Imagine você fazer uma viagem a trabalho para conseguir renda em outro país e ao voltar descobre que o seu parceiro sequestrou o filho de vocês e foi para o exterior. A história é real e aconteceu com a paulista, natural de Santos, Karin Aranha.
Ela combinou de se encontrar com o então companheiro, o egípcio Ahmed Tarek Mohammed, e o filho Adam, que na época tinha 3 anos.
“Quando eu cheguei, o meu pesadelo começou. Aí o meu mundo caiu. Porque todo mundo fica esperando alguém no aeroporto e eu falei gente, cadê minha família? Cadê eles?“
Karin voltava ao Brasil após um tempo trabalhando no Reino Unido.
Ela e Tarek se conheceram em 2017, pelo Instagram, onde conversavam com tradução. Eles conversaram por cerca de 8 meses até Karin ir para o Egito:
“Fiquei lá por volta de 7 meses. Fiquei na casa dele, mas a gente não dormia junto, pela religião, pela cultura“, afirma.
No entanto, depois que voltou para o Brasil, Karin descobriu que estava grávida.
Os dois se casaram e ela teve o filho, mas nos Estados Unidos, depois de ser convencida pelo marido. Ela foi sozinha. E depois, novamente ao Brasil, ela recebeu uma oportunidade para trabalhar na Europa. Isso depois de episódios de violência e medida protetiva contra Tarek.
O advogado da Karin, Rafael Paiva, explica que a maioria dos casos de desaparecimento envolve estrangeiros: “Existe um golpe que é praticado contra mulheres no Brasil, que é o golpe da cidadania. O nosso passaporte, ele é muito bem quisto em quase todos os lugares do mundo, ele abre muitas portas, diferentemente do passaporte da maior parte dos países árabes“.
Controle nas fronteiras brasileiras
Já a especialista em direito internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Lígia Maura Costa, explica a complexidade no controle das fronteiras:
“É muito difícil você ter um controle sobre as fronteiras, ainda mais países com fronteiras tão grandes como o Brasil. Te dou o exemplo dos Estados Unidos, é a maior potência do mundo, que tem a entrada ilegal de pessoas. O Brasil tem um controle de fronteiras, bom“, afirma.
“As fronteiras brasileiras são tão amplas por canais ilícitos. Então, neste caso, fica bastante complicado de se ver, já que no mínimo a autorização de viagem, já que a criança estaria com apenas um genitor, seria obrigatório, né?“. O egípcio, segundo informações do Ministério da Justiça, não saiu pelos postos de controle, ou seja, saiu ilegalmente do país.
Neste mês, Karin retorna ao Egito na tentativa de conseguir que a justiça do país árabe, em segunda instância, lhe conceda a guarda do filho. Na lei islâmica, a Sharia, que rege os costumes da nação, o direito da guarda é da mãe. Mas hoje esse direito é da avó.
Ligia ainda pondera: “nada impede, por exemplo, que venha acontecer uma interferência da própria presidência da república“.
Subtração internacional de crianças
O coordenador de adição e subtração internacional de crianças do Ministério da Justiça, Rodrigo Meira, explica a complexidade do caso:
“Nós não podemos obrigar um país soberano como Egito de adentrar e se responsabilizar também pela convenção da Haia. Se ele não é parte da convenção, se lá naquele país não é crime, não há o que fazer nesse momento“, garante.
Os países que participam da convenção se comprometem a prevenir e combater o sequestro internacional de crianças, garantir a rápida restituição ao país de residência do menor e respeitar os direitos de guarda e visita.
No ano passado, o Ministério da Justiça recebeu 170 pedidos de cooperação internacional para casos de sequestro.
No mês passado, a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, discutiu o assunto com o representante permanente do Egito na ONU, que se comprometeu a levar o caso ao governo do país.
“Em que pese o Egito não ser signatário de Haia, o Egito tem relações com o Brasil. Existe um tratado na ONU que o Egito também se responsabiliza por dar um atendimento digno para as crianças e para os menores de idade. Agora nós estamos tentando pressionar o governo brasileiro para que seja também pressionado o governo egípcio para cumprimento desta decisão“, afirma Rafael Paiva, advogado de Karin.
Em nota, o Itamaraty, por meio da Embaixada do Brasil no Cairo, afirmou que tem prestado assistência consular, auxílio na interlocução com autoridades locais e com o escritório local que representa a mãe brasileira, fornecendo documentos, interpretação, aconselhamento jurídico e outras ações de assistência aplicadas em casos de subtração internacional de menores.
Alerta
Tanto Paiva quanto Lígia alertam que as mulheres precisam se proteger:
“…procurando não se envolver com pessoas de outros países, porque existem inúmeros casos de crianças que vão, que não voltam, às vezes vão para conhecer e não voltam nunca mais“, revela Rafael.
Ligia reforça que “quando a gente casa com uma pessoa que é estrangeira, a gente precisa ter bastante conhecimento da legislação daquele país. E os países no Oriente Médio em geral acabam dando uma proteção muito maior, aos homens, aos pais do que às mães“.
Desde então, Karin só vive com doações:
“Como é que eu vou falar para você? Eu não vou perder minha esperança nunca“.
Confira a reportagem especial: