Descubra como o mar é retratado por grandes poetas e músicos brasileiros, como símbolo de emoção, mistério e transformação
A imensidão do mar é inspiradora, pois tão imensas são nossas emoções. Poetas de diferentes épocas e estilos, desde os clássicos até os contemporâneos, têm encontrado no mar uma fonte inesgotável para suas escritas.
Vem com a gente para ver como o mar é descrito e interpretado por grandes nomes da literatura nacional, uma visão diversificada e tocante de como esse elemento natural se entrelaça com as questões existenciais e emocionais da humanidade.
“O Mar” – Dorival Caymmi
Trecho:
“O mar, quando quebra na praia,
É bonito, é bonito.
O mar, pescador, quando sai,
Nunca sabe se volta, nunca sabe se fica.
O mar, quando quebra na praia,
É bonito, é bonito.”
Neste poema-canção, Dorival Caymmi expressa a beleza do mar, mas também sua imprevisibilidade. A repetição do verso “O mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito” cria um efeito hipnótico, como o próprio movimento das ondas.
O mar é tanto um espetáculo visual quanto um espaço de incerteza e destino desconhecido, que simboliza a fragilidade da vida daqueles que dependem dele para sobreviver, como os pescadores. Há aqui uma forte relação entre a natureza e a condição humana que ressalta a nossa impotência diante das forças maiores do mundo.
“Mar Absoluto” – Cecília Meireles
Trecho:
“No mar estava escrita uma cidade.
Passava um vento de palavras ocas.
E as casas eram frágeis como rostos.
E os homens trabalhavam sobre as ondas.
No mar estava escrita uma cidade.
Ninguém jamais a viu, mas existia.”
Cecília Meireles utiliza o mar como metáfora para a efemeridade e a intangibilidade da existência. O tom onírico do poema evoca uma cidade submersa, que pode representar memórias, sonhos ou até mesmo a história não registrada de povos que desapareceram.
A repetição do verso “No mar estava escrita uma cidade” reforça a ideia de um espaço mítico e intocável, um lugar que existe apenas na percepção sensível e subjetiva. O mar surge, assim, como um depositário de narrativas que se dissolvem e se reescrevem constantemente.
“O Navio Negreiro” – Castro Alves
Trecho:
‘Stamos em pleno mar… Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm… cansam
Como turba de infantes inquieta.
‘Stamos em pleno mar… Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro…
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro…
‘Stamos em pleno mar… Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes…
Qual dos dois é o céu? qual o oceano?…
Neste poema, Castro Alves transforma o mar em palco de uma das maiores tragédias da humanidade: o tráfico negreiro. O oceano, que poderia ser símbolo de liberdade, torna-se uma prisão flutuante onde seres humanos são submetidos a um sofrimento indescritível.
O uso de imagens fortes, como “sangue a se banhar” e “tinir de ferros”, reforça a brutalidade da escravidão. O poema denuncia essa realidade de forma dramática, usando o mar como testemunha silenciosa de horrores históricos.
“Em uma tarde de outono” – Olavo Bilac
Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono… Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto…
Por que, belo navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?
A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos…
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!
E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão nascente do arrebol…
O poema faz uma reflexão melancólica sobre a transitoriedade da vida e a passagem do tempo, usando o outono como símbolo de decadência e declínio. A imagem das folhas caindo e o jardim silencioso evocam uma sensação de solidão e perda, enquanto as palavras “viuvez”, “velhice” e “desconforto” ampliam o tom de despedida.
Bilac, por meio da metáfora do navio, representa uma experiência efêmera, um ideal ou sentimento que surge brevemente e desaparece, deixando o eu lírico a contemplar a ausência, como se estivesse diante de um mar vazio e sem vida. No final, ele se vê sozinho, contemplando um oceano triste e vazio, marcado pela passagem do tempo.
Mudando de poema para música, também temos muitos sucessos que usam o mar como inspiração. Confira!
Todo Azul do Mar – 14 Bis
O mar é apresentado de forma nostálgica e romântica. A letra descreve um encontro à beira-mar, naquele momento, o azul do oceano se funde com a memória de um amor intenso. O mar simboliza um espaço de emoção e lembrança que funciona como uma paisagem afetiva.
Trecho:
“Foi então que eu vi todo azul do mar / Era o sol a que me conduz”
Como Uma Onda – Lulu Santos
O mar aqui assume uma dimensão filosófica e é comparado aos ciclos naturais da vida, a passagem do tempo e a constante transformação, a fluidez da existência. As ondas simbolizam mudanças inevitáveis e a impermanência das coisas.
Trecho:
“Nada do que foi será / De novo do jeito que já foi um dia / Tudo passa, tudo sempre passará”
O Beijo e a Reza – Skank
O mar surge como um elemento de mistério e sensualidade. Ele se entrelaça com a narrativa de amor e desejo e serve como um pano de fundo que sugere imensidão e entrega. A imagem do mar confere um tom poético e mítico à música, e traz à tona a profundidade dos sentimentos.
Trecho:
“No fundo azul do mar, guardou um beijo e uma reza”
Quero Ser Feliz Também – Natiruts
O mar aparece como um espaço de liberdade, plenitude e conexão espiritual. A letra sugere um desejo de simplicidade e harmonia e o oceano representa um refúgio. O mar reflete um ideal de felicidade e positividade que evoca uma relação com a natureza e um estilo de vida tranquilo.
Trecho:
“Longe de toda negatividade / A onda boa se espalhou no ar”
Eu Sou do Mar – Armandinho
Aqui, o mar se torna uma identidade. A letra transmite uma forte conexão entre o eu-lírico e o oceano que vive uma vida livre e desapegada. O mar se funde à própria essência do protagonista e simboliza um espírito livre e sem amarras.
Trecho:
“Eu sou do mar, eu sou do mundo / Eu sou do jeito que eu quiser”
Cidade Submersa – Paulinho da Viola
Essa música utiliza a metáfora da cidade submersa para falar sobre memórias, perdas e o apagamento de histórias. O mar assume um tom melancólico e histórico. O oceano aqui não é apenas um cenário, mas um elemento que preserva ou oculta o passado, representa a memória e a história esquecida.
Trecho:
“A cidade submersa ainda está em mim”
O Mar Serenou – Clara Nunes
A canção associa o mar ao candomblé e às tradições afro-brasileiras, com destaque para sua ligação com Iemanjá. O oceano aparece como um espaço de espiritualidade e celebração, se comporta como um ser vivo, respondendo à presença da divindade. Ele simboliza força, proteção e transcendência espiritual.
Trecho:
“O mar serenou quando ela pisou na areia”
O mar e a alma humana: um espelho de emoções e histórias
O mar, com seu constante movimento e seu caráter ambíguo, serve como um reflexo das complexidades humanas. Cada poeta e compositor, com sua sensibilidade, capta diferentes aspectos dessa grandeza, seja a serenidade, a dor ou a busca por sentido. Essas obras nos convidam a mergulhar no oceano e em nossas próprias profundezas.