Hoje seria aniversário de um dos mais importantes compositores e instrumentistas da história da música brasileira, Nelson Cavaquinho. E, para homenageá-lo, trouxemos a história de um dos seus maiores sucessos: a canção “Folhas Secas”, composição em conjunto com Guilherme de Brito, seu parceiro mais constante.
Folhas Secas – Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito
Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito compuseram a canção “Folhas Secas” para fazer uma reflexão sobre a vida, falando sobre a passagem do tempo e a chegada de uma idade mais avançada, fazendo uma metáfora com as folhas secas de uma árvore mangueira caídas no chão.
Desta forma eles também fazem referência à sua escola de samba do coração, da qual Nelson foi – por muito tempo – um dos mais importantes sambistas, a Estação Primeira de Mangueira, e ao seu tempo áureo de samba e juventude.
Em 1973, o próprio compositor, Nelson Cavaquinho, deu o belo samba de presente para Beth Carvalho gravá-lo no seu álbum “Canto por um Novo Dia”, primeiro LP em que a cantora se apresentou como sambista, gênero do qual logo tornou-se uma das maiores figuras, sendo chamada de “a Madrinha do Samba”.
Beth gravou “Folhas Secas” – inclusive com a participação de Nelson Cavaquinho no violão – mas, quando estava prestes a lançar esta pérola, a sambista descobriu que outra cantora tinha gravado e iria lançar a mesma canção ao mesmo tempo: Elis Regina.
E foi exatamente o que aconteceu: a Pimentinha lançou a sua versão de “Folhas Secas” – numa pegada mais samba-jazz – ainda em 1973, no LP “Elis”.
Mesmo a versão que ficou mais famosa e conhecida da música tendo sido o samba de Beth Carvalho, o fato de achar que Elis Regina tinha lhe atravessado e gravado a canção que lhe foi dada pelo compositor ao mesmo tempo que ela, fez com que a Madrinha do Samba tivesse uma mágoa eterna com a Pimentinha.
Por muito tempo, se acreditou que quem havia mostrado a música para Elis – que ficou enlouquecida com “Folhas Secas” e logo quis gravar, tinha sido o pianista e arranjador César Camargo Mariano, que na época tinha um relacionamento musical e amoroso com Elis Regina e que tinha sido convidado por Beth Carvalho para fazer a direção musical e os arranjos do álbum “Canto por um Novo Dia”.
O que Beth Carvalho – e muitas pessoas do meio musical também, por muito tempo – entendeu é que, tendo conhecido a música por meio de César, Elis tinha insistido em gravá-la, mesmo sabendo que Nelson Cavaquinho tinha dado a composição para Beth.
A Madrinha do Samba então foi tirar satisfações diretamente com César Camargo Mariano assim que soube que Elis teria gravado “Folhas Secas”, mas ele teria negado veementemente – e diversas vezes – que levou a música que gravou com Beth para a sua então esposa, Elis, conhecer e gravar.
Beth Carvalho, no entanto, nunca engoliu a história e faleceu em 2019, ainda acreditando que tinha sido traída pelo arranjador do seu disco de 1973 e também com essa mágoa de Elis Regina. (Vale lembrar que Mariano assina os arranjos das duas gravações, a de Beth e a de Elis).
Acontece que eu outubro de 2021, o jornalista e roteirista Leonardo Bruno lançou o livro “Canto de Rainhas – O poder das mulheres que escreveram a história do samba”, onde expôs uma nova versão sobre a história, dessa vez a verdadeira: no livro, o compositor, instrumentista, arranjador e produtor musical Roberto Menescal – que na época do lançamento de “Folhas Secas” era diretor artístico da gravadora Philips – assume a responsabilidade pelo por todo o mal entendido.
Menescal absolve Elis da acusação de falta de ética e ao mesmo tempo tira a responsabilidade de César Camargo Mariano de ter apresentado a música para Elis Regina gravar. Em depoimento, Roberto Menescal assume finalmente a responsabilidade, dizendo que foi ele quem, de caso pensado, levou “Folhas Secas” para Elis, já que ele era o diretor da gravadora do disco da Pimentinha:
“César era casado com Elis e estava produzindo o LP da Beth Carvalho. Ele fez um arranjo da música ‘Folhas Secas’ e me mostrou. Eu disse: ‘eu vou gravar essa música’. O César falou: ‘Não, Menescal, eu não posso fazer isso com a Beth‘. Respondi: ‘Fala que fui eu que peguei a música’. Fizemos um arranjo para Elis e estouramos. Beth nunca me falou nada, mas deve ter ficado mordida. César ficou mal com a situação. Elis não sabia de nada. Depois, eu mandei um recado para Beth Carvalho: ‘Beth, me desculpa, mas pelo meu artista eu faço qualquer coisa”.
Tanto fez, que a sua então gravadora Philips correu para enviar para as rádios o registro de “Folhas Secas” com Elis Regina, assim que soube que Beth Carvalho havia pedido para a gravadora do seu disco – a Tapecar – que editasse às pressas um single com a gravação do samba, assim que soube da gravação de Elis (que é difícil que não soubesse de nada, sendo casada com César!).
Essa responsabilidade já tinha sido atribuída a Roberto Menescal pelo jornalista Julio Maria, na biografia “Elis Regina – Nada Será Como Antes”, em 2015, mas ainda sem o depoimento em primeira pessoa do próprio Menescal, como aconteceu no livro de 2021.
Sobre Nelson Cavaquinho
Nelson Antônio da Silva – o Nelson cavaquinho (que também lançou sua versão de “Folhas Secas” em um LP que levou o seu nome, ainda em 1973) – nasceu no Rio de Janeiro, em 29 de outubro de 1911.
Seu envolvimento com a música iniciou-se dentro de casa. Seu pai, Brás Antônio da Silva, era músico da banda da Polícia Militar e seu tio, Elvino, tocava violino.
Depois, Nelson passou a frequentar as rodas de choro da Gávea, bairro onde morava. Foi nessa época que surgiu o apelido que o acompanharia por toda a vida: Cavaquinho, o instrumento que tocava.
Por volta dos seus 20 anos, Nelson Cavaquinho foi trabalhar na polícia, fazendo rondas noturnas a cavalo. E foi assim, durante as rondas, que conheceu e passou a frequentar o morro da Mangueira, onde conheceu sambistas como Cartola e Carlos Cachaça.
Nelson tornou-se, então, junto com esses dois outros artistas – um dos principais sambistas da Estação Primeira de Mangueira. Seus sambas eram marcados por temas como a melancolia, o desamor e a morte.
Nos anos 40, Nelson Cavaquinho foi descoberto por Cyro Monteiro, que fez várias gravações de suas músicas. Assim como Cartola, o artista caiu por um tempo do esquecimento, e – anos mais tarde – em 1960, começou a se apresentar em público no Zicartola, bar de Cartola e sua esposa Dona Zica, no centro do Rio de Janeiro.
Foi nesta época que foi redescoberto por músicos da classe média carioca que buscavam novos ares nos velhos morros do Rio de Janeiro – como Nara Leão,Elizeth Cardoso e Baden Powell – a galera da Bossa Nova.
Em 1970, Nelson Cavaquinho lançou seu primeiro LP, “Depoimento do Poeta”, pela gravadora Castelinho. Na maturidade, ele optou pelo violão como instrumento, desenvolvendo um estilo inimitável de tocá-lo, utilizando apenas dois dedos da mão direita (o polegar e o dedo mínimo) e gerando um som estalado. Sua voz também era inconfundível: rouca e rasgada.
Nelson Cavaquinho deixou mais de 400 composições, e quatro álbuns, gravados entre 1970 e 1985.
Além de um álbum em conjunto com Candeia, Guilherme de Brito e Élton Medeiros, em 1977: “Quatro Grandes do Samba”, e do disco “Fala Mangueira – Cartola, Carlos Cachaça, Clementina de Jesus , Nelson Cavaquinho e Odete Amaral”, de 1968.
Nelson Cavaquinho faleceu em 18 de fevereiro de 1986, aos 74 anos, vítima de um enfisema pulmonar.
Além de “Folhas Secas”, o artistadeixou um legado de diversos sambas clássicos na memória da música brasileira, como:
- A Flor e o Espinho (1957, parceria com Alcides Caminha e Guilherme de Brito)
- Juízo Final (1973, parceria com Élcio Soares)
- Quando Eu Me Chamar Saudade (1972)
- Folhas Secas (1973, ambas com Guilherme de Brito)
- Luz Negra (1961, com Amâncio Cardoso)
- Minha Festa (1973, com Guilherme de Britto)
- Notícia (1955, com Alcides Caminha e Nourival Bahia)
- Palhaço (1951, com Oswaldo Martins e Washington Fernandes)
- Pranto de Poeta (1957, com Guilherme de Britto)
- Rugas (1946, com Augusto Garcez e Ari Monteiro)



