Imagine uma roda de capoeira na Bahia, o som metálico do berimbau conduz os movimentos enquanto o pandeiro marca o compasso. No interior de Minas, um violeiro dedilha modas que atravessaram gerações, enquanto no Nordeste a zabumba e o triângulo anunciam a festa junina. Já nas aldeias da Amazônia, o maracá chacoalha como se conversasse com a floresta.
Essas cenas contam a história de um país que se fez no encontro de culturas. Povos indígenas já produziam sons com instrumentos de cabaça e madeira muito antes da chegada dos colonizadores. Africanos escravizados trouxeram consigo tambores e arcos musicais que se transformaram em símbolos de resistência. Europeus introduziram cordas e metais que se reinventaram nas mãos brasileiras.
Cada instrumento típico do Brasil é, portanto, um pedaço vivo da nossa memória coletiva, carrega espiritualidade, celebração e identidade. A seguir, conheça oito deles e descubra as histórias que ecoam em seus sons.
8 instrumentos típicos do Brasil e suas histórias
1. Berimbau (Bahia)
A origem do berimbau vem de arcos musicais primitivos, há cerca de 20 mil anos. Embora ainda sem resposta definitiva, é certo que sua forma moderna se consolidou entre tribos africanas e foi trazido ao Brasil por volta de 1538 com os primeiros escravizados.
Na Bahia, se tornou a “alma” da capoeira, comandando os toques — como Angola, São Bento Grande e Iúna — que ditam a cadência dos jogos e até o espírito dos capoeiristas. No século 19, há relatos de que negros libertos usavam o som do berimbau para anunciar doces e quitutes vendidos nas ruas de Salvador.
2. Pandeiro
Com origem em instrumentos árabes e ibéricos, o pandeiro chegou ao Brasil pelos colonizadores portugueses, mas aqui ganhou uma identidade única. No Rio de Janeiro, no século 19, foi incorporado ao choro e mais tarde se tornou indispensável no samba, com técnicas refinadas de abafamento e estalos que só existem no Brasil.
É usado também no forró, no coco, na capoeira e até em orquestras sinfônicas contemporâneas, onde compositores exploram seu timbre diferenciado. Não à toa, muitos músicos o consideram “a bandeira nacional da percussão”.
3. Viola Caipira
Descendente das violas portuguesas de cinco ordens de cordas, a viola caipira chegou ao Brasil com jesuítas e colonos no período colonial. No interior paulista, mineiro e goiano, tornou-se símbolo da cultura rural, presente em modas de viola, catiras e folias de reis.
Sua importância é tanta que a USP (Universidade de São Paulo) criou, em 2005, o primeiro bacharelado dedicado ao instrumento. Afinada de formas diversas — como “Cebolão” ou “Rio Abaixo” —, a viola traduz emoções do campo e continua viva com mestres como Renato Andrade e Almir Sater.
4. Rabeca
Versão rústica do violino europeu, a rabeca foi adaptada no Brasil pelos povos do interior, sobretudo no Nordeste. Com sonoridade mais áspera e marcante, é essencial em manifestações como cavalo-marinho, bumba-meu-boi e folias de reis.
A rabeca acompanha festas religiosas há séculos, mantendo forte vínculo entre música e espiritualidade popular. No Recife, grupos como o Mestre Salustiano revitalizaram seu uso, e em festas do Norte e Nordeste ainda é comum ver rabequeiros transmitindo tradição de geração em geração.
5. Zabumba
Típica do Nordeste, a zabumba é um tambor de duas peles tocado com baqueta (grave) e bacalhau (vareta aguda). Tornou-se essencial no baião, no xaxado e no forró, especialmente com Luiz Gonzaga, que a popularizou como parte do trio com sanfona e triângulo.
As batidas da zabumba dão o “coração” da festa junina, com um equilíbrio entre graves e agudos que sustentam todo o ritmo. Sua construção artesanal, geralmente com madeira e couro, reforça a ligação com tradições nordestinas.
6. Triângulo
Apesar de simples, o triângulo ganhou protagonismo no forró. De origem europeia, foi incorporado ao Brasil colonial, mas encontrou no Nordeste seu espaço principal. Seu som metálico, obtido com a batida de uma vareta de ferro, marca compassos e cria uma textura que contrasta com a zabumba e a sanfona. No baião, serve de guia rítmico, garantindo que dançarinos não percam o compasso.
7. Agogô
De origem africana, o agogô é formado por dois ou mais sinos metálicos unidos. No Brasil, se espalhou em cultos afro-brasileiros como o candomblé e, posteriormente, no samba de roda e nas escolas de samba.
O agogô simboliza a ligação entre ritual e festa, já que seu toque é usado tanto em cerimônias religiosas quanto em desfiles carnavalescos. Nas baterias, é o responsável por dar brilho e dinamismo, criando linhas melódicas dentro da percussão.
8. Maracá
Um dos instrumentos mais antigos do território brasileiro, o maracá é de origem indígena e é feito tradicionalmente com cabaça e sementes secas em seu interior. Ele acompanha cantos e danças em rituais espirituais e celebrações ligadas à natureza.
Segundo o IPHAN, é um dos símbolos mais fortes da musicalidade indígena, representando ritmo e espiritualidade, já que muitas etnias acreditam que seu som evoca forças da natureza e conecta o humano ao sagrado. Ainda hoje é utilizado em festas tradicionais da Amazônia e em manifestações de povos originários.
O som que traduz a identidade do Brasil
Cada batida de zabumba, cada estalo do pandeiro ou dedilhado da viola carrega histórias de fé, luta e celebração. O berimbau que guia a capoeira lembra a resistência dos escravizados, o maracá indígena conecta comunidades à natureza, a rabeca não pode faltar nas festas populares do Nordeste, o agogô brilha no samba e nos rituais afro-brasileiros.
Esses instrumentos mostram que a música brasileira é, na verdade, um grande encontro, de povos, de ritmos, de tradições. Atravessaram séculos, resistiram às tentativas de apagamento e seguem vivos, reinventados em palcos, terreiros, festas juninas, rodas de choro e até nas universidades.
Ao ouvir esses sons, estamos diante de capítulos da nossa história. É por isso que conhecer os instrumentos típicos do Brasil é também conhecer a própria identidade de um país que se expressa pela música, transformando diversidade em harmonia.



