Nova presidente da Cruz Vermelha pede mais acesso a prisioneiros de guerra na Ucrânia

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em sua primeira visita ao Brasil, a nova presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), a suíça Mirjana Spoljaric, fez um alerta: é necessário ampliar o acesso a prisioneiros de guerra na Ucrânia.

No ano passado, o CICV foi alvo de críticas do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, que acusou a entidade de não estar fazendo o suficiente para localizar crianças deportadas e prisioneiros de guerra. A organização soltou uma nota em novembro, afirmando também estar “frustrada” com a falta de acesso.

Uma das funções da Cruz Vermelha é entrevistar prisioneiros de guerra para avaliar as condições de detenção e o respeito à lei humanitária. “Estive na Ucrânia em dezembro e na Rússia em janeiro, e vimos progressos dos dois lados no acesso aos prisioneiros de guerra, mas precisamos ver mais progresso”, diz Spoljaric, que se reuniu, em Brasília, com o chanceler Mauro Vieira.

SITUAÇÃO NA UCRÂNIA

Há um alto nível de sofrimento da população civil, que é obrigada a deixar seus lares, sofre por causa dos danos à infraestrutura essencial, fica sem acesso a serviços básicos. Além disso, muitas pessoas estão separadas de suas famílias ou perderam parentes, que morreram no conflito.

ACESSO A PRISIONEIROS DE GUERRA

Segundo a Convenção de Genebra, a Cruz Vermelha tem um mandato muito claro de acesso aos prisioneiros de guerra. Nós estamos pedindo aos dois países envolvidos no conflito acesso aos prisioneiros. Estive na Ucrânia em dezembro e na Rússia em janeiro, e vimos progressos dos dois lados no acesso aos prisioneiros de guerra, mas precisamos ver mais progresso e vamos continuar insistindo que precisamos nos encontrar com todos.

Mas não se trata apenas de acesso a esses prisioneiros, mas também de poder ajudar os feridos, ajudar a transportar os corpos dos civis e militares mortos até suas famílias, ajudar as famílias a encontrar seus parentes desaparecidos. Nossa agência central de rastreamento já conseguiu localizar cerca de 5.300 pessoas. Além de estabelecer contato com prisioneiros, isso permite que famílias consigam dar um enterro digno a seus familiares mortos na guerra.

CRIANÇAS DEPORTADAS OU DESAPARECIDAS

Nós não revelamos quantas crianças conseguimos localizar e reunir com suas famílias, mas obviamente tratamos casos que envolvem crianças com muita atenção.

CONTRAOFENSIVA NO LESTE DA UCRÂNIA

Quanto mais próximo da frente [de batalha], mais grave está a situação humanitária. Em colaboração com a Cruz Vermelha da Ucrânia, tentamos chegar até os civis remanescentes para garantir acesso a água potável e serviços básicos. Mas os mais vulneráveis em tempos de paz são também os mais frágeis durante o conflito, então ainda há muitos idosos e pessoas sem nenhuma proteção nesses locais.

A operação do CICV na Ucrânia é a maior que temos no momento (em termos de equipe e orçamento, Afeganistão vem em segundo lugar, e Síria, em terceiro). É a maior operação da Cruz Vermelha na história, com mais de 800 pessoas no terreno e orçamento de 325 milhões de francos suíços (R$ 1,8 bilhão) em 2022. Trata-se de um conflito internacional de larga escala, com enormes níveis de destruição. Temos programas de transferência direta de recursos para muitas famílias no leste, entregamos material necessário para reconstruir casas e, no inverno, equipamento para aquecimento.

NEUTRALIDADE NO CICV

Neutralidade é condição prévia para atuarmos. Não é algo novo para o CICV ou para qualquer organização humanitária. É o que permite nos mover entre os países ou grupos em guerra; só assim eles confiam que não estamos tomando partido de ninguém. Então, se tomarmos partido uma vez [houve pressão de ex-integrantes para que o CICV condenasse a invasão russa na Ucrânia], teremos que tomar sempre, e nós atuamos em mais de 100 conflitos no mundo. Não permanecemos neutros porque queremos ignorar violações contra a lei humanitária. Somos neutros porque nossa prioridade é ter acesso às pessoas.

E O IÊMEN?

Desde o cessar-fogo no ano passado, houve uma redução significativa na violência. Recentemente, com auxílio do CICV, quase 900 prisioneiros foram libertados e 100 conseguiram voltar para suas famílias. Mas precisamos ter consciência de que a situação no Iêmen vai continuar precária por muito tempo. Foram anos de conflito, serviços essenciais como hospitais foram destruídos, crianças não vão para a escola há anos, e o solo está contaminado, com minas terrestres, o que impede a retomada da agricultura, em uma sociedade altamente dependente de atividades agrícolas.

É importante que o Iêmen não saia do radar, porque a população ainda está sofrendo muito. Cerca de 80% da população ainda não têm acesso segura a água potável, alimentos e assistência médica.

E O SUDÃO?

O perigo de atuar no Sudão neste momento é enorme, e o CICV é uma das únicas organizações no terreno atualmente. Estamos conversando com todas as partes para garantir segurança nos deslocamentos e temos conseguido levar suprimentos médicos e assistência cirúrgica a hospitais e tentado fazer reparos no sistema de água. Há muitos mortos e feridos.

E A SÍRIA?

Visitei Aleppo três dias depois do terremoto [que aconteceu em 6 de fevereiro de 2023]. Depois de mais de 10 anos de destruição pela guerra, houve mais destruição -eram destroços caindo em cima de destroços. A população da Síria tem pouquíssimas chances de sair dessa situação terrível. Podemos entregar cobertores logo após o terremoto, mas as crianças continuam sem escolas ou hospitais. É difícil manter a atenção das pessoas para todas essas situações em que crianças estão sofrendo, na Síria, no Afeganistão, no Iêmen. Viajo para esses lugares e vejo desalento nos rostos das crianças.

PATRÍCIA CAMPOS MELLO / Folhapress

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