Há exatos 34 anos – no dia 7 de junho de 1989 – o Brasil perdia uma das maiores vozes da nossa história: Nara Leão faleceu precocemente, aos 47 anos, em decorrência de uma hemorragia causada por um tumor cerebral.
Nara foi uma das responsáveis pela introdução e pela consolidação da Bossa Nova no país, ganhando o posto de Musa da Bossa Nova. Mas, na verdade, ela foi muito mais do que isso!
A cantora, compositora e instrumentista, além de sua bela voz e musicalidade apurada, ficou muito conhecida por seu forte posicionamento político e por participar ativamente na luta contra a ditadura militar e as questões sociais do país.
Foi muito além da Bossa Nova e esteve ligada a outros movimentos musicais como o samba de raiz e o tropicalismo, tendo sido responsável – ao longo de sua carreira e na escolha de seu repertório – por lançar vários novos compositores novos e resgatar outros já consagrados.
O início de Nara Leão
Nascida em Vitória, no Espírito Santo, em 1942, Nara Leão mudou-se para o Rio de Janeiro com apenas um ano de idade. Ela é irmã da jornalista Danuza Leão e foi casada com o cineasta Cacá Diegues, com quem teve dois filhos.
Começou a estudar violão ainda criança, quando ganhou o instrumento do pai. Conheceu o músico e compositor Roberto Menescal na escola e, com 12 anos, já trocava com ele as primeiras descobertas de novidades do jazz norte-americano. Menescal foi seu grande parceiro durante toda a vida e carreira.
Aos 14 anos, matriculou-se na Academia de Violão de Menescal e Carlos Lyra e, aos 18, já tornou-se professora na mesma Academia.
Em 1957, começaram as primeiras reuniões do grupo de jovens músicos que viria a tornar-se o precursor da Bossa Nova, no apartamento de Nara Leão, em Copacabana.
O grupo, formado por – além de Nara, Lyra e Menescal – Sérgio Ricardo, Ronaldo Bôscoli, João Gilberto, e outros nomes, reunia-se nos apartamentos da Zona Sul carioca para começar um movimento de renovação do samba que, segundo o escritor Ruy Castro: “era uma simplificação extrema da batida da escola de samba”, como se dela tivessem sido retirados todos os instrumentos e conservado apenas o tamborim.
A Bossa Nova
O marco inicial da Bossa Nova foi a canção Chega de Saudade, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, lançada originalmente por Elizeth Cardoso, em 1958, e – depois – por aquele que ficou conhecido como o “Pai da Bossa Nova”, João Gilberto, em 1959.
João consolidou um novo estilo de tocar violão, com uma batida que alternava as harmonias com a introdução de acordes dissonantes, não convencionais, e uma inovadora sincopação do samba, a partir de uma divisão única, inspirada no jazz norte-americano.
Além disso, um diferencial da Bossa Nova com relação ao que se ouvia até então na música brasileira, eram as letras com temáticas leves e a forma de cantar mais suave, baixinha e próxima da voz falada, com um texto bem pronunciado em tom coloquial.
A Bossa Nova foi o primeiro movimento musical brasileiro egresso das faculdades, já que os primeiros concertos foram realizados em âmbito universitário. Aos poucos, o movimento foi ocupando os bares da região, principalmente o famoso Beco das Garrafas, onde Nara e seus amigos se apresentavam.
Depois, com o sucesso de Chega de Saudade e de outras canções como:
- Garota de Ipanema (Tom Jobim e Vinicius de Moraes);
- Desafinado;
- e Samba De Uma Nota Só (ambas de Tom Jobim e Newton Mendonça), a Bossa Nova – além de conquistar o Brasil – foi gravada por astros internacionais e tornou a música brasileira conhecida mundo afora.
O Poder de Nara
Nara Leão se apresentou pela primeira vez como cantora profissional, dividindo o palco com Carlos Lyra e Vinicius de Moraes no espetáculo Pobre Menina Rica, escrito pelos dois, em 1963. Neste mesmo ano, a artista passou a se apresentar em programas de TV e gravou o seu primeiro álbum: Nara.
No disco, lançado em 1964, Nara Leão já mostrava que seu talento ia muito além das fronteiras da Bossa Nova, gravando compositores diversos como:
- Zé Keti e Hortênsio Rocha (em Diz Que Fui Por Aí);
- Cartola e Elton Medeiros (em O Sol Nascerá);
- e Nelson Cavaquinho e Amâncio Cardoso (em Luz Negra);
- além de composições de Vinicius de Moraes e Baden Powell (Berimbau);
- e Edu Lobo e Ruy Guerra, em Canção da Terra, entre outras.
No mesmo ano, Nara viajou pelo nordeste, onde entrou em contato com a música dos baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia.
Também em 1964, lançou o seu segundo disco, Opinião de Nara, na mesma linha do anterior, mesclando compositores da Bossa Nova com poetas do morro e o samba de raiz.
Nara Muito Além da Bossa Nova
Em seguida, anunciou que romperia até então com a Bossa Nova, que passava por um momento de cisão. De um lado, um grupo que mantinha-se fiel à estética suave e intimista e com temas menos compromissados com posicionamentos políticos e sociais e, de outro – o lado de Nara – um grupo que se associava ao movimento geral da cultura brasileira no sentido de se aproximar mais da realidade do país, com bases mais populares e temas sociais em suas letras.
Seu último disco inspirou o espetáculo Opinião, com Nara Leão, Zé Keti e João do Vale e dirigido por Augusto Boal.
O show tornou-se um grande sucesso na época, por conta de suas canções de protesto, que retratavam a problemática social do país, com músicas como:
- Carcará (de João do Vale e José Cândido);
- Opinião (de Zé Keti);
- e Deus e o Diabo na Terra do Sol (de Sérgio Ricardo e Ruy Guerra).
Foi este espetáculo que revelou e projetou Maria Bethânia nacionalmente. Nara ficou afônica no meio da temporada e sugeriu que quem a substituísse fosse a baiana de voz firme e presença inigualável, que conhecera pouco antes em Salvador.
Também em 1965, Nara Leão gravou o álbum O Canto Livre de Nara e participou do espetáculo Liberdade, Liberdade, de Millôr Fernandes, que misturava protesto, humor e música.
Em 1966, no disco Nara Pede Passagem, a cantora apresentou novos compositores como Chico Buarque, Paulinho da Viola e Jards Macalé, este último já mostrando um futuro flerte que teria com o Movimento Tropicalista.
No mesmo ano, apresentou-se ao lado de Chico Buarque no II Festival de Música Brasileira da TV Record, interpretando a canção A Banda (de Chico), que venceu o festival ao lado de Disparada (de Geraldo Vandré), interpretada por Jair Rodrigues.
Por conta do sucesso estrondoso da música, Nara e Chico apresentaram, por seis meses, o programa televisivo Pra Ver a Banda Passar. Anos mais tarde, Nara gravou um disco inteiro de sucessos de Chico.
Tempos duros de repressão na Ditadura Militar
Ao longo dos próximos anos, Nara gravou mais discos – com novos e antigos compositores – fez diversas turnês nacionais e internacionais, participou de festivais e programas de TV e do filme Garota de Ipanema, de Leon Hirszman e Vinícius de Moraes, e continuou posicionando-se fortemente contra o regime militar e a situação do país.
Em 1968, gravou com vários artistas do Movimento Tropicalista – como Caetano, Gal, Gil, Tom Zé, Rogério Duprat e Torquato Neto, o álbum Tropicália ou Panis Et Circense, interpretando a canção Lindoneia (de Caetano Veloso).
O movimento de ruptura transformou para sempre a história da cultura brasileira, ao mesclar influências vanguardistas de correntes artísticas internacionais, como o rock e o concretismo, com elementos tradicionais da cultura brasileira.
Em 1969, o regime militar aumentou a perseguição às liberdades artísticas, Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos e obrigados a se exilar em Londres nos próximos anos.
Nessa época, Nara Leão diminuiu suas atividades musicais no Brasil e também mudou-se para Paris, onde passou os próximos anos exilada com o marido, Cacá Diegues, e teve sua primeira filha.
Em Paris, começou a gravar um álbum duplo com 24 canções do período da Bossa Nova, chamado Dez Anos Depois.
Das canções do disco, a grande maioria é de Tom Jobim com outros parceiros, como:
- Insensatez, Garota de Ipanema e Chega de Saudade (todas em parceria com Vinicius de Moraes); Samba De Uma Nota Só (com Newton Mendonça);
- e Corcovado.
O álbum foi lançado quando Nara voltou ao Brasil, no fim de 1971.
Último anos
Na primeira metade dos anos 70, Nara se afastou um pouco da carreira artística para dedicar-se aos filhos e também para voltar a estudar, pois tinha abandonado os estudos para seguir a carreira artística.
Em 1977, voltou com força total e seguiu pelos próximos anos: gravou mais discos com compositores diversos como:
- Dominguinhos;
- Caetano;
- Gil;
- João Donato;
- Fagner;
- Edu Lobo;
- e Tom Jobim.
Firmou ainda mais a parceria musical com seu amigo de infância, Roberto Menescal; cantou em seis faixas do disco Os Saltimbancos, de Chico Buarque, em 1977; e gravou um disco somente com canções de Erasmo Carlos e Roberto Carlos (E Que Tudo Mais Vá Pro Inferno, de 1978).
Seguiu transitando por vários estilos – inclusive retornando à Bossa Nova e gravou álbuns com clássicos como:
- O Barquinho (de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli);
- Desafinado (de Tom Jobim e Newton Mendonça);
- e vários outros.
Comandou um programa musical na TV, fez turnês nacionais e internacionais e seguiu firmemente defendendo seus ideais políticos, mesmo depois do fim da ditadura militar.
Em uma dessas turnês, Nara foi para o Japão com Roberto Menescal e iniciou uma relação muito forte da música brasileira com o país oriental. A viagem ainda rendeu a produção do primeiro Compact Disc de um artista brasileiro, nos estúdios da Polygram, no Japão.
O falecimento
Em 1979, Nara passou a sofrer com alguns problemas de saúde, que se agravaram nos anos 80. Mesmo ainda gravando diversos discos, sentia muitas dores de cabeça e tinha alguns esquecimentos, o que afetava também sua performance no palco.
Em 1986, depois de muito investigar, a cantora descobriu que tinha um tumor maligno do cérebro, em um local muito delicado e uma cirurgia poderia a deixar em estado vegetativo.
Nara Leão passou os últimos anos da vida tomando medicações contínuas e, quando sentia-se bem, ainda fazia apresentações musicais, acompanhada de Menescal.
Ela nos deixou em 1989 e chegou a lançar o seu último disco, neste mesmo ano. Com 47 anos de vida e uma carreira de sucesso, Nara Leão consagrou-se como uma das cantoras mais importantes da música popular brasileira.
Para sempre, Nara!
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