História da música “Canto das Três Raças” – 42 anos sem Clara Nunes

Neste 02 de abril de 2025, completamos 42 anos sem Clara Nunes e – por isso – hoje vamos conhecer a história da música “Canto das Três Raças”, um dos maiores sucessos da cantora mineira.

Sobre Clara Nunes

Clara Nunes é uma das maiores cantoras e intérpretes da história da música popular brasileira.

Sempre com um estilo e identidade muito próprios e singulares na música, a artista firmou a sua carreira no samba – foi uma das principais intérpretes de compositores da Portela, sua escola do coração – e também teve influências da música romântica, principalmente do samba-canção, e referências como Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira eÂngela Maria.

Clara Nunes foi a primeira mulher brasileira a vender mais de 100 mil discos, marca antes somente atingida por homens, quebrando um tabu existente, de que mulheres não vendiam álbuns. 

Ao todo, durante sua carreira, vendeu quatro milhões e quatrocentos mil discos desde o primeiro LP,  lançado em 1966, até o último, “Nação”, de 1982, ano anterior a sua partida precoce, aos 40 anos, no auge da carreira, vítima de um choque anafilático seguido de uma parada cardíaca, por conta de complicações em uma cirurgia de varizes.

Além de intérprete, Clara Nunes também era compositora e uma grande pesquisadora da música popular brasileira, de ritmos nativos e principalmente da cultura afro-brasileira, não limitando-se apenas à música, mas também aos costumes, tradições, credos, vestimentas e danças.

Clara trazia em suas pesquisas e nas canções que escolhia defender, uma proposta de reflexões imprescindíveis acerca da identidade de gênero, etnia e credo. 

Levantou debates sobre o preconceito étnico-racial e a intolerância religiosa, quando esses temas ainda se apresentavam timidamente no Brasil,  trazendo luz à história sociopolítica e sociocultural do país. 

Em toda a sua obra, temas afro-brasileiros marcam presença em letras e arranjos que sempre remetem aos elos que unem Brasil e África. 

Clara Nunes desempenhou importante papel na popularização e desmistificação das religiões de matriz africana, colaborando para o rompimento dos estigmas e preconceitos que, até então, prevaleciam em relação aos seus adeptos em nossa sociedade.

Sucesso no Brasil e no mundo, a cantora fez história, com canções inesquecíveis na sua voz, como:

  • Ê Baiana (de Fabrício da Silva, Baianinho, Ênio Santos Ribeiro e Miguel Pancrácio)
  • Conto de Areia (de Romildo Bastos e Toninho Nascimento)
  • O Mar Serenou (de Candeia)
  • A Deusa dos Orixás (Romildo Bastos e Toninho Nascimento)
  • As Forças da Natureza (de Paulo César Pinheiro e João Nogueira)
  • Guerreira (de Paulo César Pinheiro e João Nogueira)
  • Feira de Mangaio (de Sivuca e Glória Gadelha)
  • Morena de Angola (de Chico Buarque)
  • Canto das Três Raças (de Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte) 

É dessa última canção que vamos saber a história hoje. 

História da música “Canto das Três Raças”

Parceria de Paulo César Pinheiro com o sambista Mauro Duarte, Canto das Três Raças é uma das mais belas canções da história da MPB. 

Foi eternizada na voz de Clara Nunes, em 1976, no disco que levou o nome da canção. Clara e Paulo César Pinheiro foram casados de 1975 até o fim da vida da cantora.

Em seu livro, Histórias das Minhas Canções”, de 2010, em que conta histórias de 65 de suas canções, Paulo conta:

“Conversávamos, certa vez, eu e Mauro, sobre samba-enredo. Sua estrutura melódica, sua cadência, seu desenvolvimento de acordo com o tema proposto, seu tamanho, seus cantos de refrão. Ele era, particularmente, fã de Silas de Oliveira, a quem considerava o maior compositor desse gênero, de todos os tempos. Foi seu amigo. Acompanhava sua trajetória. 

Papo vai, papo vem, resolvemos compor algum que guardasse essas características tradicionais. Ali mesmo iniciamos nosso esboço musical. Com o rascunho sonoro adiantado fui para casa devanear, buscar o motivo, procurar uma história conveniente ao que se tinha imaginado. Lembrei da formação racial do Brasil, especialmente da minha genética índia e europeia por parte de mãe, e negra do meu lado paterno. 

As três raças fundamentais desse país mestiço. Veio-me à mente o soneto ‘Canto Brasileiro’, que deu nome ao meu primeiro livro publicado (de 1973). Era isso. O canto triste nascido dessa miscigenação. O aperto de saudade do branco colonizador, o banzo africano e a dolência nativa, ‘Um soluçar de dor’ foi a expressão que me brotou imediatamente, e dessa frase parti pro poema. Fui ajeitando a melodia aqui e ali em função da letra.

Depois de terminado, dei por falta do que julgava ser o principal, o miolo, a célula: o canto de lamento. Na verdade, era o mais difícil, era a marca, o carimbo, a identificação do samba. Fiz vários antes do definitivo. Cada vez que ia cantar, saía de um jeito. Quando Clara entrou em estúdio pra gravar, sentei com o Maestro Gaya, que faria o arranjo, pra passar a melodia corretamente. 

Belíssima a harmonização criada por ele, mas na hora do estribilho surgia a dúvida. Era sempre um lamento diferente o que eu entoava. ‘ – Define o canto, Paulinho – dizia Gaya’. De repente, influenciado por acordes que ele sequenciava ao piano, a melodia veio por inteiro. O Gaya gostou, fixou na minha cabeça com um solo e fechou a tampa.”.

O casal Paulo César Pinheiro e Clara Nunes | Imagem: Reprodução

Na contracapa do disco de Clara Nunes, Paulo César Pinheiro escreveu:

Quando o Brasil ainda era um país desconhecido do resto do mundo, a nossa música era apenas sons dispersos na boca do índio habitante. Porque fazer som e ritmo é próprio do instinto humano. Mas nada havia de definido em termos musicais. Até que aqui chegou o português colonizador e a história da MPB começa. A Terra foi tomada em nome do rei. E o índio guerreiro foi vencido e escravizado ao trabalho da lavoura, em favor da civilização. E, do cativeiro, ecoaram os primeiros cantos tristes que começaram a definir o nosso canto brasileiro. 

Dado ao gigantismo da nova nação descoberta, precisavam os conquistadores de muitos e muitos braços para o trabalho, que se prenunciava tão grande quanto o próprio território. E importaram de suas colônias africanas a raça nascida escrava: a raça negra. E o canto do índio cativo juntou-se ao lamento do preto sofrido das senzalas e dos quilombos. E a música passou a tomar novas formas, proporções e grandeza às quais o mundo inteiro ainda viria se curvar. 

Para a nova Terra partia toda espécie de gente: desde os homens de confiança da coroa portuguesa até aventureiros buscando riquezas. E aqui, saudosos de seus lugares de origem passaram também a criar seus cantos. A colônia crescia e os próprios brancos já sentiam a necessidade da quebra das correntes que uniam Brasil e Portugal. Até que se deu a Independência. E a expressão música popular brasileira”, desde aí, passou a ter a sua definitiva validade. Esta é a sua história. A história da música de um país feita pela união das três raças que o construíram. E, tendo sido feita pelo povo, só o próprio povo tem o direito de julgar e consagrar a música popular, porque somente ele sabe os que melhor interpretam seus sentimentos. 

Os grandes mestres saíram sempre do povo. O bom intérprete sente um e um estranho afeto pela composição que interpreta. E, nesse instante, letra e melodia são suas. O autor é ele. Por isso Clara Nunes tem o quilate de uma grande intérprete. Porque, quando canta, se une ao povo num sentimento comum. E o povo sente e gosta e canta com ela, Porque também do povo é o compositor que ainda está por surgir, o mestre que ainda não apareceu.”.

E aí, gostou de saber a história por trás de mais um clássico da nossa música?

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