Em junho de 1991, os músicos Chico Science – líder da banda Nação Zumbi – e Fred 04 – no comando da banda Mundo Livre S/A – apresentaram em Olinda (PE), um novo ritmo:o “Mangue”,nascido da vontade de “desobstruir as artérias” e buscar o que ainda restava de “fertilidade nas veias do Recife”, cidade onde a população pobre enfrentava enormes dificuldades. No release de imprensa que se transformou em um manifesto de fundação – “Caranguejos com cérebro” – os músicos declararam-se em emergência contra a estagnação, a miséria e o caos urbano da cidade.
Inspirado pelo romance “Homens e Caranguejos”, do escritor pernambucano Josué de Castro, o Manguebeat fez do mangue seu lugar referencial: as zonas úmidas, alagadas, quase pantanosas, fronteiriças entre o mar e a terra firme, constituem um dos ecossistemas mais ricos do planeta.
Nelas vivem os “homens-caranguejo”, impregnados de lama, que passam a erguer suas antenas para denunciar a realidade social que os asfixia. A saída está em absorver a energia criadora do mangue e injetá-la no Recife exaurido pela pobreza e pela estagnação. Só assim será possível arejar a vida e a cultura da cidade.

O caranguejo, portador da diversidade biológica do mangue, e a antena parabólica, que conecta o local e o universal, são os símbolos do movimento. Ao seu nome original de 1991, “Mangue”, é agregado mais tarde o complemento “bit”, a menor unidade binária de informação, expressando a ideia de seus criadores de surfar uma onda tecnológica, repleta de antenas e ondas, quando a Internet ainda engatinhava.
No entanto, mesmo não sendo a ideia original de seus fundadores, acabou prevalecendo no nome do movimento a terminação “beat” – batida, em inglês. E, com isso, a expressão “Manguebeat” passou a designar tanto o movimento cultural como o estilo musical.
Enquanto gênero, a principal característica do Manguebeat é sua diversidade sonora, simbolizada pela parabólica que está o tempo todo captando as mais diferentes referências.
A música Manguebeat mistura tradições regionais, como o maracatu, o forró e o coco, com influências nacionais e internacionais, como o samba, o hip-hop, a música eletrônica, o rock e o punk-rock.
Nas palavras de Chico Science, os caranguejos antenados tinham ouvidos abertos para todos os sons do mundo. Refletindo a geografia de Recife, o Manguebeat tenta construir pontes que ultrapassem os fossos sociais da cidade, ligando mundos opostos, como o mangue e o rico bairro de Candeia, para ampliar sua denúncia: o homem que sai do mangue torna-se “aratu”, um crustáceo que não tem casulo para se esconder e vira presa fácil dos predadores, como conta a letra da música “Da Lama ao Caos”, de Chico Science.
As letras do Manguebeat, coerentes com a intenção do movimento de conscientizar os “homens-caranguejos” e transformá-los em “caranguejos com cérebro”, frequentemente citam exemplos de homens que se revoltaram com a injustiças sociais, como Emiliano Zapata e Augusto Sandino, Zumbi e os cangaceiros.



