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O poema de Machado de Assis que virou música do Barão Vermelho

Você sabia que uma das maiores bandas de rock do nosso país tem uma música baseada em um dos poemas mais importantes da carreira do grande escritor brasileiro Machado de Assis?

É isso mesmo! No seu álbum “Barão ao Vivo”, de 1989, a banda carioca Barão Vermelho incluiu a canção “Rock do Cachorro Morto”, cuja letra é simplesmente um poema de Machado de Assis, escritor de obras antológicas como “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “Dom Casmurro”.

O poema, originalmente chamado “Suave mari magno”, foi lançado pela primeira vez na Revista Brasileira em 15 de janeiro de 1880 e posteriormente coletado na coletânea de poemas de Machado de Assis “Ocidentais”, em 1901.

Suave mari magno

Lembra-me que, em certo dia,
Na rua, ao sol de verão,
Envenenado morria
Um pobre cão.

Arfava, espumava e ria,
De um riso espúrio e bufão,
Ventre e pernas sacudia
Na convulsão.

Nenhum, nenhum curioso
Passava, sem se deter,
Silencioso.

Junto ao cão que ia morrer
Como se lhe desse gozo
Ver padecer.

Versão punk rock para o egoísmo humano

Para entrar no álbum – gravado na Danceteria Damaxoc, em São Paulo, no início do mês de junho de 1989 – o poema foi musicado pelo baterista do Barão, Guto Goffi, em parceria com George Israel, compositor, que também foi saxofonista da banda Kid Abelha.

Os compositores trouxeram ritmo e uma expressividade rock’n roll e deram sonoridade aos versos e imagens do poema. Trata-se, na verdade, de um punk rock, que nem é tão comum na obra do Barão Vermelho, mas cai como uma luva no tema da canção:

No poema, um cão está morrendo envenenado e, de todas as pessoas que passam por ali, nenhuma deixa de parar e olhar a morte do cão. Em “Suave mari magno”, Machado de Assis traz à tona, em 1880, uma característica humana que – infelizmente – segue bastante presente na nossa sociedade até os dias atuais: o gosto humano pela crueldade, o prazer diante do sórdido, o instinto maligno de sentir prazer no sofrimento alheio.

Como não trazer isso para o mundo contemporâneo? Quantas vezes dirigindo você não viu um aumento no fluxo do trânsito e quando descobriu, o motivo foi a curiosidade das pessoas que desaceleraram ou pararam os seus veículos para ver de perto as vítimas de um acidente fatal?

Ou mais contemporâneo ainda: o que gera mais engajamento nas redes sociais, a alegria ou sofrimento do outro? Isso acontece porque muitas vezes estamos aliviados de ver que a tragédia ou o problema está acontecendo com os outros e não conosco. 

E é exatamente essa a tradução do título do poema de Machado de Assis: o escritor foi buscar na obra do poeta romano Lucrécio, autor do épico filosófico “De Rerum Natura (Sobre a Natureza das Coisas)”, escrito no século I a.C, a expressão latina “Suave mari magno”.

A expressão aparece no seguinte trecho: “Suave, mari magno, turbantibus aequora ventis/ E terra magnum alterius spectare laborem”, que pode ser traduzida como: “É agradável, quando no mar largo os ventos levantam as ondas, contemplar da terra firme os perigos a que os outros se acham expostos”. 

A expressão “mari magno” vem do latim e significa “o prazer que temos em nos vermos livres dos perigos a que outros estão expostos”, e muitas vezes – como dito – esse prazer não acontece exatamente na desgraça de alguém, mas porque é bom presenciar os males que é o outro que sofre e não você. 

É bom também contemplar os grandes combates de guerra travados pelos campos sem que haja da nossa parte qualquer perigo. Puro suco do egoísmo humano.

Cachorro como metáfora autobiográfica

Entre os estudiosos que se dedicaram à produção em versos de Machado de Assis, a crítica literária, biógrafa, ensaísta e tradutora mineira Lúcia Miguel Pereira observou no poema um possível traço autobiográfico, pois nele conta a descrição muito próxima de uma crise epiléptica, mal do qual sofria o próprio Machado de Assis.

Ele estaria então, pela metáfora de um cachorro envenenado, narrando a humilhação e indiferença sentidas durante as convulsões que sofria em público:

Arfava, espumava e ria,
De um riso espúrio e bufão,
Ventre e pernas sacudia
Na convulsão.

O escritor Machado de Assis – o maior expoente da literatura brasileira – morreu há exatos 117 anos, no dia 29 de setembro de 1908, na cidade do Rio de Janeiro, aos 69 anos, depois de uma imensa contribuição para a cultura do nosso país.

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