Como Cacau Protásio dribla machismo no stand-up com piadas de sexo e menopausa

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Não sou Nossa Senhora, mas sou cheia de graça”, entoa Cacau Protásio no seu primeiro show de comédia solo, que acaba de estrear em São Paulo. Foi apostando nesse misto de fé imaculada e senso de humor aflorado que a carioca tentou migrar do setor administrativo de um banco para os palcos de teatro e telas de TV.

Ela conseguiu. Depois de largar tudo para estudar atuação, Protásio se cadastrou num banco de talentos da Globo e foi notada pela emissora. Novata, ela se empolgou ao ser convidada para gravar episódios do “Linha Direta”, programa que reconstitui cenas de crimes e que virou febre no início dos anos 2000.

Ela geralmente ficava com o papel da pessoa morta.

Duas décadas depois, a humorista relembra a história com saudosismo no show “100% Cacau”, que, para ela, não é um stand-up tradicional porque tenta gerar reflexão além de risadas. Protásio está em cartaz no Teatro Gazeta, da avenida Paulista.

Stand-up ou não, um espetáculo só se consagra de verdade quando chega a São Paulo, diz a atriz, por videoconferência. “É como fazer televisão e ir no Faustão ou na Ana Maria Braga. A vida muda, as pessoas te chamam para tudo.”

“100% Cacau” estreou no ano passado no Rio de Janeiro. Protásio pretendia lançá-lo em março de 2020, mas o plano foi frustrado por causa do coronavírus. Aquilo pareceu um sinal divino de que a empreitada não tinha futuro, diz ela.

Hoje, mais de três anos depois, a humorista agradece a Deus por ter insistido em tirar o texto do papel.

Ao longo do espetáculo, ela tenta arrancar gargalhadas da plateia com histórias inusitadas, algumas até estapafúrdias, sobre sua infância, família, carreira, amor, casamento e sexo.

Carregado de piadas sobre virgindade, tesão e vaginas, o show tenta romper com a ideia de que mulher não dá risada ao falar de sexo. Aos 48 anos, Protásio clama no palco para que as pessoas percam a vergonha de cutucar em temas como menopausa.

“Homem não coça o saco toda hora? A gente não se coça nem passa a mão na perereca. Ela fica ali, intocável. Só de falar a palavra perereca já parece que agride, né? A pessoa fica assustada”, diz a atriz.

Ainda que o tema converse diretamente com as mulheres, Protásio conta que recebe recadinhos de agradecimento dos homens no fim de cada sessão.

“É assustador para eles quando eu começo a falar de vagina. Depois, vou contando histórias com meu marido, e os homens vão achando graça. Aí, quando eles vêm me abraçar, falam ‘eu passei por isso, ela está na menopausa, ficou com a perereca seca’”, conta.

Protásio surfa numa onda de stand-ups protagonizados por mulheres, negros e LGBTQIA+ que tentam atrair um novo público para um gênero antes dominado por homens brancos heterossexuais.

Ela diz que só não sentiu tanta dificuldade de se firmar na indústria porque foi amparada por outros comediantes famosos, como Rafael Portugal e Maurício Manfrini, conhecido por fazer Paulinho Gogó no humorístico “A Praça É Nossa”, do SBT.

Ele e Protásio se conheceram no set de “Os Farofeiros”, parceria que seguiu no programa “Vai que Cola”. “Ela é engraçada sem fazer força. Até texto que não tem piada, na boca dela, fica engraçado. A parte boa é que ela está só começando. A Cacau é um combo de talento”, diz o ator. Os dois voltam a contracenar no vindouro “Os Farofeiros 2”.

Protásio só começou a explorar seu dom quando estava beirando os 30. Cansada da faculdade de pedagogia e do banco em que trabalhava, decidiu tentar se formar como atriz na escola cênica Casa das Artes de Laranjeiras, a CAL, na capital fluminense.

“Me diziam para não fazer ‘Linha Direta’ porque quem fazia o programa depois não arranjava trabalho”, diz.

Não deu outra. “Depois [do ‘Linha Direta’], me chamavam para fazer participaçãozinha em novela. A enfermeira um, a secretária um, a moça do ponto de ônibus dois.”

Sua carreira só começou a alavancar em 2010, quando ela foi escalada para interpretar uma babá no remake de “Ti Ti Ti”. Dois anos depois, deu vida a Zezé, empregada doméstica da Carminha de Adriana Esteves em “Avenida Brasil”.

Protásio ficou famosa e conseguiu os personagens que almejava anos depois. Mas isso só aconteceu “graças a Deus, a ‘Avenida Brasil’, e à ‘nossa senhora da Zezé’”, diz ela.

Desbocada, irônica e fofoqueira, Zezé conquistou espaço na trama por exigência do público. Prova disso é que a personagem venceu uma enquete para ter seu rosto “congelado” no último frame de um capítulo –artifício usado para instigar os expectadores a assistir o folhetim no dia seguinte.

O papel dela cresceu na trama por causa do seu timing cômico, afirma Amora Mautner, que dirigiu Protásio nas novelas “Avenida Brasil” e “Joia Rara”. “Valia a pena para o nosso ritmo de comédia. Ela sempre traz um elemento na hora de gravar que é muito rico. Ela é versátil, vai bem tanto numa novela dramática quanto no humor.”

Protásio começou a embolsar mais dinheiro em 2013, quando foi contratada para o “Vai Que Cola”, programa do Multishow que já tem dez temporadas. Na série, a humorista interpreta Terezinha, moradora de uma pensão lotada.

Os primeiros anos de “Vai que Cola” foram capitaneados por Paulo Gustavo, humorista morto em 2021 por causa da Covid-19. “Ele não queria brilhar sozinho, permitia que todo mundo brilhasse junto com ele”, relembra ela. “Só que Deus quis que ele passasse pela Terra como um cometa.”

Paulo Gustavo lotou as salas de cinema com a franquia “Minha Mãe é Uma Peça”, cujo terceiro filme encabeça a lista das maiores bilheterias de filmes brasileiros em 2020. Hoje, Protásio faz um apelo para que a plateia do seu show volte a frequentar tanto os teatros quanto as salas de cinema, que, segundo ela, estão morrendo por causa do streaming.

O esvaziamento desses espaços vem, também, como herança do desmonte promovido pelo governo de Jair Bolsonaro. Além de dissolver o Ministério da Cultura e atacar a Ancine, a Agência Nacional do Cinema, o ex-presidente propôs excluir do plano orçamentário de 2023 a Condecine, contribuição que financia a atividade cinematográfica do país. Mas Protásio se abstém e diz que não gosta de falar de política.

Ela quer mesmo é agradar gregos e troianos, ouvir o eco das gargalhadas nos teatros, gravar mais filmes e, quem sabe, ser escalada para fazer mais drama além de humor.

“Minha fé é inabalável. Sem Deus, não sou nada nem ninguém. A gente tem que acreditar em alguma coisa, sabe? Temos que acreditar na gente. Isso faz bem para o ser humano.”

100% CACAU

Quando Sáb., às 20h e dom., às 19h

Onde No Teatro Gazeta – av. Paulista, 900, São Paulo

Preço R$ 70 em sympla.com.br

Classificação 12 anos

Elenco Cacau Protásio

Direção Cacau Protásio

GUILHERME LUIS / Folhapress

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