Quando a vítima vira ré: O discurso machista que normaliza a violência contra a mulher

Ontem, ao repassar as notícias do dia, li uma fala de um advogado que me revoltou e eu quero compartilhar com você. Nós todos sabemos que, no Brasil, ser mulher é correr risco de vida. Vivemos com o receio de que, a qualquer momento, um homem próximo possa se tornar violento. Infelizmente, não é novidade para ninguém.

Uma parte dos homens acredita que o corpo feminino é uma extensão de seu poder, sentindo-se no direito de perseguir, ameaçar, “stalkear”, violentar, agredir e até matar. Uso essas palavras porque não pretendo atenuar situações que são absurdas aos meus olhos, ouvidos e à minha existência enquanto mulher.

O crime de ontem foi mais um assassinato, cometido por um homem que era conhecido como comediante — ironia trágica, não? O comediante da semana passada foi condenado e tem muita gente defendendo o indivíduo em nome da liberdade de expressão extrema e irresponsável. Que nojo! Mas meu foco aqui é uma fala escancarada de absurdos, a fala do advogado: “Estamos falando, e não há segredo nisso, é um crime passional. Marcelo é réu primário, tem bons antecedentes, nunca pisou numa delegacia de polícia e infelizmente foi arrastado pelas barras da paixão a essa situação que foge, evidentemente, do normal.

Temos causa de diminuição de pena por domínio de violenta emoção logo após injusta provocação da vítima, já que, em dado momento, houve uma discussão entre eles.”

Essa fala é inaceitável em tantos níveis que não caberia em apenas três minutos de comentário.

O advogado do assassino tenta justificar publicamente que seu cliente está fora da esfera de criminosos comuns, como se ele fosse a vítima — e não a mulher assassinada. Esse tipo de discurso expõe, sem meias-palavras, quem somos como sociedade.

Ao afirmar que “não há segredo nisso”, ele naturaliza o inaceitável. “Crime passional” é apenas um eufemismo para assassinato ou agressão cometida por alguém incapaz de controlar seus impulsos mais violentos, quase sempre contra sua parceira. Expressões como “foi arrastado pelas barras da paixão” dão a entender que perder o controle é compreensível ou previsível, especialmente se o agressor for homem. É inverter a lógica. E culpar a vítima.

Isso é machismo estrutural: numa sociedade em que mulheres seguem tendo de justificar cada passo, e homens aprendem que explosões de raiva são “naturais”. Se o advogado não tem algo responsável e ético a dizer em público, que se cale. Emoção violenta não é desculpa. Justiça se faz com igualdade e responsabilidade, não com concessões à cultura do machismo.

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