Mulher trans, preta, nordestina e uma das maiores vozes do Brasil! No dia de hoje, a cantora e compositora baiana Majur completa três décadas de vida e muita história para contar! Para celebrá-la nesta data especial, preparamos uma matéria especial com tudo sobre a sua história e obra.
Conhecida pela musicalidade versátil e potente, Majur se firma como uma das grandes vozes da música contemporânea brasileira e tem uma trajetória marcada pela diversidade, pelo afeto preto e pela força da sua expressão artística. Em sua obra, canta sobre amor, ancestralidade e resistência (ou insistência, como ela costuma dizer!).

Infância em Salvador e a relação com a música
Nascida e crescida no bairro Uruguai, na periferia de Salvador, sua infância foi marcada por momentos difíceis, mas também por muita música. O pai abandonou a família quando Majur tinha apenas três anos e sua mãe – para conseguir sustentar a família – passou a levá-laa tiracolo enquanto vendia picolé, água, brinco e outras mercadorias pelas ruas da cidade. Majur chegou inclusive a catar material reciclável nas ruas com a mãe para sobreviver.
Mas, como um respiro, a música sempre esteve presente: Majur começou a cantar aos cinco anos no coral da Orquestra Sinfônica da Juventude de Salvador. Dos 5 aos 13 anos também participou do coral da igreja evangélica que frequentava.
Das apresentações natalinas com a Orquestra no Pelourinho, ela passou a cerimônias militares com o coral do Colégio da Polícia Militar, onde estudou. Em 2008, chegou à final estadual do Festival Anual de Canção Estudantil, promovido pelo Ministério da Educação.
Chegou também a estudar violino, mas – por conta da dura realidade em que vivia, não via a música como uma possibilidade. Por isso, Majur trabalhava como atendente de telemarketing de dia e à noite, foi cursar a faculdade de Design Visual com Ênfase em Meios Digitais na Universidade Salvador.
Ela conta que o curso a ajudou muito em seu trabalho de composição, pois – mais pra frente – usou o que aprendeu sobre Semiótica em suas letras. A comunicação com o público via redes sociais também melhorou depois do curso.
No terceiro período da faculdade, em 2016, Majur foi morar na Barra, bairro super boêmio de Salvador, montou uma banda com mais cinco músicos e em 2017, passou a abraçar de vez a música, quando chegou a cantar em todos os bares da região:
“Me inspirei em Liniker [de quem era muito fã] cantava as músicas dela, de Tim Maia e de Jorge Ben Jor. Foi aí que comecei a criar minha imagem de uma forma mais consistente e deu bastante repercussão na cena.”, contou em entrevista à revista Vogue.

Um encontro com Liniker mudou tudo
Foi então que Majur – já conhecida na cena musical de Salvador – começou a trabalhar com o produtor Jaguar Andrade, que já tinha trabalhado com nomes comoIvete Sangalo, Daniela MercuryeCarlinhos Brown. Jaguar viu um vídeo de Majur cantando na internet e ficou encantado com a sua voz.
Um dia, já em 2018, a cantora e compositora paulista Liniker, já consagrada como uma das grandes vozes da música brasileira e conhecida no Brasil inteiro – e de quem Majur era muito fã e em quem se inspirava muito – estava de passagem por Salvador e Jaguar Andrade descobriu que ela precisava de um violão para fazer uma participação em um programa de TV local.
Majur então se incumbiu de levar o violão até Liniker, e – de quebra – conhecer sua ídola: “Peguei três táxis, dois ônibus e um metrô para entregar esse violão. Cheguei às 12h08 e o programa começava às 12h15”, conta ela.
Liniker já tinha visto vídeos de Majur cantando um cover da sua música “Tua“, no Youtube, e reconheceu a cantora. Mais tarde, Majur foi assistir ao show que Liniker tinha ido fazer em Salvador e a Liniker convidou Majur para subir no palco e cantar – justamente – “Tua” junto com ela.
Essa visibilidade do show da Liniker levou Majur a lugares muito maiores. Ela aproveitou o burburinho que estava rolando em torno do seu nome e lançou o EP que estava produzindo com Jaguar Andrade, seu primeiro EP: “Colorir”, junto com o clipe da música “Africaniei”, em que a cantora fala sobre ancestralidade.
O EP – que conta com mais duas canções: “Náufrago” e “Detalhe” – mescla soul music e beats eletrônicos com claves de matriz africana.
“Náufrago” – que conta com a participação do rapper também baiano Hiran – foi a primeira música escrita por Majur ao violão e fala sobre a descoberta na fase em que se enxergou no gênero não binário: “A gente começa a colorir a vida a partir da vivência e ‘Náufrago’ me ajudou a desenhar esse momento tão libertador de minha vida e oferta a todos que a escutam a possibilidade de desvendar novos encontros”, explica a cantora.
Abençoada por Caetano Veloso
Com o lançamento, Majur passou a usar o EP como portfólio ao entrar em contato com diversos artistas nacionais por meio de redes sociais. Das dezenas de mensagens que mandou, foi respondida pela cantora Maria Gadú e a produtora Lua Leça. Em janeiro de 2019, as duas a convidaram para uma reunião de amigos na casa deCaetano Veloso.
Caetano ficou encantado com a voz e a presença de Majur, quando a escutou cantando na sala de sua casa. Os vídeos do encontro foram postados nas redes sociais e a visibilidade da baiana aumentou ainda mais.
O encontro também rendeu contrato com a produtora da esposa de caetano, Paula Lavigne, Uns Produções, que passou a empresariá-la e convites para Majur se apresentar no Carnaval de Salvador, cantando nos trios de Daniela Mercury, Psirico e Marcia Castro, no camarote deGilberto Gil, o Expresso 2222 e no Pelourinho.
Voz potente, carreira em ascensão
A partir daí, a cantora – que conquistou todo o Brasil – não parou mais!
Majur mudou-se para o Rio de Janeiro e – em 2019 – foi convidada para se apresentar no Baile da Vogue, vestida com look da marca italiana Gucci. Uma semana depois, se tornou a primeira brasileira a ter uma foto compartilhada no perfil internacional da grife.
No mesmo ano, desfilou no Afro Fashion Day, evento anual em Salvador que dá visibilidade a modelos negros, ao som de “Africaniei”, primeira faixa do seu EP “Colorir”: “Fui a primeira pessoa na história do Afro Fashion Day a desfilar com roupa feminina sendo geneticamente masculino”, contou à revista Vogue.
Em junho de 2019, a cantora participou da antológica canção e do clipe “AmarElo”, de Emicida, ao lado de Pabllo Vittar. A partir daí, passou a ser conhecida no Brasil inteiro: ela e Pabllo trazem em suas vivências e em suas obras, histórias bonitas a respeito de acreditar em si e de lutar contra o mundo para serem quem são. E isso fez de “AmarElo” uma música ainda mais poderosa.
Saiba tudo sobre a música “AmarElo”, de Emicida.
Apesar de ser vista como um ícone de resistência e representatividade, Majur reflete muito sobre este lugar: “Canto o amor entre pessoas, tento fugir ao máximo da relação de gêneros nas minhas músicas. Minha representatividade já tá clara no visual. Não quero restringir nas letras, minha intenção é atingir diversos públicos de diversas idades.”, declarou em entrevista ao jornal O Globo.
“Apesar de ser importante falar sobre isso, me posicionar, não é o meu título. A música é meu trabalho. O gênero é o que sou, e o que sou já está nas minhas músicas”., disse a cantora ao jornalA Tarde. “O meu trabalho é sobre encorajar pessoas, fazer com que elas se encontrem, assim como eu me encontrei. É o que eu faço com a minha música e as pessoas me acompanham por essa força”.
Ainda em 2019, Majur lançou o clipe do single ”20ver”, em que retrata a pluralidade dos encontros, de pessoas e de vidas: “Tentamos ser o mais plural na idealização desses caminhos. A sensualidade dos encontros e a arma de sedução de cada um, em suas diversas formas. Temos gays, lésbicas, trans, plus size, negros, brancos e até um galo, que na minha religião representa caminho. Minha arte é plural e não poderia ser diferente” afirma a cantora.
E ela não pára!
Em 2020, Majur lançou o single “Andarilho”, com um clipe gravado durante a pandemia de Covid 19. A canção celebra o vínculo entre pessoas em diferentes relações. Ela nasceu como uma homenagem da artista para o melhor amigo, Rodrigo, a quem se refere como maior companheiro de todos os momentos.
Em maio de 2021, chegou às plataformas de streaming o seu álbum de estreia, “Ojunifé”, palavra que vem do idioma iorubá, comum na África Ocidental, e quer dizer “olhos do amor”.
Com uma sonoridade afropop, o álbum conta com 10 faixas que permeiam amores, vivências e experiências da artista e tem participações de peso como Liniker e a sua conterrânea Luedji Luna.
“Quando eu venho com este disco, falo de uma transgressão. Estava me transmutando enquanto mulher trans, acessando o espaço do meu corpo e ao mesmo tempo fiz santo no Candomblé”, contou Majur à revista Vogue.
O segundo álbum de Majur é de 2023, “Arrisca”, trabalho independente com todas as faixas de composições autorais e produção de Max Viana. Arrisca expõe uma Majur muito mais pop, mais dançante, entregue às sonoridades radiofônicas do mainstream e promete conquistar um público para além do qual ela já cativou. Vai do batuque do Olodum ao rock, e tem a participação de Ivete Sangalo, Olodum e Xamã.
Seu mais recente lançamento é de maio de 2025, o álbum “Gira Mundo”, primeiro disco de Majur associado à uma gravadora, a Universal Music, com quem firmou contrato. O disco conta com 16 faixas em iorubá, com uma música dedicada para cada orixá do Candomblé, sua religião.
“Gira Mundo” traz uma leitura afropop contemporânea, que dá às cantigas tradicionais do candomblé instrumentos como piano, baixo acústico e clarins. O objetivo de Majur é fechar a trilogia proposta pelos dois primeiros álbuns, além de trazer uma bandeira contra a intolerância religiosa em torno de sua crença.
“Apesar de evidenciar a intolerância religiosa e o racismo no Brasil, esse álbum não é sobre religião. É sobre recontar a nossa história nos tempos de hoje. É sobre transformação e conexão, informação para o povo, sem mais”, explicou a cantora à CNN.
Agora em outubro de 2025, Majur foi homenageada com o prêmio Powerlist Mundo Negro, que celebra e reconhece mulheres negras que transformam o cenário cultural e deixam impacto real na sociedade brasileira por meio da arte. Majur venceu o prêmio na categoria “Cultura, Arte e Entretenimento”.


