Se não tivesse nos deixado em maio de 2021, em decorrência de complicações causadas pela Covid-19, o sambista, compositor, cantor, pesquisador de música popular brasileira, artista plástico, ator e escritor Nelson Sargento estaria completando 99 anos no dia de hoje.
E, para homenagear o aniversariante do dia e seguir homenageando grandes compositores da nossa MPB – que são tão importantes e têm uma contribuição tão significativa quanto cantores, intérpretes e músicos – nós damos continuidade à série Saudando Grandes Compositores da MPB, em que contamos a história de grandes clássicos das carreiras desses artistas.
Nelson Sargento
Nascido Nelson Mattos, no Rio de Janeiro de 1924, nosso homenageado de hoje morou no Morro da Mangueira desde os 12 anos de idade e tornou-se um dos principais sambistas de todos os tempos da Estação Primeira de Mangueira, escola que integrou e onde presidiu a Ala de Compositores, bem como se tornou Presidente de Honra.
O artista ganhou o apelido artístico “Sargento” por conta da patente que alcançou por ter servido no Exército Brasileiro na segunda metade dos anos 1940.
No Carnaval de 1949, Nelson Sargento venceu a seletiva de sambas-enredo da Mangueira com Apologia ao Mestre – parceria com seu padrasto Alfredo Lourenço – e a escola de samba se consagrou campeã do desfile daquele ano. A parceria rendeu, para o desfile seguinte, o samba-enredo Plano SALTE – Saúde, Lavoura, Transporte e Educação, que garantiu um novo campeonato à escola.
Em 1955, Nelson e Alfredo Lourenço compuseram o samba-enredo As Quatro Estações do Ano ou Cântico à Natureza, considerado um dos mais belos sambas-enredo já realizados.
Três anos depois, Nelson Sargento foi eleito presidente da Ala de Compositores da Mangueira, posição que lhe permitiu maior convivência e aprendizado com os sambistas veteranos da escola, como Carlos Cachaça, Saturnino, Aluisio Dias, Babaú e, principalmente, Cartola, de quem se tornaria um discípulo ao guardar na cabeça os versos que o mestre compunha de maneira descompromissada, além de completar outras das suas composições.
Sargento, inclusive, ganhou notabilidade como cantor no Zicartola, famoso restaurante de Cartola no Rio de Janeiro, onde se apresentava em meados dos anos 60. Pouco depois, integrou os conjuntos A Voz do Morro e Os Cinco Crioulos.
As composições
Aos poucos, algumas de suas composições passaram a ser gravadas por artistas como Paulinho da Viola, que lançou Minha Vez de Sorrir (parceria de Sargento com Batista da Mangueira), em 1971, e Falso Moralista, em 1972, dois dos sambas mais conhecidos de Nelson.
Em 1978, Beth Carvalho lançou Agoniza Mas Não Morre, que se tornou a composição de maior sucesso do sambista.
Ao longo da sua vida, Nelson Sargento compôs mais de 400 canções. Somente em 1979, aos 55 anos, ele gravou o seu primeiro álbum solo: Sonho de Sambista.
Além da carreira musical
Além da carreira musical, Nelson foi artista plástico e poeta, tendo publicado os livros Prisioneiro do Mundo e Um Certo Geraldo Pereira. Também fez participações nos filmes O Primeiro Dia e Orfeu.
Saudando Grandes Compositores da MPB
Entre os inúmeros sucessos compostos por Nelson Sargento, escolhemos contar a história do mais importante e mais regravado de seus clássicos: Agoniza Mas Não Morre, de 1978.
A história da música “Agoniza Mas Não Morre” (1978), de Nelson Sargento
Em entrevista ao jornal O Pasquim, em 1987, Nelson Sargento contou como nasceu a inspiração para escrever o seu samba mais conhecido:
Certa noite, ao chegar em casa de porre, depois do samba, lá pelas altas horas da madrugada (depois de ter saído de casa ainda de manhã), o artista encontrou sua esposa Vivinha muito brava, pois – neste meio tempo, ela ficou adoentada.
“Botei a chave na porta, tirei a chuteira e fui deitar. Aí ela perguntou:
– Não quer saber se eu melhorei?.
– E você tá doente?
– Pô, você não me deixou doente em casa?
Aí olhei pra ela e tasquei:
– Vivinha, você agoniza mas não morre. O Nelson sempre te socorre antes do suspiro derradeiro.
Ela virou e bronqueou:
– E o desgraçado ainda faz samba.
Foi assim que tive a ideia.”
A inspiração para a letra foi essa, mas – grande poeta que era – em Agoniza Mas Não Morre, Nelson Sargento versa na verdade sobre a resiliência do samba e sua capacidade de dar volta por cima sempre que alguém anuncia o seu fim:
“Samba, agoniza mas não morre
Alguém sempre te socorre
Antes do suspiro derradeiro
Samba, negro forte destemido
Foi duramente perseguido
Nas esquinas, no botequim, no terreiro
Samba,
Inocente, pé-no-chão,
A fidalguia do salão,
Te abraçou, te envolveu,
Mudaram toda a sua estrutura,
Te impuseram outra cultura,
E você não percebeu”
Com esta composição – em que fala sobre as raízes negras do samba, sobre o quanto ele sofreu preconceitos e foi perseguido e também sobre como a Bossa Nova veio para tentar mudar a estrutura do samba, o embranquecendo, e fazendo assim com que ele fosse mais aceito em uma sociedade cercada de racismo – Nelson Sargento inscreveu seu nome na galeria dos imortais do samba.
A canção foi lançada pela eterna Madrinha do Samba, Beth Carvalho, no seu álbum De Pé no Chão, de 1978, e – no ano seguinte – foi gravada pelo próprio Nelson, no seu disco de estreia.
Gostou de saber mais sobre as histórias de grandes canções da nossa música popular brasileira? Continue acompanhando a nossa série Saudando Grandes Compositores da MPB. Hoje, homenageamos o aniversariante Nelson Sargento.