Suprema Corte se divide entre pedra no sapato e alavanca para Joe Biden

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Ninguém está completamente a salvo na Suprema Corte dos EUA. Denúncias de conflitos de interesse dos membros mais conservadores aos mais progressistas jogaram luz nesta semana sobre problemas antigos do poderoso tribunal americano.

E lançaram ainda mais lenha na fogueira da já pouco popular corte, com decisões recentes que reverteram políticas históricas e também programas do governo de Joe Biden.

Nos dois anos e meio que o democrata está à frente da Casa Branca, o alto tribunal bloqueou programas governamentais de alívio da dívida estudantil, regulação de poluentes em fábricas, regras de imigração e obrigatoriedade de vacina ou de testes de Covid para grandes empresas durante a pior fase da pandemia.

Também proibiu que universidades usem raça como um critério para aumentar diversidade, decidiu que o direito à liberdade de expressão se sobrepõe a leis anti-discriminação contra pessoas LGBTQIA+ e, na decisão de maior repercussão local e externa, reverteu o entendimento de cinco décadas de que o aborto é um direito constitucional, abrindo espaço para que ao menos 21 estados proibissem ou limitasse o procedimento.

É resultado direto da maioria conservadora da corte, consagrada nos anos do ex-presidente Donald Trump (2017-2021). Seis dos nove juízes mais poderosos do país estão mais à direita, elevando o estado de fricção a ponto deBiden chegar a dizer que este “não é um tribunal normal”.

Mas liados do presidente americano querem que ele suba ainda mais o tom e vêm tentando convencê-lo a atacar a instituição de maneira frontal, segundo reportagem do New York Times, já adiantando a pedra no sapato que o tribunal pode ser na eleição presidencial do ano que vem.

Biden até aqui tem evitado usar a cartilha usada pelo brasileiro Jair Bolsonaro com o STF e bater de frente, afirmando que isso pode minar a instituição em si, e afastou ideias propostas por democratas como a de expandir o número de juízes para diluir a influência conservadora.

“Eles fizeram muito dano, mas, se começarmos o processo de tentar expandir a corte, vamos politizá-la talvez para sempre de uma maneira que não é saudável, e isso não dá para reverter”, afirmou em entrevista à MSNBC. “Posso estar sendo otimista, mas acredito que alguns no tribunal estão começando a perceber que sua legitimidade está sendo questionada de maneiras que não era no passado.”

Os questionamentos envolvem sobretudo conflitos de interesse. O primeiro a entrar na mira foi o juiz Clarence Thomas, que fez viagens luxuosas bancadas por um empresário republicano, segundo revelou a imprensa americana. Nesta semana, reportagens da agência Associated Press mostraram que o problema é disseminado: auxiliares da juíza progressista Sonia Sotomayor pressionaram universidades em que a magistrada iria palestrar a comprar centenas, e em alguns casos até milhares, de livros escritos por ela para suas bibliotecas —a Universidade do Estado do Michigan teria comprado 11 mil exemplares, segundo a investigação.

É muito improvável que essa pressão evolua para forçar a saída de um dos magistrados, e, em toda a história do tribunal, apenas um chegou perto de perder o cargo, em 1805, 16 anos após a fundação da corte —Samuel Chase, um dos signatários da Declaração de Independência dos EUA, sofreu impeachment na Câmara acusado de parcialidade, mas foi então absolvido pelo Senado.

Mesmo que Biden ganhe a reeleição em 2024, há pouca perspectiva de uma mudança de orientação política na composição do alto tribunal.

Nos EUA, não há idade de aposentadoria compulsória como há no Brasil (75 anos). O juiz mais velho do tribunal é Clarence Thomas (também o mais conservador), 75, e na sequência está Samuel Alito, 73. Os três indicados por Trump (Amy Coney Barrett, Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh) estão na casa dos 50.

Trump assumiu a Presidência em 2017 com dois juízes com mais de 80 anos —um se aposentou, e outra morreu no cargo—, e, além de substituí-los, fez também uma terceira indicação para uma vaga que estava aberta à época.

Se os republicanos voltarem à Presidência, por outro lado, e Thomas e Alito resolverem deixar a Suprema Corte, o novo líder da Casa Branca poderia indicar jovens juízes conservadores e manter talvez por décadas a atual composição mais à direita da corte.

Há ainda um outro cenário: se Biden for reeleito, mas os republicanos ganharem o controle do Senado, eles podem barrar nomeações mais progressistas, já que os indicados pelo presidente precisam ser avaliados pelo Legislativo americano. Isso já ocorreu em 2016, quando o então presidente, o também democrata Barack Obama, indicou Merrick Garland, hoje secretário de Justiça. O então líder da maioria republicana travou a nomeação, segurando o cargo vago até que fosse preenchido por Trump um ano depois.

Ainda resta saber qual será o impacto das decisões recentes da Suprema Corte em mobilizar eleitores, mas, para o cientista político Ken Kollman, professor da Universidade de Michigan, “a decisão sobre o aborto ainda terá influência majoritária na eleição presidencial do ano que vem”.

A mudança de entendimento sobre o aborto foi considerada fundamental nas eleições legislativas que renovaram a Câmara e parte do Senado em novembro do ano passado, as chamadas midterms. As pesquisas de opinião apontavam vantagem para o Partido Republicano, mas candidaturas democratas ganharam tração até em regiões mais conservadoras no interior do país, com mulheres se organizando politicamente e se registrando para votar —o sufrágio não é obrigatório nos EUA—, rejeitando candidatos antiaborto.

O resultado foi que os democratas não só mantiveram como ampliaram a maioria no Senado, na contramão dos prognósticos. Já na Câmara, perderam, mas por margem muito mais estreita do que o previsto anteriormente.

Democratas esperam movimento similar no ano que vem, enquanto fazem manobras para reverter o impacto negativo das últimas decisões do tribunal. Na última sexta-feira (14), a vice-presidente Kamala Harris anunciou que vai colocar em prática um outro programa de alívio da dívida estudantil, já anunciado no ano passado, que cancela US$ 39 bilhões (R$ 187 bilhões) do débito de 804 mil americanos que pagam seus empréstimos a mais de 20 anos, ao recalcular o valor devido. Ela afirmou que o governo finaliza ainda um novo plano que calcula a dívida com base na renda dos devedores, o que, afirma, poderia reduzir os pagamentos pela metade.

THIAGO AMÂNCIO / Folhapress

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