Pela primeira vez no teatro, “Ideias para adiar o fim do mundo” percorre o pensamento do líder indígena Ailton Krenak para abordar as ficções que sustentam as ideias de humanidade e de Brasil. Em cena, um indígena do povo Apurinã, evangelizado na infância e nascido na Aldeia Mawanaty, na Amazônia, busca as raízes de seu povo enquanto é confrontado diariamente pelas perguntas: “Você é índio de verdade? Você come carne de macaco? O que você está fazendo aqui? Por que não está na sua aldeia?”.
Após meses de processo colaborativo, a dramaturgia de João Bernardo Caldeira e de Yumo Apurinã, diretor artístico e protagonista do espetáculo, investiga as raízes da colonização que, como aponta Krenak, segue em curso, produzindo extermínio, etnocídio, devastação ambiental, expropriação de terras e tragédia climática, por meio de tiro, fogo, bíblia, soja, boi, estrada e cimento. O espetáculo teatral estreia na próxima sexta (17) e permanece em cartaz até o dia 26 de outubro no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto, no Rio.
Em conflito com as ideias de pecado e de expulsão do paraíso, que separam humanidade e natureza, Yumo busca sua ancestralidade, solapada pelos processos de colonização: “Eu não sei a minha língua”, constata, atônito. Sob memórias de massacre, desmatamento e do sistemático aniquilamento dos povos indígenas e de seus direitos — inclusive nas constituições brasileiras até a de 1988 —, a pergunta fundamental da obra de Krenak é então colocada: “Somos mesmo uma humanidade?”.
Ao investigar os costumes e o passado de seu povo — o Demiurgo Tsurá, o ritual Xingané, o poder de cura dos Kusanaty (pajés) —, esse indígena vasculha a si mesmo, enquanto desvela a violência da colonização, a expropriação de terras e o apagamento histórico dos direitos indígenas. Em cena, esse corpo racializado pela sociedade, que lhe imputa a pecha de “índio”, atravessa estereótipos, enquadramentos e racismos vivenciados inclusive em sua carreira como ator.
“Quando escuto Krenak, sei que estou ouvindo muitas outras vozes de sábios e parentes. Ailton é um porta-voz que representa mais de 300 etnias”, reflete Yumo Apurinã. “Quando eu me apresento num palco, minha mãe, meu pai e meus antepassados estão ali, nunca estamos sozinhos”, diz. “A intenção deste espetáculo é buscar um caminho consciente de transformação interior. Enquanto o teatro puder me fazer existir, é com ele que vou continuar sonhando e suspendendo o meu céu.”
A ficha técnica reúne, em sua maioria, artistas indígenas: ao lado de Yumo e Krenak, somam-se Wangleys Manaó, Giovanna Aguirre, Juão Nyn, Sandro Akroá e Xipu Puri. “Sob os escombros desses falidos projetos de humanidade, que insistem em organizar hierarquicamente os papéis sociais, a questão que se impõe hoje não é dar voz, mas escutar os saberes e vivências daqueles que foram histórica e socialmente silenciados”, diz o diretor João Bernardo Caldeira. “Talvez assim nós, não indígenas e corpos atravessados por privilégios, possamos trair nossas ancestralidades coloniais e nos reconectar com a vida, com os seres visíveis e invisíveis, com a terra.”
Serviço:
De 17 a 26 de outubro de 2025
Sexta e sábado, sempre às 20h l Domingo às 19h
Inteira: R$ 50
Meia: R$ 25
Vendas: site ingressosriocultura.com.br http://bit.ly/3KGnMBc
Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto – Rua Visconde de Silva, ao lado do número 292, no Humaitá, no Rio



