O samba é feito de encontros e de histórias. Se nomes como Cartola, Paulinho da Viola e Dona Ivone Lara já ocupam lugar de destaque na memória nacional, outras vozes femininas ainda precisam ser ouvidas com a mesma intensidade.
São mulheres que transformaram suas vidas em música, que criaram seus próprios jeitos de fazer samba. Aparecida trouxe a fusão com o sagrado, Geovana ampliou os limites do ritmo ao dialogar com o samba-rock, Georgette gravou um disco que hoje é cultuado como raridade e Nega Duda fez do samba de roda uma ponte entre o Recôncavo Baiano e São Paulo.
Conheça agora as histórias de Aparecida, Geovana, Georgette e Nega Duda, mulheres que reinventaram o samba e provaram que sua força está também na diversidade de vozes que o compõem.
Aparecida – A voz dos orixás

Aparecida fez do samba um espaço de fé. De origem humilde, nasceu em Minas Gerais em 1939, cresceu cercada por cantos de jongo e tradições afro-religiosas, que atravessaram toda sua produção artística.
Foi a segunda mulher a compor um samba-enredo vencedor no Rio de Janeiro, após Dona Ivone Lara, feito que reforça sua importância no carnaval carioca.
Seu disco de 1975 trouxe letras e estética fortemente ligadas à ancestralidade africana, com turbantes e roupas brancas que dialogavam com o universo dos orixás. Por muito tempo, seu nome permaneceu pouco lembrado, mas hoje é tema de pesquisas acadêmicas e de redescoberta cultural, como no podcast Sambas Contados, de Emicida.
Para ouvir: “Dezessete Anos” (com Sivuca e as Gatas)
Geovana – A Deusa Negra do samba-rock

Geovana nasceu em 1948 no Rio de Janeiro e logo encontrou na música seu território. Venceu a Bienal do Samba de São Paulo, em 1972, com “Pisa nesse Chão com Força”. Desde então, conquistou espaço entre as grandes damas do gênero, com canções gravadas por nomes como Jair Rodrigues e Martinho da Vila.
Apesar de apelidada de “Deusa Negra do Samba Rock”, Geovana nunca se deixou aprisionar pelos rótulos, preferia ser reconhecida pela amplitude da sua criação. Nos palcos, sua presença e seu sorriso se tornaram marcas registradas.
Mesmo enfrentando machismo e invisibilidade dentro da indústria, segue compondo e reafirmando a importância da mulher negra no samba.
Para ouvir: “Amor dos Outros”
Georgette – A raridade do samba feminino dos anos 70

Pouco conhecida pelo grande público, Georgette nasceu em Padre Miguel e ficou marcada como “Georgette da Mocidade”, pela ligação com a Mocidade Independente. Seu álbum A Moça do Mar (1976), produzido por Ed Lincoln, é hoje um tesouro cultuado por colecionadores e pesquisadores da música brasileira.
A capa remete a Iemanjá e a canção Kiriê tornou-se referência, aparecen em coletâneas e reedições que buscam resgatar pérolas esquecidas do samba. Apesar de seu talento, Georgette não alcançou a mesma visibilidade de outras intérpretes da época, mas nunca é tarde para descobrir essa voz potente do samba.
Para ouvir: “Chão da Bahia”
Nega Duda – O samba de roda

Ducineia Cardoso, mais conhecida como Nega Duda, nasceu em 1968 em São Francisco do Conde, no Recôncavo Baiano. Cresceu cantando sambas enquanto lavava roupa à beira do rio, em uma prática que unia trabalho, comunidade e música.
Em 2003, mudou-se para São Paulo em busca de novas oportunidades e levou consigo o samba de roda, que fortaleceu sua presença nas periferias paulistas.
Já se apresentou para mais de 200 mil pessoas no bloco afro Ilu Obá de Min e gravou com Marcelo D2 a faixa Povo de Fé.
Nega Duda é prova de que o samba não vive apenas nos discos ou nos grandes palcos, mas também nas ruas, nos terreiros e nas margens dos rios.
Para ouvir: “A Baiana Deu Sinal”
Mulheres que sustentam o futuro do samba
As histórias de Aparecida, Geovana, Georgette e Nega Duda mostram que o samba se transforma a cada nova vida que o atravessa, a cada nova voz que o canta e a cada nova mão que o toca. Essas mulheres criaram suas identidades dentro do gênero, o aproximaram da espiritualidade, das pistas de dança, dos vinis raros e das rodas de rua.



