Discurso de America Ferrera em filme da Barbie emociona mulheres por ser realista

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “É literalmente impossível ser mulher.” É assim que começa o monólogo da atriz America Ferrera, 39, no filme “Barbie”. Apesar do clima geral bem-humorado, esta cena assume um tom de seriedade ao abordar questões mais complexas do cotidiano feminino e tem comovido muitas mulheres nas salas de cinemas.

“Eu chorei umas três vezes vendo ‘Barbie’. Não importa quantas vezes repitam o discurso clichê sobre o quanto é cansativo e impossível ser mulher na sociedade capitalista, eu vou continuar me emocionando”, comentou uma internauta no Twitter, rede social que foi recentemente renomeada como X. “Esse monólogo inteiro foi tão perfeito, eu te amo America Ferrera”, diz outro perfil.

A atriz interpreta a personagem Gloria, mãe de uma adolescente, que passa a se reconectar com a Barbie em meio a uma crise de meia idade. O monólogo vem em meio a uma tentativa de consolo à própria boneca, que ganha vida por Margot Robbie, 33, no longa.

Para a psicóloga Luana Flor Hamilton, o filme pode parecer raso em certos pontos e não se aprofunda em todas as questões do universo feminino, mas tem a sua importância. “Ele tem, sim, um quê de revolucionário, porque conseguiu organizar e escancarar muitas dessas pressões que as mulheres estão sofrendo há muito tempo”, pondera.

Nesse contexto, o momento do monólogo é um dos que mais mostra algumas dessas questões, de forma didática, mas que também permite identificação. Segundo Hamilton, o discurso de Ferrera no filme evidencia uma cultura centrada na ideia de que as mulheres devem competir umas com as outras na busca por um padrão que, na prática, é inalcançável.

Essa dinâmica é intensificada por uma tendência de individualização do sofrimento, que coloca essas questões como algo particular de cada mulher. “Sempre tem uma construção de que cada mulher é culpada por não estar conseguido seguir esse padrão”, afirma Hamilton. “O fato é que nenhuma mulher escapa dessa dinâmica, nem mesmo a Barbie estereotipada [no filme].”

“Então no momento em que a America Ferreira faz aquele discurso, vai escancarando como passamos a vida inteira tentando dar conta das expectativas e dos desejos dos outros, e com isso a gente vai se perdendo dos nossos desejos”, argumenta a psicóloga. “E no fim do discurso fica claro -é por isso que é tão arrebatador para todas as mulheres- a constatação de que nunca vamos dar conta.”

De acordo com a especialista, o conteúdo abordado no monólogo perpassa todas as mulheres, mesmo que de maneiras diferentes. A própria personagem da Barbie tende a conversar mais com mulheres mais parecidas com ela, próximas de um padrão estético e que podem desfrutar de certos privilégios. “Mulheres que estão fora desse padrão vão desde muito cedo sofrer as consequências e adoecimentos muito mais diretos dessas pressões”, enfatiza Hamilton.

A psicóloga ressalta que não é possível trabalhar com uma noção de mulher unversal, porque isso não existe. “Todas essas questões vão atravessar [cada uma] de uma forma diferente”, diz. “No fim das contas, nenhuma mulher está livre dessas amarras”

CONFIRA O MONÓLOGO NA ÍNTEGRA

“É literalmente impossível ser uma mulher. Você é tão linda, tão inteligente, e me mata ver que não se acha boa o suficiente. Tipo, temos que sempre ser extraordinárias, mas de alguma forma estamos sempre agindo errado.

Você tem que ser magra, mas não muito. E você nunca pode dizer que quer ser magra. Tem que dizer que quer ser saudável, mas também tem que ser magra.

Você tem que ter dinheiro, mas não pode pedir dinheiro porque é mal-educado.

Você tem que ser uma chefe, mas não pode ser má. Você tem que comandar, mas não pode arrasar as ideias dos outros.

Você deve adorar ser mãe, mas não fale sobre seus filhos o tempo todo. Você deve ser uma mulher de carreira, mas também estar sempre cuidando dos outros.

Você tem que responder pelo mau comportamento dos homens, o que é uma loucura, mas se apontar isso é acusada de reclamar.

Você deve estar sempre bonita para os homens, mas não tão bonita a ponto de tentá-los demais ou ameaçar outras mulheres, porque deve fazer parte da sororidade.

Mas sempre se destaque e sempre seja grata. Nunca se esqueça de que o sistema é manipulado. Portanto, encontre uma maneira de reconhecer isso, mas também seja sempre grata.

Você nunca deve envelhecer, ou ser grosseira, se exibir, ser egoísta, cair, falhar, demonstrar medo, sair da linha.

É tão difícil! É muito contraditório e ninguém lhe dá uma medalha ou agradece! E acontece que, na verdade, você não apenas está fazendo tudo errado, como também é tudo sua culpa.

Estou tão cansada de ver a mim mesma e a todas as outras mulheres se esforçando para que as pessoas gostem de nós. E se isso tudo também vale para uma boneca que apenas representa as mulheres, então nem sei.”

GABRIELLA SALES / Folhapress

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