos Impérios, como o Oyó, e Reinos como o do Mali e do Benim.
Mas a África é rica em cultura e o Egito é uma parte de um continente que traz dentro de si uma infinidade de conhecimentos, civilizações e histórias, um continente rico em diversidades, coisa que Margareth Menezes faz questão de exaltar!
Agora, escute a música de novo, entendendo o que você está cantando, para além do refrão:
Margareth Menezes pós “Faraó”
Após o lançamento desse seu primeiro single de imenso sucesso, Margareth Menezes assinou um contrato com a gravadora PolyGram do Brasil e lançou seu primeiro álbum, auto-intitulado, em novembro de 1988.
O álbum rendeu à artista dois Troféu Imprensa de Melhor Disco e Melhor Cantora, e – com o disco – a artista fez turnê no Brasil e na Argentina. A canção “Elegibô – Uma História de Ifá”(de Rey Zulu e Ytthamar Tropicália) tornou-se uma das principais canções do álbum e da carreira da cantora.
Em 1990, Margareth assinou um contrato com a gravadora estadunidense Mango/Island Records, com o objetivo de lançar o seu próximo álbum também nos Estados Unidos, Canadá e México.
Também foi convidada por David Byrne, líder do grupo Talking Heads, para fazer o espetáculo de abertura de sua turnê mundial “Rei Momo”. A turnê passou pela América do Sul, América do Norte, Finlândia e Rússia (na época União Soviética), num total de 42 países.
A partir daí, Margareth Menezes construiu uma sólida carreira, nacional e internacional, passando a ter uma importância ímpar para a cultura brasileira e afro-brasileira.
A cantora lançou 15 discos, entre de estúdio e ao vivo, chegando ao topo da Billboard World Albums, nos Estados Unidos. Entre outros grandes sucessos da cantora, que recebeu três indicações ao Grammy Latino, estão as canções:
- Ifá – Um Canto Pra Subir (Walter Queiroz e Vevé Calasansx, 1990)
- Raça Negra (Dito e Jorge Zarath, 1994)
- Dandalunda (Carlinhos Brown, 2001) – considerada a melhor música do carnaval de 2002, rendeu à cantora um Troféu Dodô e Osmar de Melhor Música e de Melhor Cantora do Carnaval Baiano.
- Pelo Mar Lhe Mando Flor (composição da própria Margareth)
- Passe em Casa (parceria da cantora com Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes, do álbum “Tribalistas”, 2001)
- Toté de Maianga (de Saul Barbosa e Gerônimo, 2003)

Em 1999, Margareth fundou o bloco “Os Mascarados”, no Carnaval baiano, como uma homenagem ao aniversário de 450 anos da cidade de Salvador, resgatando o uso das fantasias e a alegoria dos antigos festejos da folia para as quintas-feiras do circuito Dodô.
Em 2001, a artista resolveu criar seu próprio selo, o “Estrela do Mar”, que – a partir de 2011 – passou a atuar também como produtora artística.
Ainda em 2001, foi publicado o livro “Brazilian Popular Music & Globalization”. Nele, os autores Charles Perrone e Christopher Dunn indicam que Margareth Menezes foi responsável pelo marketing internacional do estilo afro-baiano que, segundo outros autores, foi inovado pela cantora por meio da introdução de instrumentos africanos antes não utilizados.
Em 2005, Margareth liderou o lançamento do Movimento Afropop Brasileiro, bloco sem cordas que festeja a cultura negra no Brasil e que recebe apoio de grandes blocos afro (Ilê Aiyê, Muzenza, Cortejo Afro, Filhos de Gandhy e MalêdeBalê), além de reunir nomes como Gilberto Gil, Daniela Mercury, Virgínia Rodrigues, Mariene de Castro, entre outros.
Em 2008, a artista deu início às atividades do seu projeto social Fábrica Cultural, ONG que atua na Ribeira (bairro onde Margareth morou na infância, em Salvador) e oferece cursos profissionalizantes para jovens e oficinas de arte e educação para crianças.
Na mídia internacional, a cantora já foi chamada de “The Bahian powerhouse” (A fonte de energia baiana) e de “Aretha Franklin Brasileira”.
Em 2016, Margareth recebeu a Comenda 2 de Julho, honraria concedida pela Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, sendo um reconhecimento a pessoas que contribuem para o desenvolvimento político e administrativo do Estado e do país.
Margareth Menezes assumiu a partir de 1° de janeiro de 2023 a pasta do recriado Ministério da Cultura. Como Ministra da Cultura, a artista reforça o papel de impacto social da cultura.



