Sentir-se cansado, mesmo após cumprir todas as metas e manter a produtividade em dia, tornou-se uma queixa cada vez mais frequente entre profissionais brasileiros. Nos bastidores do que é visto como eficiência, cresce uma sensação de exaustão que vai além do simples desgaste físico.
“O que se apresenta como eficiência costuma esconder uma tensão persistente, uma espécie de compressão psíquica que vai além do mero desgaste”, analisa a psicóloga Erika Costa Barreto Monteiro de Barros em artigo recente. O reflexo desse fenômeno pode ser visto nos dados: de acordo com o Ministério da Previdência, mais de 470 mil pessoas se afastaram do trabalho em 2024 por razões relacionadas à saúde mental — o maior índice da última década.
Ansiedade, episódios depressivos e, principalmente, a síndrome de burnout agora são parte do cotidiano, indicando que o problema ultrapassou fronteiras de profissões ou idades e se tornou estrutural.
Cultura da Pressão e Fim dos Limites
A busca por produtividade, que atrelou valor ao volume de entregas e à resposta rápida, saiu dos limites do expediente e invadiu a vida pessoal. O avanço do trabalho remoto e a digitalização intensificaram ainda mais essa ruptura: agendas cheias e jornadas estendidas viraram a norma para milhões de profissionais.
“Essa cultura, ao naturalizar a compressão do tempo e a alta disponibilidade emocional, redefine o que se espera de um trabalhador”, explica Erika. Para ela, sustentar esse ritmo por longos períodos eleva o risco de adoecimento: “O esvaziamento do sentido subjetivo do trabalho, associado à pressão contínua, contribui para o surgimento de quadros clínicos caracterizados por exaustão física e mental, cinismo interpessoal e sensação de ineficácia.”
A pandemia de Covid-19 acelerou essas transformações ao levar o trabalho para dentro de casa e dissolver as fronteiras entre descanso e ocupação. Após o fim das restrições, muitos profissionais continuaram conectados o tempo todo, respondendo imediatamente, internalizando a urgência e, agora, sofrendo com o aumento de casos de esgotamento.
Saúde Mental Ainda É Privilégio
O acesso ao cuidado emocional, porém, está longe de ser realidade para todos. Dados de 2024 mostram que mais da metade dos brasileiros gasta até R$ 300 mensais com saúde mental – valor suficiente para limitar o acompanhamento regular de muitos. Um em cada três já enfrentou dificuldades financeiras para manter tratamentos.
“Esse descompasso entre necessidade e possibilidade revela a precariedade estrutural no cuidado com a saúde psíquica”, explica Erika. Mesmo com mais abertura ao tema, encontrar psicoterapia, psiquiatria e programas de bem-estar ainda é difícil, seja por custos ou falta de oferta qualificada.
Para a psicóloga, “o cuidado emocional não pode permanecer como um bem de consumo opcional. A forma como um país estrutura o acesso à saúde mental reflete, em grande medida, o valor que atribui à dignidade de seus trabalhadores”.

Avanços na Lei, Desafios na Prática
Além dos esforços individuais, aparece no horizonte o papel da legislação. A nova versão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), que entra em vigor em janeiro de 2025, reconhece o burnout como problema ligado ao ambiente de trabalho. E a atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) exige das empresas um olhar para o mapeamento e prevenção dos riscos psicossociais, como assédio moral e sobrecarga de tarefas.
Mesmo assim, Erika alerta: “A legislação pode inaugurar caminhos, mas é a cultura que sustenta trajetórias. A promoção de saúde emocional exige mais do que medidas paliativas. Requer repensar o próprio conceito de desempenho e rever modelos que confundem competência com resistência silenciosa.”
Pausa Deixou de Ser Luxo, Virou Necessidade
A realidade exige outra abordagem. De acordo com Erika, desenvolvemos “uma nova categoria de exaustão: aquela que não se resolve com férias ou finais de semana prolongados. É o cansaço do deslocamento entre o que se é e o que se espera ser”.
Ela sugere que saber reconhecer limites e valorizar pausas são atitudes essenciais: “Embora a cultura dominante aponte a pausa como improdutiva, ela constitui um dos mecanismos mais eficazes de preservação da saúde integral”.
Para a especialista, “o descanso não é ausência de ação, mas presença de consciência. Saber parar é uma forma de inteligência emocional e também uma estratégia de longo prazo”. E completa: “É possível imaginar outro modelo. Um onde a pausa não seja uma concessão, mas uma parte estratégica da performance. Um modelo em que o cuidado não seja periférico, mas estruturante”.



