Em São Sebastião, falta dinheiro até para medicamentos e transportes, diz prefeito

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dois meses depois da tragédia que atingiu São Sebastião, no litoral paulista, e deixou 64 mortos nos deslizamentos provocados pelas chuvas, o prefeito da cidade, Felipe Augusto (PSDB), afirma que a arrecadação despencou e o município está sem recursos para pagar medicamentos e serviços.

A queixa acontece no momento em que a cidade tenta destravar a disputa contra Ilhabela na Justiça pelos royalties da exploração de petróleo. “É conta de luz que está atrasada, conta de água, laboratórios que prestam serviços ao município e fornecedores de medicamentos”, diz o prefeito.

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P – Como a cidade está lidando com o problema da queda na arrecadação após a tragédia?

FELIPE AUGUSTO – Tem um problema enorme. Se compararmos fevereiro de 2023 com o de 2022, nós tivemos cerca de 60% de queda na arrecadação. O nosso verão estendido, que vai até o Carnaval, estava acontecendo. Os comerciantes estavam com estoques plenos e as pousadas, com 100% das reservas. Havia uma previsão alta de arrecadação alta, o que é comum para esses meses de alta temporada. O turismo é a nossa matriz econômica mais importante. A outra matriz é a indústria do petróleo e gás. São Sebastião tem o maior terminal aquaviário da América Latina e a maior tancagem do Brasil e responde por mais de 50% do petróleo nacional em quatro linhas de abastecimento. Além da interrupção do [duto] Osbat e a paralisação do turismo, somam-se algumas situações peculiares. Na semana da tragédia, postes de energia e de telefonia caíram. Foram mais de 35 quilômetros de extensão de danos. Não foi só a Vila Sahy.

P – E qual é a relação disso?

FA – De sábado à noite para domingo, sem telefonia e energia, as pessoas não tinham dinheiro no bolso, então ninguém conseguia fazer pagamento. As pessoas saíram de bares, restaurantes, hotéis, pousadas e casas noturnas, sem pagar a conta. Não tinha como receber. As pessoas hoje lidam com pix, com cartão de crédito e débito. Nada disso funcionava por quase uma semana. Além da perda de arrecadação em função da tragédia, que levou a uma paralisação das atividades turísticas e econômicas, nós tivemos ainda uma semana sem telefonia e energia. Saíam na porta das casas noturnas, os carros estavam alagados, não tinha como pagar a conta. Foi essa a situação.

P – Qual é o tamanho do impacto?

FA – É gigantesco. O Sebrae fala em mais de R$ 50 milhões em perdas em função das pequenas e micro empresas que pararam. O comércio ambulante, principalmente o de praia, que é uma grande força motriz da economia, parou. As praias ficaram sujas, com resíduos de morro, terra, muitas árvores. A pesca artesanal do município também parou porque tinha árvores e galhos no fundo do mar rasgando as redes. São mais de 100 quilômetros de costa.

P – E as doações?

FA – Os donativos foram extremamente bem-vindos. O povo brasileiro demonstrou a sua solidariedade. Só que na hora em que chega o sapato, a camisa, a calça, a cesta básica, o comércio local para. A loja de sapato, a loja de roupa, o pequeno mercado e a padaria param. Veio suprimento suficiente para pelo menos 90 dias de consumo dos moradores que perderam tudo. E é necessário, mas a venda para. E a quantidade de veículos particulares atingidos. Em algumas ruas, saíram 60 carros. Durante 10 ou 15 dias, as companhias seguradoras usaram cegonheira para tirar veículos destruídos. As pessoas que dependem do comércio e de trabalhos com veículos também perderam. A economia foi derrubada em escala. Isso tudo provoca um efeito pós-catástrofe. As pessoas perderam tudo, material escolar, insumos dos postos de saúde.

P – E a questão dos royalties?

FA – São Sebastião tem o maior terminal aquaviário da América Latina. São seis navios que podem atracar simultaneamente. Tem o maior parque de tancagem e abastece as quatro maiores refinarias do país. Quando a gente entra nessa discussão com Ilhabela, por exemplo, que já tem mais de 30 meses, não é que apareceu R$ 1 bilhão na conta do dia para a noite. Você tem os recebíveis de royalties que variam mês a mês.

Acontece que por uma decisão de ordem política, e não administrativa, o prefeito de Ilhabela resolve entrar judicialmente contra São Sebastião, mesmo sabendo que ele não tem mais direito a nada para tentar reaver. Então, se tem R$ 1 bilhão na conta, Ilhabela já recebeu. Esse dinheiro hoje faz uma falta tremenda para nós. São recursos que poderiam estar pagando, por exemplo, as nossas despesas com transporte sanitário.

Tem paciente que mora na Barra do Sahy, Vila Sahy, Juqueí, e tem de fazer hemodiálise em Caraguatatuba, que é a referência de saúde. Hoje, o transporte, estou há nove meses sem pagar. A aquisição de medicamentos e insumos hospitalares eu estou há meses sem pagar. E agora a crise vai se agravando. O município que ficou com a fama de ser rico é um município que sofre com esses sucessivos bloqueios judiciais e que transformaram essa conta em gigantesca. A conta passa de R$ 900 milhões. São mais de 30 meses de bloqueios sucessivos.

Hoje, mais do que nunca, o recurso está fazendo muita falta porque estamos com drenagem comprometida, vias públicas e ecolas destruídas. Esse conjunto de ações que prejudicam São Sebastião, além dessa catástrofe que deixou milhares de pessoas sem casa, acabou criando uma situação em que a prefeitura, no prazo de uns dois meses não consegue cumprir mais nenhum compromisso com fornecedor, tampouco com custeio da máquina. É conta de luz que está atrasada, conta de água, laboratórios que prestam serviços ao município, fornecedores de medicamentos. Estamos numa expectativa de que agora se faça justiça. Já estamos com dívidas enormes e os serviços essenciais não podem parar.

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RAIO-X

Eleito em 2016 e 2020 para a Prefeitura de São Sebastião pelo PSDB, Felipe Augusto também foi assessor na Prefeitura de São Paulo e chefe de gabinete no governo do estado. Candidatou-se pelo partido a deputado estadual em 2010 e a prefeito de São Sebastião em 2012. Nos anos seguintes, atuou como coordenador de relações institucionais do Sebrae-SP e secretário de planejamento em Caraguatatuba.

JOANA CUNHA / Folhapress

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