O uso de substâncias psicodélicas, como a psilocibina e o MDMA, vem atraindo a atenção de médicos e pesquisadores no mundo inteiro, diante do aumento significativo de diagnósticos de ansiedade, depressão e outros transtornos mentais. Apesar dos avanços internacionais, o Brasil ainda enfrenta dificuldades para regulamentar o uso medicinal desses compostos: a legislação continua proibitiva e abre exceções apenas de modo pontual para estudos científicos.
Avanços mundiais e estudos brasileiros mostram potencial de tratamentos
Em países como a Austrália, terapias inovadoras com psicodélicos já são aplicadas e mostram resultados positivos, dando esperança a pacientes para quem os tratamentos convencionais não têm surtido efeito. No Brasil, universidades como a USP e a UFRN têm conduzido pesquisas sérias sobre os benefícios desses compostos no tratamento de transtornos mentais resistentes, sobretudo em quadros de depressão grave e ansiedade terminal.
“Não podemos seguir ignorando os avanços científicos, levando em conta o panorama proibicionista e desatualizado da norma”, destaca a advogada Juliana Costa Zimpeck. Lá fora, órgãos como a chamada “Anvisa americana” (FDA) e grandes universidades já reconhecem e regulamentam ensaios clínicos com psicodélicos, o que torna o contexto brasileiro ainda mais atrasado neste debate.
Casos pioneiros e brechas jurídicas alimentam o debate
O tema não é totalmente novo no cenário nacional. Em 2010, a Resolução nº 1/2010 do Conad autorizou o uso da ayahuasca em rituais religiosos, reconhecendo a legitimidade do uso de psicodélicos atrelado a direitos fundamentais, como a liberdade religiosa. “A medida abriu precedentes para a defesa do uso terapêutico de outras substâncias com base em direitos constitucionais como saúde, dignidade humana e liberdade científica”, pontua a especialista.

Outro caso emblemático é o de Anny Fischer, que conquistou na Justiça o direito de importar óleo de canabidiol para tratar a epilepsia de sua filha. “O juiz fundamentou a decisão no perigo de dano irreparável à vida, evidenciando a omissão do Estado e a violação aos direitos fundamentais à saúde e à dignidade da pessoa humana.” De lá para cá, o mercado da cannabis medicinal cresceu exponencialmente, sinalizando que mudanças regulatórias podem transformar realidades clínicas e econômicas.
Insegurança jurídica ainda paralisa a inovação médica
Mesmo com o Judiciário se mostrando mais aberto ao debate, o uso clínico das substâncias psicodélicas permanece num limbo legal. “A ausência de regulamentação gera insegurança jurídica para médicos, instituições de pesquisa e pacientes”, alerta a advogada. Entre os entraves estão o risco de sanções criminais, punições éticas e até acusações de imprudência em caso de efeitos adversos, o que afasta muitos profissionais do campo, apesar das evidências promissoras.
A Portaria 344/1998 da Anvisa proíbe rigorosamente o uso, pesquisa e comercialização de substâncias como a psilocibina, salvo raras autorizações excepcionais. Sem uma regra própria para uso compassivo – aquele que permite acesso em casos graves sem alternativas – os tratamentos experimentais esbarram em burocracia, medo de responsabilização e falta de definição.
“Precisamos de uma regulamentação que diferencie o uso clínico do recreativo e garanta segurança jurídica para médicos e pacientes, além de garantir dignidade mínima à vida dessas pessoas, que sofrem em razão da omissão do Poder Legislativo”, afirma.
Ao viver um cenário de avanços científicos e maior demanda por novos tratamentos, especialistas insistem que o Brasil pode – e precisa – conciliar inovação médica, segurança jurídica e garantia de direitos à saúde e à dignidade. “Rompendo com o paradigma proibicionista e estabelecendo regras claras, o país permite o avanço da ciência e a melhoria da vida de muitos pacientes que hoje permanecem desassistidos por uma legislação obsoleta.”



