Contraofensiva em xeque e novas frentes marcam fase da Guerra da Ucrânia

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Setenta e cinco semanas depois da invasão russa da Ucrânia, a guerra de Vladimir Putin contra o vizinho vive uma nova e complexa fase, marcada pelas dificuldades de Kiev em sua contraofensiva e pela ampliação dos impactos do conflito no mar Negro e na região do Báltico.

Essas divisões temporais são arbitrárias, claro, mas é possível estipular que até aqui houve cinco fases mais amplas da guerra, a mais recente definida inclusive pela contraofensiva lançada por Kiev no dia 4 de junho.

Mas ela evoluiu para uma nova etapa, que passa pelo fato de que a ação não logrou romper defesas russas e, como especulava-se no Ocidente, romper a ponte terrestre que ligava a Rússia à Crimeia anexada em 2014 pelo sul ocupado da Ucrânia.

Assim, abundam sinais de preocupação e insatisfação com os rumos da guerra nos países da Otan, a aliança militar liderada pelos Estados Unidos que banca o esforço de Kiev contra a Rússia, tendo armado e treinado entre 30 mil e 45 mil soldados para a contraofensiva.

Analistas proeminentes e com acesso às linhas de frente, como os americanos Rob Lee e Michael Kofman, passaram a surgir como vozes cautelares em reportagens de veículos importantes e aderentes de uma cobertura francamente anti-Rússia na guerra, como o The New York Times e o britânico The Guardian.

Com a ressalva de que tudo ainda é incipiente, mantra desde junho, eles apontam em reportagens na quarta (2) nos jornais motivos para o insucesso relativo até aqui. Basicamente, teria sido treinamento e poder de fogo, com os badalados tanques alemães Leopard-2 e outras armas, insuficiente. Estima-se que entre 25% e 30% do material bélico enviado já foi perdido ou danificado.

Nesta terça (3), o boletim diário do Ministério da Defesa do Reino Unido, outro vocal apoiador de Volodimir Zelenski, resolveu culpar o crescimento de vegetação em áreas antes da guerra usadas para a agricultura como fator do avanço lento.

Pode ser, mas o fato é que as defesas russas estão dando conta até aqui de absorver as ondas de ataques. No fim da semana passada, o Pentágono vazou a jornalistas um “agora vai”, na forma do emprego de forças do 10º Corpo do Exército ucraniano, uma unidade totalmente “ocidental” de Kiev.

Só que não foi. Na realidade, eles avançaram em um ponto em Zaporíjia (sul), 1 dos 3 focos da contraofensiva, para apoiar o degradado 9º Corpo, que só chegara à primeira das três linhas defensivas russas. Pelo plano, segundo o Guardian, isso só devia acontecer quando fosse atingida a barreira final e principal.

O texto do NYT ainda lembrava, e isso não é pouco quando se trata de um órgão tão próximo do governo de Joe Biden, que os EUA haviam despejado US$ 44 bilhões em ajuda militar desde o ano passado a Kiev. Não por acaso, nem o treinamento de pilotos ucranianos para eventual uso de caças F-16 foi aprovado, apesar de anunciado.

Com a proximidade da campanha pela Casa Branca em 2024, a areia da paciência na ampulheta dos democratas com Kiev parece estar se esvaindo, embora essa seja a tática desenhada por Putin até aqui, o que também traz consequências eleitorais. Nesse sentido, a conferência de paz na Arábia Saudita neste fim de semana pode ser mais uma sinalização às partes acerca da vontade internacional de ver o conflito encerrado.

Na mão inversa, a propalada ofensiva russa na região norte de Donetsk (leste) e em Kharkiv (norte), vendida por Kiev como avassaladora, também vai a passos de tartaruga. De quebra, Moscou e outras cidades russas passaram a ser alvos mais frequentes de drones ucranianos, com alto valor simbólico, além de a ponte que liga o país à Crimeia ter virado objeto de ataques marítimos.

A ameaça de uma estagnação nas frentes é compensada, em termos de dinâmica, por dois outros fatores novos. Primeiro, o mar Negro como campo ativo de batalha a partir da saída de Putin do acordo de grãos que permitia à Ucrânia escoar sua produção. Desde que isso ocorreu, na segunda retrasada, os russos passaram a bombardear sistematicamente portos ucranianos para provar sua intenção de bloqueio.

A Otan falou grosso e reforçou sua presença nos céus da região, mas Moscou dobrou a aposta e passou a atacar portos secundários da Ucrânia no estuário do rio Danúbio, grudados à fronteira da aliança na Romênia. Desnecessário apontar o risco de escalada acidental que isso implica, além do impacto inflacionário global da crise.

O segundo ponto de atrito é em Belarus, efeito secundário do motim de mercenários do Grupo Wagner contra a cúpula militar russa. O acordo que pôs fim à crise previa a ditadura aliada do Kremlin como destino para os soldados que antes lutavam sob contrato na Ucrânia.

Isso tem gerado uma enorme tensão com a Polônia, um dos mais beligerantes integrantes da Otan. Na semana passada, forças de Varsóvia foram enviadas à fronteira, e na terça (1º) o país afirmou que helicópteros de Minsk haviam invadido seu espaço aéreo. Mais de mil soldados estão sendo deslocados.

Nesta quinta, o premiê polonês, Mateusz Morawiecki, reuniu-se com o presidente Gitanas Nauseda, da Lituânia, outro país da região báltica que faz fronteira tanto com Belarus quanto com o encrave russo de Kaliningrado, ensanduichado entre os dois membros da Otan. Minsk tem armas nucleares de Putin em seu território.

Não por acaso, o encontro ocorreu no corredor de Suwalki, uma faixa pouco habitada na fronteira lituano-polonesa que é o ponto mais próximo entre Belarus e Kaliningrado, vista como o calcanhar de Aquiles ocidental na região em caso de um ataque russo a partir do aliado para isolar a defesa dos três Estados Bálticos.

Morawiecki, mantendo o tom alarmista dos últimos dias, afirmou que há talvez 4.000 soldados do Wagner em Belarus, prontos para “desestabilizar” a fronteira, que Nauseda sugeriu ser fechada ali, em seu país e na Letônia, outro membro da Otan. Assim, se o interesse de Putin foi o de ver sua guerra ampliar a faixa de frequência, até aqui parece ter logrado algum sucesso.

IGOR GIELOW / Folhapress

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