Mercenários do Grupo Wagner recusam controle das Forças Armadas da Rússia

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Ministério da Defesa da Rússia emitiu uma ordem para enquadrar os grupos mercenários a serviço do país sob seu controle. O principal deles, o Wagner, recusou-se e abriu uma nova crise com a pasta comandada por Serguei Choigu.

Segundo a ordem emitida no sábado (10), todas as organizações militares irregulares do país devem assinar contratos formais com o ministério até 1º de julho. Com isso, seus integrantes passam a ter direitos previdenciários e auxílio às famílias, mas o real motivo do movimento é político.

Ao longo da Guerra da Ucrânia, forças mercenárias participaram de diversas ações. O Grupo Wagner, liderado por Ievguêni Prigojin, notabilizou-se pelo emprego de condenados tirados de prisões em troca do serviço militar -servindo de bucha de canhão, como se viu nos meses da batalha mais longa e sangrenta da guerra, pelo controle de Bakhmut (Donetsk, leste ucraniano).

Em diversas ocasiões, Prigojin acusou Choigu e o chefe das forças russas na Ucrânia, Valeri Gerasimov, de boicotar o trabalho do Wagner, cortando o envio de munição. Como padrão, ele sempre recuava após as críticas públicas, e por fim o grupo tomou Bakhmut em maio.

Desde então, deixou operações na frente, com Prigojin dizendo que não voltaria a agir na Ucrânia. Agora, recusou submeter-se diretamente ao ministério. “Choigu não pode controlar formações militares”, afirmou ele no domingo (11). Com efeito, voltaram a ser notícia ações de forças da Tchetchênia, república muçulmana russa com alto grau de autonomia.

Elas estão operando em Mariinka, em Donetsk, em ações para deter a contraofensiva ucraniana na região, lançada na semana passada. Nesta segunda (12), completando o quadro, as forças especiais do regimento Akhmat, sob as ordens do influente ditador tchetcheno, Ramzan Kadirov, assinaram o contrato com o governo russo.

Elas não são propriamente um grupo mercenário privado, como o Wagner, tendo sido formalmente absorvidas à Guarda Nacional Russa -que responde diretamente ao presidente Vladimir Putin, servindo de formação pretoriana independente dos militares regulares.

Mas ao submeter-se a Choigu, o cenário muda. Kadirov era um aliado de Prigojin nas críticas ao Alto-Comando russo na guerra, que chamou de incompetente em diversas ocasiões. O sucesso de suas forças em outro cerco violento, o de Mariupol (sul), lhe deu mais crédito no Kremlin.

Agora, tudo indica que os líderes romperam, o que favorece Choigu e também a estratégia maior de governo de Putin, que nos seus 23 anos de poder sempre estimulou disputas internas entre os escalões abaixo de si, reinando soberano e mediando crises. Kadirov, por sua vez, reforça sua posição de ator político vital na Rússia.

Seja como for, é preciso esperar para ver: a geografia de apoios mútuos muda rapidamente, ao sabor dos ventos da guerra e da política. Prigojin se viu rebaixado várias vezes, só para dar a volta por cima. Conhecido como “o chef de Putin”, por ser dono da empresa que cuidava dos serviços de alimentação do Kremlin, ele é um ex-condenado com ascensão meteórica nos meios do poder.

Em 2014, controlava cerca de 250 homens, que ajudaram secretamente no processo de anexação da Crimeia, absorvida por Putin após a queda do presidente pró-Moscou em Kiev, como forma de inviabilizar a entrada da Ucrânia no arcabouço institucional ocidental -o mesmo motivo central da invasão do ano passado.

Oito anos depois, o Wagner já operava em diversos países, como nas guerras civis da Síria, Líbia e República Centro-Africana, e tinha cerca de 8.000 homens. O conflito ucraniano mudou tudo, dando ao grupo acesso aos condenados que tiveram suas penas comutadas em troca do alistamento, e em dezembro do ano passado a força era estimada em 50 mil soldados.

A força de Kadirov é mais modesta, estimada ao todo em cerca de 12 mil combatentes, ainda que seu comandante, Apti Alaudinov, tenha dito nesta segunda que tem à disposição “dezenas de milhares de voluntários”. O Regimento Akhmat é batizado com o prenome do pai de Kadirov, que foi líder da república após a derrota de separatistas combatidos em duas guerras horrendas com os russos.

Combates seguem intensos

Na Ucrânia, os combates da contraofensiva seguem intensos, principalmente em Donetsk e Zaporíjia, região mais ao sul que foi anexada ilegalmente por Putin em setembro. Kiev fez alguns avanços a leste, conquistando quatro vilarejos, algo que foi confirmado também por blogueiros militares russos com acesso a dados de suas forças.

O ministério, como de costume, disse que repeliu tais ataques. A realidade só irá aparecer com clareza na sequência da contraofensiva, mas ao que tudo indica não houve ainda um rompimento significativo das linhas defensivas russas -o objetivo presumido do governo de Volodimir Zelenski é cortar a ligação por terra entre áreas ocupadas por Moscou e a Crimeia.

Nesta segunda, Dia da Rússia, Putin falou que o país “passa por tempos difíceis” e enalteceu “os heróis da operação militar especial”, o eufemismo oficial para a guerra. Já o ex-presidente Dmitri Medvedev foi menos contido, postando uma imagem da praça central de Kiev pintada nas cores russas com a legenda: “Praça Rússia”. Depois, disse que a capital que Moscou falhou em capturar no ano passado “é nosso alvo”.

A Ucrânia disse que houve, de domingo até a manhã desta segunda, 25 confrontos diretos com forças russas ao longo da frente, que se estende ao todo por cerca de 1.000 km. Também afirmou que uma segunda represa foi explodida pelos adversários em Donetsk, visando dificultar o avanço de tropas perto de Adviika.

Na semana passada, uma grande represa na cidade ocupada de Nova Kakhovka rompeu, com ambos os lados se acusando pela grande tragédia ambiental que se seguiu. Vastas áreas em Kherson (sul) seguem inundadas.

IGOR GIELOW / Folhapress

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