Gal Costa (1945–2022) é um dos nomes incontornáveis da música brasileira. Nascida em Salvador, fez da curiosidade musical e da coragem estética marcas permanentes de uma obra que atravessou seis décadas. Parceira de geração de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé e Os Mutantes, foi presença central no movimento tropicalista no fim dos anos 1960 — momento em que a canção brasileira expandiu fronteiras ao misturar tradição e eletricidade, poesia e ruído, rádio e vanguarda.
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A formação de Gal tem raízes na escuta atenta a João Gilberto e na cena baiana que antecede a Tropicália. Em 1967, lança ao lado de Caetano o LP “Domingo”, delicado retrato da fase de transição entre a bossa nova e o experimentalismo que viria. O mergulho radical acontece nos álbuns “Gal Costa” (1969) e “Gal” (1969), em que sua voz — elástica, precisa, capaz de sussurros e explosões — assume canções como “Baby”, “Divino Maravilhoso” e “Não Identificado” como manifestos de uma estética que recusava rótulos.
Nos anos 1970, Gal consolida uma persona de palco arrebatadora e uma discografia decisiva. O registro ao vivo “Fa-Tal — Gal a Todo Vapor” (1971) é frequentemente citado como um dos grandes álbuns de palco do país, unindo improviso, energia e leitura sofisticada de repertórios diversos. De fato, um disco antológico. Em “Índia” (1973), a artista reafirma o gosto pelo risco: entre percussões, guitarras e arranjos ousados, confronta conservadorismos — inclusive na capa original, alvo de censura — e crava interpretações que se tornariam referenciais.
A década de 1980 projeta Gal a um patamar de popularidade massiva sem abrir mão da sua qualidade artística. Sucessos radiofônicos como “Chuva de Prata” e o dueto “Um Dia de Domingo” convivem com releituras de compositores fundamentais (Caymmi, Caetano, Gil, João Donato, Milton, Djavan), reafirmando seu talento raro de transformar canções alheias em declarações autorais. Nos anos 1990 e 2000, a artista alterna projetos de tributo com investigações sonoras contemporâneas, mantendo a voz como instrumento de invenção, não de nostalgia.
Já no século XXI, Gal reafirma a inquietação. Em “Recanto” (2011), aproxima-se da eletrônica e de texturas sintéticas em parceria com Caetano Veloso, provando que sua assinatura comporta novos timbres sem perder identidade. “Estratosférica” (2015) e “A Pele do Futuro” (2018) atualizam a curadoria de repertório — agora
dialogando com novas gerações de autores e produtores — e sustentam turnês em que técnica e emoção andam lado a lado. Até o fim, Gal foi artista de palco: sabia que sua obra se completava no encontro com o público, no improviso medido, no gesto que transforma arranjo em narrativa.

Mais do que listas de hits, a importância de Gal Costa se mede pela maneira como sua voz reconfigurou a noção de intérprete no Brasil. Ela expandiu o papel da cantora: não apenas quem “canta bem”, mas quem interpreta criticamente o repertório, escolhe arranjadores, tensiona formas, edita silêncios, convoca novas leituras para clássicos e apresenta autores ao grande público. Ao longo da carreira, foi ponte entre gerações — dos mestres modernistas aos compositores que emergiram em festivais e nas redes — e referência de excelência técnica, afinação e dicção, sem que a virtuosidade se sobrepusesse ao sentido.
Sua morte, em 2022, interrompeu uma agenda ativa de shows e projetos, mas não a circulação de sua obra, que segue sendo descoberta por novas audiências nas plataformas digitais, nas rádios e em palcos que a celebram. Para a NOVABRASIL — e para a memória musical do país — Gal permanece como um paradigma de liberdade artística: uma cantora que converteu risco em linguagem popular, que ensinou que tradição e modernidade não são opostos e que a canção brasileira cabe, inteira, em uma voz.
Em um cenário midiático em permanente transformação, a trajetória de Gal Costa ajuda a explicar a força do áudio no Brasil: quando há curadoria, afeto e ambição estética, a música encontra o ouvinte em qualquer suporte — do vinil ao streaming, do estúdio ao palco, do sussurro à explosão. E poucas artistas souberam fazer essa travessia com tanta grandeza.
Por tudo isso, no próximo dia 23 de setembro, a série Tributos Novabrasil vai homenagear essa artista gigante. Zé Ibarra, Ana Morais, Roberta Campos, Bruna Black e Pedro Mariano subirão ao palco do Blue Note SP para cantarem canções que ficaram imortalizadas na voz de Gal.



