SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A sensação é a de que os debates sobre as eleições municipais de 2024 começaram antes da hora? E que parece novidade um presidente da República mal assumir e o pleito seguinte já começar a ser discutido?
O novo normal na política é o estado permanente de campanha, afirmam especialistas consultados pela reportagem diante da impressão geral, entre cidadãos, políticos e profissionais do marketing, de que os processos eleitorais andam mesmo antecipados, sem os respiros de outrora.
As causas circunstanciais têm um peso, mas a precipitação dos calendários é vista como uma consequência da cultura das redes sociais, que acelerou a passagem do tempo e democratizou o acesso de candidatos com e sem recursos. Há ainda um reflexo do crescente interesse por política no Brasil.
Nos bastidores, postulantes e assessores envolvidos nas conversas sobre 2024 reconhecem que têm sido obrigados a apressar decisões como a própria confirmação da pré-candidatura, a montagem de equipes e a negociação de alianças. As convenções partidárias começam só em julho.
No caso da eleição em São Paulo, um acordo fechado em 2022 pelo presidente Lula (PT) fez com que as peças começassem a se mexer mais cedo. O petista convenceu Guilherme Boulos (PSOL) a abrir mão da candidatura a governador em troca do apoio do PT a ele na disputa municipal dali a dois anos.
Com isso, o xadrez paulistano ficou logo claro: Boulos, eleito deputado federal, concorreria com o apoio do Planalto depois de uma eleição em que o PT teve vitórias na cidade, fazendo com que o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que almeja a reeleição, tivesse de vestir o figurino de pré-candidato.
As movimentações se intensificaram ao longo de 2023, com Nunes buscando o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e outros nomes se apresentando. Tanto Boulos quanto Tabata Amaral (PSB) preferiam se dedicar mais ao mandato federal antes de entrarem de cabeça na corrida local.
Para o cientista político e sociólogo Antonio Lavareda, a principal mudança foi a possibilidade aberta pela comunicação digital para que os desafiantes, ou seja, os que visam os cargos em jogo, se apresentem aos eleitores, vocalizem oposição e tentem moldar a disputa conforme suas preferências.
Sem a dependência de meios tradicionais que havia antes, o calendário oficial da Justiça Eleitoral passou a ser cada vez menos uma referência, na avaliação de Lavareda, que trabalha como consultor e pesquisador em campanhas políticas no país desde 1985.
Ele diz que não é novidade o uso eleitoral do cargo, por exemplo, por prefeitos que querem ser reconduzidos ou fazer o sucessor, mas que para eles nunca foi interessante uma campanha prolongada, ao passo que desafiantes tendem a ser beneficiados por isso e podem agir nessa direção.
“Do ponto de vista da cidadania e do interesse público, que mal faz à sociedade ter mais tempo para analisar os candidatos? Pelo contrário, quanto mais tempo houver, melhor a qualidade do escrutínio e da avaliação das propostas, o que os políticos nem sempre querem”, afirma Lavareda.
A eleição para presidente nos Estados Unidos costuma ser citada para ilustrar os efeitos de um debate mais estendido. As primárias, que determinam quem será o candidato de cada partido, fomentam discussões sobre nomes e projetos antes da votação em si para o titular da Casa Branca.
A cientista política Cila Schulman adiciona um ponto ao rol de causas do calendário adiantado: a polarização. “Esse ambiente estimula uma campanha permanente, já que, com o impulso dos algoritmos nas redes, tudo vira disputa e polêmica”, diz a CEO do Ideia, instituto de pesquisa e análise.
A dicotomia entre Lula e Bolsonaro está no pano de fundo da antecipação das especulações sobre 2026.
Eleito com a menor diferença para o segundo colocado desde a redemocratização, o petista indicou nos primeiros meses de mandato a disposição de buscar a reeleição, o que já o colocou no lugar de pré-candidato.
Ao mesmo tempo, Bolsonaro foi declarado inelegível pela Justiça até 2030, o que o retirou da próxima corrida ao Planalto, em virtude de seus ataques às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral. O julgamento abriu caminho para disputas no campo da direita, hoje com uma lista de presidenciáveis.
Na visão de Cila, o clima duradouro de campanha cria uma “tensão contínua” para o eleitor e “é um desastre” para os ocupantes de cargos, por dificultar o que ela chama de reagendamento de expectativas com a população. Sem a trégua que antes existia, o ato de governar acaba prejudicado.
A analista concorda com Lavareda na opinião de que a legislação brasileira é hipócrita ao considerar que só o pedido explícito de voto configura propaganda eleitoral antecipada (e, portanto, irregular).
“Existe um descompasso entre o que diz a lei e o que os candidatos fazem nas redes sociais”, afirma ela.
Para Lavareda, o regramento precisa evoluir para algo sintonizado com a realidade do mundo virtual, já que “não pedir voto é um detalhe irrelevante”.
Com as plataformas inundadas de conteúdo, parte do eleitorado tem sido exposta com frequência a materiais típicos do período de campanha. Estudiosos afirmam que os brasileiros ficaram mais politizados desde 2013, após as manifestações de junho, com sua explosão de revoltas e pautas.
O cientista político Leandro Machado diz que o contexto de hiperconectividade deu condições para agentes públicos se posicionarem, mas a lógica do “todo mundo pode ser produtor de conteúdo” ampliou tanto o volume dos debates que eleitores podem desenvolver certa aversão ao tema.
“Por um lado, é bom que as pessoas tenham a possibilidade de possuir mais acesso à informação, mas acho que isso acirra mais a discussão política e beneficia os polemistas”, diz ele, que atuou como estrategista em campanhas como a de Marina Silva à Presidência em 2010.
Machado afirma, no entanto, que a lógica de campanha permanente não chega a ser uma novidade para políticos com mandato, embora antes as intenções fossem camufladas e acabassem mais restritas ao período oficial de campanha, inclusive pela disponibilidade de meios e recursos.
Para ele, que também fundou em 2016 o Agora!, movimento em apoio à renovação política, o modo de campanha contínua pode ser útil à causa, “porque esse modelo de fazer campanha por só 45 dias, ou três meses, como antes, sempre serviu ao propósito de dificultar a entrada de novos nomes”.
JOELMIR TAVARES / Folhapress