Saudade e nacionalismo: o poder de ‘Canção do Exílio’ de Gonçalves Dias

Descubra como este poema se tornou um marco na construção da identidade brasileira

Publicado em 1843, Canção do Exílio foi escrito por Gonçalves Dias enquanto estudava em Coimbra, Portugal. O poema expressa a saudade da terra natal e exalta a paisagem e os símbolos nacionais. A obra tornou-se uma referência na construção da identidade nacional.

O poema na íntegra

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Estrutura e análise literária

O poema é composto por versos curtos e de métrica simples, o que facilita sua musicalidade e memorização. A repetição da estrutura “Minha terra tem…” reforça o tom nostálgico e enfatiza a superioridade da paisagem brasileira em relação à estrangeira.

Veja um trecho do poema:

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.”

A construção poética se baseia na idealização da pátria, fala sobre elementos naturais como as palmeiras e o canto do sabiá, símbolos recorrentes do Brasil. O uso da comparação entre os pássaros europeus e os brasileiros evidencia o sentimento de pertencimento e a valorização do que é nacional.

Além disso, o tom melancólico e saudosista do eu lírico reflete o sofrimento do exílio, uma experiência comum a muitos escritores românticos da época. A visão da pátria, mesmo idealizada, funciona como um refúgio emocional para o poeta.

Análise e contexto

O poema inaugura a busca romântica pela construção de uma identidade nacional com a exaltação da natureza brasileira. A saudade do Brasil e a idealização da pátria são evidentes nos versos. A escolha de elementos como a palmeira e o sabiá não é aleatória: a palmeira simboliza a grandiosidade da flora nacional, enquanto o sabiá representa a fauna.

A epígrafe do poema, retirada de uma obra de Goethe, reforça o paralelismo entre o sentimento de exílio e a valorização das raízes. Assim como o escritor alemão exalta sua terra natal, Gonçalves Dias faz o mesmo com o Brasil.

Os intelectuais da época, influenciados pelo Romantismo europeu, buscavam construir uma literatura que valorizasse o país e reforçasse um sentimento de pertencimento nacional.

A Canção do Exílio: um marco do Romantismo brasileiro

O poema integra o livro Primeiros Cantos (1846) e se tornou uma referência do Romantismo no Brasil. Gonçalves Dias foi um dos principais expoentes do movimento, especialmente na vertente indianista, que buscava valorizar os elementos culturais e naturais do país. Canção do Exílio foi escrito durante o período em que o poeta estudava Direito, em Portugal, o que explica o sentimento de nostalgia e a exaltação da pátria distante.

O Romantismo brasileiro, que floresceu a partir da independência do país, em 1822, tinha como um de seus principais objetivos a construção de uma identidade nacional. Nesse contexto, Canção do Exílio se tornou um dos textos fundadores desse imaginário, com a idealização da natureza tropical como um paraíso perdido.

Releituras

Devido à sua importância, Canção do Exílio inspirou diversas releituras e paródias ao longo dos anos. Poetas como Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade e Casimiro de Abreu criaram versões que dialogam com o poema original, adaptando-o a diferentes contextos históricos e críticas sociais.

Canção do Exílio, de Murilo Mendes

Com um tom irônico, Murilo Mendes questiona a visão romântica e idealizada do Brasil:

Minha terra tem macieiras da Califórnia
Onde cantam gaturamos de Veneza.

Nova Canção do Exílio, de Carlos Drummond de Andrade

Escrita em 1945, a versão de Drummond contrapõe o ideal romântico de Gonçalves Dias com uma visão mais realista do Brasil moderno:

Estas aves cantam
Um outro canto.

Canção do Exílio, de Casimiro de Abreu

Casimiro de Abreu, pertencente à segunda fase do Romantismo, também escreveu sua própria Canção do Exílio, reforçando a temática da saudade e do desejo de retorno.

O poema de Gonçalves Dias permanece como uma das maiores expressões do Romantismo brasileiro. Seu impacto se estende até os dias de hoje, sendo referenciado em diversas formas de arte e literatura. Canção do Exílio ajudou a moldar a identidade poética do Brasil.

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