Descubra como grandes poetas brasileiros transformaram o tempo em poesia e nos ajudam a compreender sua essência fugaz e transformadora.
O tempo é uma das maiores inquietações humanas. Passa sem que possamos detê-lo, molda nossas histórias, transforma memórias e deixa marcas em tudo o que existe. Filósofos tentam compreendê-lo, cientistas tentam medi-lo, mas são os poetas que melhor traduzem sua essência: a fugacidade da vida, a nostalgia do que se foi e a esperança do que ainda virá.
A poesia brasileira está repleta de reflexões sobre o tempo, e nesta seleção reunimos dez poemas de grandes autores nacionais que ajudam a pensar sobre essa força invisível e inevitável.
“Seiscentos e Sessenta e Seis” (O tempo) – Mário Quintana
Trecho:
“Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…”
A vida corre sem que percebamos. Nos preocupamos tanto com o futuro e remoemos o passado, que muitas vezes esquecemos de viver o presente. Quintana nos lembra que, quando nos damos conta, os anos passaram e deixamos de aproveitar o essencial. A única maneira de vencer o tempo é preenchê-lo com momentos que realmente importam.
“Canto de Um Povo de Um Lugar” – Caetano Veloso
“Todo dia o Sol levanta
E a gente canta
Ao Sol de todo dia
Fim da tarde a Terra cora
E a gente chora
Porque finda a tarde
Quando a noite a Lua amansa
E a gente dança
Venerando a noite”
O poema de Caetano Veloso nos lembra que a vida segue o ritmo do tempo: nasce, cresce e se transforma a cada dia. Entre a alegria do amanhecer e a melancolia do entardecer, aprendemos a celebrar cada instante, aceitando que tudo passa, mas sempre renasce.
“Poema de Sete Faces” – Carlos Drummond de Andrade
Trecho:
“Quando eu nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
(…)
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.”
Desde o nascimento, somos lançados ao mundo com desafios e expectativas. O tempo nos transforma, nos endurece, mas também nos ensina a nos aceitar. A vida não segue um roteiro ideal, e cada um encontra seu próprio caminho. No fim, o que realmente importa não é o tempo que passou, mas como escolhemos vivê-lo.
Ofertas de Aninha (Aos moços) – Cora Coralina
“Eu sou aquela mulher
a quem o tempo
muito ensinou.
Ensinou a amar a vida.
Não desistir da luta.
Recomeçar na derrota.
Renunciar a palavras e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanos.
Ser otimista.
Creio numa força imanente
que vai ligando a família humana
numa corrente luminosa
de fraternidade universal.
Creio na solidariedade humana.
Creio na superação dos erros
e angústias do presente.
Acredito nos moços.
Exalto sua confiança,
generosidade e idealismo.
Creio nos milagres da ciência
e na descoberta de uma profilaxia
futura dos erros e violências do presente.
Aprendi que mais vale lutar
Do que recolher dinheiro fácil.
Antes acreditar do que duvidar”
Cora Coralina nos ensina que o tempo não é apenas um caminho de perdas, mas de aprendizado e fortalecimento. Cada fase da vida nos ensina a recomeçar e a acreditar na humanidade, mesmo diante das dificuldades. O tempo, quando bem vivido, nos faz mais resilientes e esperançosos.
“Motivo” – Cecília Meireles
“Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.”
O poema de Cecília Meireles nos ensina que a vida não precisa ser reduzida a extremos de alegria ou tristeza. Há um valor único em simplesmente existir e sentir o fluxo do tempo sem resistência. Ele nos lembra que cada momento é precioso por si só, e que viver com leveza nos permite atravessar os dias sem carregar pesos desnecessários.
“A Máquina do Mundo” – Carlos Drummond de Andrade
Trecho:
“E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos”
(…)
“Ela se quebraria entre meus dedos
e se dissolveria ante meus olhos,
retomando o seu fluido e negro ritmo
rumo ao tempo, ao espaço, às trevas frias.”
O tempo nos oferece inúmeras oportunidades de entender a vida, mas nem sempre estamos prontos para enxergá-las. O conhecimento e a experiência vêm com os anos, mas podem nos assustar. Drummond nos faz refletir sobre como o tempo revela mistérios, ao mesmo tempo que impõe limites à nossa existência.
“O Haver” – Vinicius de Moraes
“Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer balbuciar o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida
Resta essa comunhão com os sons
Esse sentimento da matéria em repouso
Essa angústia da simultaneidade do tempo
Essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius
Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas
Essa tristeza diante do cotidiano
Ou essa súbita alegria
Ao ouvir na madrugada passos que se perdem sem memória”
O tempo leva muitas coisas, mas o essencial permanece. No fim das contas, não é o que acumulamos que importa, mas a nossa capacidade de sentir e de nos conectarmos com os outros. Vinicius de Moraes nos lembra que a vida é feita de relações e que o amor, o perdão e a ternura sobrevivem à passagem dos anos.
“Relógio” – Murilo Mendes
Trecho:
“Bate no céu da minha boca
O tempo ritmo e cifra.
A cada sílaba pronunciada
Um relógio se liquefaz.”
(…)
“No eterno presente, o tempo
Me pesa, me esmaga, me marca.
Mas dele me livro: sou vento
E minha sombra é a barca.”
Vivemos cercados por relógios, medindo as horas, os dias e os anos. Mas o tempo verdadeiro não se limita a ponteiros ou números. Ele se manifesta naquilo que sentimos, no que vivemos de forma intensa. Talvez o segredo da vida seja encontrar momentos que escapem do tempo, aqueles instantes que nos fazem esquecer que ele existe.
“O tempo passa? Não passa” – Carlos Drummond de Andrade
Trecho:
“O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.”
(…)
“O tempo nos desgoverna,
o tempo nos diz adeus,
mas dentro da nossa alma
ainda somos todos seus.”
O tempo pode parecer cruel, mas a verdade é que ele só leva aquilo que não vivemos de verdade. Momentos intensos, sentimentos profundos e memórias marcantes permanecem intactos dentro de nós. No fim, a passagem do tempo não significa necessariamente esquecimento, mas a possibilidade de guardar para sempre aquilo que realmente importa.
O tempo pode ser amigo ou inimigo, conforme a forma como o sentimos. Cura feridas, mas também leva consigo momentos preciosos. Cada poema desta lista revela um olhar único sobre sua passagem, ora melancólico, ora esperançoso, mas sempre profundo.
Ler sobre o tempo é também uma maneira de ressignificá-lo, aprendendo a vivê-lo com mais intensidade e presença. Afinal, como bem nos lembram os versos, o tempo não volta – mas a poesia nos permite revisitá-lo sempre que quisermos.
O tempo se revela nos detalhes: nas folhas que caem, nas rugas que surgem, nas lembranças que se acumulam. Ele não precisa ser barulhento para deixar sua marca. Que tal olhar para as pequenas transformações do cotidiano e a perceber como o tempo age de maneira sutil, inevitável e valiosa?



