Dois dos grandes nomes da música de vanguarda paulistana fazem aniversário nesta semana: Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé.
Se não tivesse nos deixado em 2003, aos 53 anos, após lutar por quatro anos contra um câncer de intestino, o grande Itamar Assumpção completaria 74 anos hoje.
E seu contemporâneo, amigo e companheiro de vanguarda paulistana, Arrigo Barnabé, faz 72 anos amanhã, dia 14 de setembro.
Por isso, nós preparamos uma matéria especial sobre esses dois grandes nomes da nossa música popular brasileira!
Itamar Assumpção
Compositor, cantor, instrumentista, arranjador e produtor musical, Itamar Assumpção nasceu em Tietê, no interior de São Paulo, em 13 de setembro de 1949.
Bisneto de escravizados angolanos, cresceu ouvindo os batuques do terreiro de candomblé no quintal de sua casa. Cresceu em Arapongas, no Paraná, para onde se mudou aos 12 anos. Chegou a cursar até o segundo ano de Contabilidade, mas abandonou os estudos para fazer teatro e shows em Londrina.
Aprendeu a tocar violão sozinho e – ouvindo Jimi Hendrix e arranjos de baixo e bateria – apaixonou-se pelo baixo. Mudou-se para São Paulo em 1973, para se dedicar à música, destacando-se na cena independente e alternativa da cidade, durante os anos 1980 e 1990.
Influências e legado
Em suas canções, Itamar misturava samba com rock e funk, entre outros ritmos estrangeiros, enquanto as letras eram cheias de sátiras e críticas sociais. Foi influenciado pelos trabalhos de músicos de variados gêneros, como Adoniran Barbosa, Cartola, Jimi Hendrix e Miles Davis, além de poetas como Paulo Leminski e Alice Ruiz.
Itamar foi casado com Elizena Brigo de Assumpção, sua companheira por 35 anos. Os dois tiveram duas filhas que tornaram-se cantoras e compositoras: Serena – que faleceu em 2016, aos 39 anos, em decorrência de um câncer de mama – e Anelis Assumpção, que segue levando o legado de seu pai e sua irmã em sua arte.
Arrigo Barnabé
O compositor, cantor, pianista e ator Arrigo Barnabé nasceu em Londrina, no Paraná, em 14 de setembro de 1951. Mudou-se para São Paulo, onde estudou Composição, na Universidade de São Paulo (USP), de 1974 a 1979.
Em 1979, surgiu para o grande público em um festival universitário de música promovido pela TV Cultura, o qual venceu com sua música Diversões Eletrônicas.
Depois, apresentou a canção Sabor de Veneno, no festival da TV Tupi, também em 1979. Seu reconhecimento pelo grande público veio logo com o primeiro disco, Clara Crocodilo, em 1980, quando foi recebido pela imprensa como a maior novidade na música brasileira desde a Tropicália.
Em suas composições, Arrigo mistura elementos e procedimentos da música erudita do século XX a letras ferinas sobre a vida na grande cidade. É comum a utilização de séries dodecafônicas, aliada a uma prosódia muito próxima da fala urbana de seu tempo.
O que é a Vanguarda Paulistana?
Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé foram dois dos grandes nomes da chamada Vanguarda Paulistana, movimento que reuniu artistas que decidiram romper o controle das gravadoras e da indústria fonográfica sobre a produção e lançamento de novos talentos.
Esses artistas produziam e lançavam seus trabalhos independentemente das grandes gravadoras, criavam suas próprias microempresas e gerenciavam as suas próprias carreiras.
Os dois artistas eram nomes frequentes na lista de shows do Teatro Lira Paulistana, em Pinheiros, palco que foi denominador comum a todos os membros da Vanguarda Paulistana, que contava também – entre outros nomes – com:
- o Grupo Rumo;
- Premê (Premeditando o Breque);
- Língua de Trapo;
- e os Pracianos (Dari Luzio, Pedro Lua, Paulo Barroso, Lê Dantas & Cordeiro e outros).
Pela rebeldia, ousadia e audácia, artistas como eles ganharam a alcunha de “malditos”. Mas Itamar detestava tal rótulo e retrucava.
Como polemista se saía bem, talentoso que era com as palavras não só no âmbito poético. O duelo verbal lhe apetecia como forma de defender a integridade do artista e – ao observador atento assim parecia – dava-lhe prazer triturar argumentos dos que tentavam dirigir o processo de criação do artista.
Em uma de suas tiradas mais famosas disse: “
Se tivesse que ouvir conselho, pediria ao Hermeto Pascoal…” “Eu sou artista popular!”, bradava indignado.
Produção fonográfica de Itamar Assumpção
Itamar Assumpção lançou 12 álbuns ao longo de sua carreira, sendo nove em vida e três póstumos.
- Os dois primeiros discos – Beleléu, Leléu, Eu (1980) e Às Próprias Custas S.A (1983), foram lançados pelo selo Lira Paulistana;
- o terceiro LP, Sampa Midnight (1986), foi lançado de forma independente;
- e o quarto, Intercontinental! Quem diria! Era só o que faltava… (1988), foi seu único LP produzido por uma grande gravadora, a Continental, por isso o título.
Em todos esses álbuns, o artista está acompanhado da banda Isca de Polícia.
Entre suas canções mais conhecidas estão:
- Fico Louco;
- Parece que Bebe;
- Beijo na Boca;
- Sutil;
- Milágrimas;
- Vida de Artista;
- Dor Elegante;
- e Estropício.
Em 1994, Itamar lançou a série Bicho de Sete Cabeças (três LPs também na forma de dois CDs), acompanhado pela banda Orquídeas do Brasil.
Em 1995, lançou um CD com músicas de Ataulfo Alves, premiado como melhor do ano pela APCA, novamente acompanhado da banda Isca de Polícia.
Em 1998, lançou o álbum PretoBrás, que foi concebido como o primeiro de uma trilogia (os dois álbuns que a completariam foram lançados postumamente, com a participação de diversos artistas, que completaram o material que foi deixado incompleto por Itamar).
Entre composições suas que fizeram sucesso, com outros intérpretes, estão:
- Nego Dito, (com o sambista Branca de Neve);
- Canto em Qualquer Canto (com Ná Ozzetti);
- Já Deu pra Sentir e Aprendiz de Feiticeiro (com Cássia Eller);
- e Código de Acesso e Vi, Não Vivi (com Zélia Duncan).
Além disso, Itamar Assumpção participou intensamente da obra de vários artistas ligados à Vanguarda Paulistana como instrumentista, compositor ou produtor.
Um ano depois de sua morte, foi lançado o álbum Vasconcelos e Assumpção – Isso Vai dar Repercussão, gravado pouco antes da sua morte, composto de sete músicas, em parceria com Naná Vasconcelos.
Produção fonográfica de Arrigo Barnabé
Arrigo Barnabé já lançou 12 álbuns, entre eles, um álbum tributo ao amigo Itamar Assumpção. Além das canções do disco de estreia, Clara Crocodilo, outras canções, como Uga Uga – hit dos anos 80 com participação de Eliete Negreiros e Vânia Bastos nos vocais – foram sucessos prestigiados.
O compositor escreveu várias composições para trilhas sonoras de filmes brasileiros e a faixa-título de seu segundo álbum Tubarões Voadores, de 1984, é baseada em uma história em quadrinhos do ilustrador paulistano Luiz Gê.
Arrigo Barnabé já atuou como ator, na novela Direito de Amar, da TV Globo, em 1987. Também participou dos filmes Nem Tudo é Verdade (1984), de Rogério Sganzerla, interpretando Orson Welles; e Cidade Oculta (1986), de Chico Botelho, entre outros.
O cantor é também citado na canção Língua, de Caetano Veloso:
(Adoro nomes / Nomes em ã / De coisas como rã e ímã / Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã / Nomes de nomes / Como Scarlet Moon de Chevalier Glauco / Mattoso e Arrigo Barnabé / E Maria da Fé / E Arrigo Barnabé).
Em 2019, lançou seu primeiro livro, intitulado No Fim da Infância, publicado pela Grafatório Edições. A obra, autobiográfica, reúne memórias escritas por Arrigo Barnabé para diversos veículos. Em 2021, foi tema do filme Amigo Arrigo, dirigido por Alain Fresnot e Junior Carone.