Volta ao escritório esbarra em demanda do trabalhador por modelo híbrido

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O avanço na cobertura vacinal e o controle da pandemia, sobretudo com o fim da emergência de saúde decretado no início de maio pela OMS (Organização Mundial de Saúde), pareciam um presságio de volta massiva ao escritório.

No atual momento, porém, especialistas entendem que as empresas até gostariam de um retorno completo ao presencial, mas vão precisar buscar um equilíbrio que não imponha a volta da noite para o dia.

Um levantamento da Mercer Brasil, feito em novembro passado, aponta que 76% das empresas ainda se sentem inseguras quanto à perda de produtividade no trabalho híbrido ou totalmente remoto, 66% reclamam de excesso de reuniões, e 51% falam que é difícil acompanhar profissionais iniciantes.

Os dados também mostram que 7 de cada 10 funcionários gostariam de manter o trabalho híbrido e uma proporção semelhante de líderes prefere ter mais pessoas no escritório, diz Antonio Salvador, diretor-executivo de carreira da Mercer Brasil. “O trabalhador nem fala mais de ficar todos os dias em casa, mas também não quer perder suas conquistas.”

Para Salvador, há pelo menos um ano não é mais o medo de ficar doente que faz o empregado preferir evitar a volta ao presencial: ele se acostumou a poder ficar mais com os filhos e evitar perder horas com deslocamento.

O levantamento da Mercer, no entanto, também mostra que 61% das empresas não perguntaram aos funcionários o modelo de trabalho que eles preferiam.

Esse é um sentimento, diz ele, compartilhado tanto por funcionários mais acostumados a trabalhar usando tecnologia, como as áreas de TI da empresa, quanto pelo executivo que se mudou com a família para o interior.

“Não adianta pressionar para ir até a empresa e ter reuniões por Zoom. As pessoas sentem falta do convívio e do aprendizado in loco, mas precisam ver sentido em sair de casa e pegar trânsito. Esse é o momento de ressignificar a ida ao escritório.”

Trabalhando de casa, a auditora Ayra Sehenem, 24, diz que trocaria de emprego para continuar no modelo remoto. “Moro em Parelheiros [zona sul de São Paulo] e trabalho com auditoria no ambiente de TI, gastaria pelo menos três horas do dia em transporte. Em casa, ganho tempo e começo o dia mais disposta”, disse, em uma enquete sobre o tema lançada pela Folha de S.Paulo.

O analista de sistemas Brunno Campos, 33, toparia trocar de emprego mesmo por um salário menor, caso pudesse permanecer em casa. “Os custos rotineiros na rua são muito maiores do que em casa”, relatou o curitibano, que gasta cerca de quatro horas por dia com deslocamento e preparo para o trabalho presencial.

Um estudo a partir de diferentes sondagens feito em novembro passado por pesquisadores do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e divulgado no início do ano aponta que a proporção de empresas em trabalho total ou parcialmente remoto caiu de 57,5%, no fim de 2021, para 32,7%, um ano depois.

Em 2021, os colaboradores trabalhavam, em média, 3,1 dias em home office, e a perspectiva era de redução para 1,7 dia, com o fim da pandemia. Um ano depois, o tempo em casa continuava em 3 dias. Ao mesmo tempo, as empresas reportaram 23% de aumento médio na produtividade em 2022, ante 20,7% em 2021.

“É natural vermos as empresas querendo sair do home office e voltar ao modelo anterior, já que foi necessário um período grande de adaptação em meio à pandemia. Só que mesmo esses empregadores parecem reconhecer que é necessário negociar”, diz Stefano Pacini, um dos autores do trabalho.

O pesquisador ressalta que o home office predomina nas faixas salariais mais elevadas. No grupo de pessoas de renda até R$ 2.100, 82,8% estavam em trabalho totalmente presencial em outubro de 2022; 50,4% dos que ganham acima de R$ 9.600 trabalhavam de casa ao menos um dia por semana.

MAIORES EMPREGADORES MANTÊM DIAS DE TRABALHO EM CASA

Entre alguns dos maiores empregadores do Brasil, segundo a Rais (Relação Anual de Informações Sociais), a busca por equilíbrio também parece presente. Em maio de 2022, a Folha de S.Paulo perguntou como Itaú Unibanco, Correios, Banco do Brasil e Caixa administravam a rotina de trabalho das equipes.

Questionadas novamente sobre o tema, as empresas continuam mantendo parte da equipe em modelos menos rígidos de trabalho.

No primeiro trimestre deste ano, 43% dos cerca de 101 mil colaboradores do Itaú Unibanco estavam no modelo presencial, 21%, no híbrido, e 36%, no flexível. Durante a pandemia, o banco chegou a ter metade de sua equipe atuando remotamente.

Segundo a instituição, todas as reuniões ocorrem de forma híbrida, para que todos possam participar. “Os modelos de trabalho foram definidos depois da realização de um projeto-piloto para a retomada gradual do trabalho presencial nos escritórios, iniciado em 2021”, diz o banco.

Atualmente, os Correios têm 1.519 empregados em regime de teletrabalho (1,7% do total). Segundo a empresa, a modalidade foi implementada em 2019, antes da pandemia. Houve uma pequena redução, ante maio de 2022: eram 1.770 (2% do total).

No Banco do Brasil, são mais de 21 mil funcionários como público-alvo do trabalho remoto, do total de 85,5 mil da empresa. Em média, 5.300 funcionários utilizam diariamente essa nova forma de trabalho. Em maio do ano passado, eram cerca de 3.500 alternando entre remoto e presencial.

“Essa flexibilidade de trabalho, que vem se mostrando vantajosa, é gerida por uma equipe especializada, que tem realizado estudos contínuos, visando acompanhar as melhores práticas e a legislação e aperfeiçoar os modelos e a experiência do home office”, diz o banco.

A Caixa, por sua vez, tem atualmente cerca de 9.000 empregados trabalhando em modelo remoto ou híbrido. Durante a pandemia, a empresa chegou a ter mais de 56 mil empregados (35,6% do total) trabalhando de casa.

CONTROLE DA PANDEMIA AJUDA NO PLANEJAMENTO DA EMPRESA

Após as idas e vindas durante a pandemia, os especialistas também ressaltam que as empresas se sentem mais seguras para planejar seus modelos de trabalho. Também nos Estados Unidos, alguns exemplos recentes apontam que o cenário é de adaptação.

A gestora de ativos BlackRock, com cerca de 20 mil funcionários em mais de 30 países, vai exigir que suas equipes voltem ao escritório ao menos quatro dias por semana a partir de 11 de setembro.

“Encorajamos que você faça a transição para esse modelo, aumentando seus dias no escritório, conforme sua agenda permitir, nos próximos meses”, disse um memorando assinado por Rob Goldstein, diretor de operações, e Caroline Heller, chefe de recursos humanos, segundo o jornal Financial Times.

Ao mesmo tempo, uma reportagem recente do Wall Street Journal mostra que a volta ao escritório nos Estados Unidos empacou, após a taxa média de ocupação ultrapassar 50%, no início do ano, pela primeira vez desde a pandemia. Cerca de 58% das empresas permitem que os funcionários trabalhem uma parte da semana de casa, de acordo com a Scoop Technologies.

Para Edgard Barki, coordenador do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da FGV-Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), é importante que o empregador mantenha uma escuta ativa e abandone decisões tomadas de cima para baixo.

“Ter mais ou menos dias remotos vai muito da cultura da empresa e do escopo de atuação dela. Na pandemia, muitos contratados moravam em cidades e estados diferentes, o que permitiu um aumento de diversidade. No momento atual, é preciso olhar para dentro e achar o que é melhor para a empresa.”

Para o empregado, olhar para dentro também é importante antes de optar por trocar de emprego para seguir trabalhado de casa, diz. O funcionário deve entender o seu perfil, fazer uma análise honesta de produtividade e disciplina e avaliar se faz mais sentido ter flexibilidade para produzir.

“O que vejo, em termos de tendência, é que há 25 anos essa questão quase não faria sentido, as pessoas preferiam ficar em empresas tradicionais, mesmo que tivessem de abrir mão de alguma coisa. Hoje, tenho alunos que preferem a flexibilidade de uma startup cheia de liberdade e de riscos.”

DOUGLAS GAVRAS / Folhapress

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