No coração de São Paulo, em meio ao concreto, ao barulho dos carros e à pressa do cotidiano, algumas fachadas contam histórias de outro tempo. São os cinemas de rua — espaços que resistem ao apagamento cultural e seguem pulsando como pontos de encontro, memória e acesso democrático à arte.
Entre eles, um dos símbolos da retomada é o Cine Copan, que será reaberto após 40 anos. Localizado no icônico edifício projetado por Oscar Niemeyer, nos anos 50, o cinema marcou gerações, mas foi interditado por problemas de segurança, chegou a ser ocupado por uma igreja e ficou sem programação desde 2008. Agora, a reabertura é vista como um gesto simbólico de recuperação cultural do centro da cidade.

Do auge à resistência
Nos anos 1950, São Paulo viveu a era de ouro dos cinemas de rua, com mais de 160 salas em funcionamento. Hoje, restam entre 7 e 10, como o histórico Cine Marabá, o Belas Artes, o CineSesc, o Reserva Cultural e o CineSala. Esses espaços se diferenciam das grandes redes de shoppings por oferecer curadorias próprias, mostras e festivais autorais, além de ingressos a preços mais acessíveis.
Para os frequentadores, a experiência vai além da tela. O estilo de vida que o cinema de rua proporciona é totalmente diferente da rotina dos shoppings, como explica Gabriel Cunha, cinéfilo habituado às salas de cinema de rua: “Não gosto da sensação de sair da sala e dar de cara com uma loja ou uma praça de alimentação”.
Essa diferença, para muitos, revela também como os shoppings acabam induzindo o espectador a um consumo imediato, enquanto os cinemas de rua mantém uma relação mais orgânica com o espaço urbano.
Já Lucas Abduch, estudante de medicina, ressalta a diversidade de filmes: “Eu sinto que não são só os mesmos filmes dos shoppings. Tem produções em outros idiomas, de produtoras que a gente não conhece muito, uns filmes mais alternativos. Eu gosto disso porque sai um pouco da caixinha de sempre assistir só Hollywood. Acho muito enriquecedor para quem é frequentador.” Ambos concordam que o preço mais acessível é um diferencial. “Isso torna o cinema de rua mais democrático e aberto a todos”, completa Lucas.
Segundo a Ancine, em 2024, 88% das salas de cinema no Brasil estavam em shoppings centers. Das 3.510 em operação, apenas 423 eram de rua. Embora esse número tenha crescido 5,2% em relação ao ano anterior, seis em cada dez novas salas ainda foram inauguradas em centros comerciais.
Para Graziela Marcheti, coordenadora de programação do CineSesc, a pressão do mercado imobiliário e a falta de políticas públicas são os principais desafios. “Essas salas estão vulneráveis. Há uma especulação forte no centro da cidade, mas também uma grande potência em renovar o público e legitimar o cinema de rua como espaço coletivo”, afirma.
Memória e futuro
Frequentadores mais antigos ainda se lembram da época em que filas dobravam quarteirões para as estreias no centro. “Era lindo ver aquelas salas gigantes, com mais de mil pessoas. O cinema de rua aproximava a gente da cidade, diferente de um shopping, recorda Rose Tomitsuka, que frequentava o Marabá e o Copan.

Hoje, parte desses espaços está abandonada. O Cine Paissandú virou estacionamento; o Cine Marrocos e o Cine Metrópole seguem fechados. A reabertura do Copan, portanto, carrega um peso simbólico de resistência: devolver a São Paulo um espaço de convivência cultural no centro e inspirar outras iniciativas de reocupação.

A notícia também mobiliza a memória afetiva dos frequentadores. Chico Soares, lembra da surpresa ao ver a manchete: “Quando vi a notícia de que o Copan ia retornar, fiquei muito contente. Espero que seja verdade, que retorne como um cinema de verdade para as pessoas, não só para um nicho específico. Acho que tem que ser para todo mundo”
Para Rose Tomitsuka, o sentimento é de presente coletivo: “É um dos maiores presentes que a população pode ganhar, principalmente essa nova geração e a minha de poder voltar aos cinemas de rua. A possibilidade de assistir de novo a filmes em grandes telas é linda, vou amar.”
Mais do que salas escuras, os cinemas de rua representam a cidade viva em suas calçadas. Cada tela que se acende devolve histórias, encontros e memórias. A reabertura do Cine Copan não é apenas um evento cultural, mas um ato político e simbólico: resgatar o direito de ocupar a cidade com arte e devolver ao público a experiência do cinema como encontro.



