SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Menos metade das ações policiais que resultaram nas mortes contabilizadas oficialmente na Operação Escudo, no litoral paulista, tem imagens de câmeras corporais disponíveis.
Segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública), das 16 ocorrências letais, seis envolveram policiais de batalhões que não dispõem desse tipo de equipamento. Além disso, em outros três casos houve falhas nas câmeras ou na decodificação desses arquivos. Portanto, até o momento, não há gravações em 9 das 16 situações.
Imagens captadas de sete ocorrências foram enviadas ao Ministério Público. A Promotoria confirmou o recebimento dos registros e disse aguardar o envio de outros dados solicitados à Polícia Militar, que segundo o órgão, tem contribuído com as investigações.
Segundo o coronel da PM Pedro Lopes, o Ministério Público tem acesso em tempo real às imagens, mas a corporação também atendeu aos pedidos que foram feitos.
“Todas as requisições do MP [Ministério Público] foram atendidas”, afirmou o chefe da assessoria militar da SSP do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).
“Tenho notícia de que em uma ocorrência dessas uma das câmeras estava sem bateria no momento”, afirmou, sem dar mais detalhes do problema. “Se estava funcionando plenamente no confronto está sendo apurado em cada investigação. Não vou falar sobre isso porque seria leviano.”
Sobre os outros casos em que as gravações não foram disponibilizadas à Promotoria, o coronel afirmou que há problemas técnicos que impedem a leitura. “Falamos no fim de semana com o MP sobre o protocolo, eles têm acesso ao link. Há, por conta de linguagem de informação, alguma que não foi propriamente lida.”
Outras organizações públicas como a Ouvidoria da Polícia, a Defensoria Pública e o Condepe, entidade ligada à secretaria da Justiça e Cidadania, ainda aguardam respostas sobre o pedido de acesso às gravações.
Segundo o ouvidor Cláudio Aparecido da Silva, ele possui respaldo legal para acompanhar a investigação através da condição de órgão de controle externo da atuação policial no estado através de uma lei de 1997. “Se a operação foi técnica, legalista e a contento, qual a razão de não haver transparência? Por que a transparência também não é uma coisa que possa colaborar para que essa legalidade seja homologada?”, disse Silva.
Quem também aponta falta de transparência em torno das câmeras é o presidente do Condepe, Dimitri Sales. “As denúncias do Condepe em relação ao uso das câmeras foram confirmadas. Os policiais, na sua grande maioria, não estavam utilizando as câmeras. A novidade, agora, é que a secretaria de Segurança disse que não sabe se todas as câmeras estavam funcionando. O que eu estou questionando é: qual o critério para saber se todas as câmeras estavam funcionando ou não?”
Segundo Sales, a situação coloca a investigação sobre uma profunda suspeita. “É preciso que o Ministério Público imediatamente requeira a imagem de todas as câmeras de segurança, para que possa trabalhar sobre elas e não ficar na mão da Polícia Militar e da Secretaria de Segurança Pública.” Em nota, a Defensoria Pública declarou que até o momento também não obteve resposta aos ofícios encaminhados na semana passada.
A Secretaria de Segurança Pública declarou que as imagens que são captadas pela câmera corporal ficam armazenadas em uma plataforma cujos acessos, respeitada a cadeia de custódia, são feitos pelas autoridades de Polícia Judiciária, Ministério Público e Judiciário.
A Polícia Militar paulista adquiriu mais de 10 mil equipamentos, com uma abrangência de 52% das unidades policiais.
O governador Tarcísio chegou a defender a retirada das câmeras dos uniformes dos policiais durante a campanha porque, segundo ele, limitaria a atuação dos oficiais. A medida foi uma das principais bandeiras na área de segurança pública da gestão anterior do então governador João Doria (sem partido).
Pouco antes das eleições, porém, Tarcísio recuou e disse que iria ouvir especialistas sobre o assunto. Estudos apontam queda da letalidade policial em batalhões que adotaram as câmeras.
Em pronunciamentos oficiais, Tarcísio defendeu o trabalho policial na Baixada Santista e negou acusações de que houve abuso durante a operação. Segundo o governador, as críticas são narrativas. “Fica sempre essa narrativa de que há excesso. Vai ver quem tombou. O líder do PCC morreu nessa confusão. O principal fornecedor de drogas da baixada. E por quê? Como que ele recebeu os policiais?”, disse o governador em coletiva de imprensa na última terça-feira (1º). “Se tiver confronto, vai ter reação. A polícia tá lá pra isso. Ela não pode se acovardar”, continuou.
A pasta de segurança ainda declarou que as câmeras ajudam a compor o conjunto probatório de inquéritos de morte por intervenção policial e não são o único elemento, em que se junta a perícia, oitivas de testemunhas e coleta de provas diversas.
MORTO FOI ENTERRADO COMO INDIGENTE
As mortes da Operação Escudo ocorreram em supostos confrontos entre policiais militares e criminosos entre os dias 28 de julho e 2 de agosto. A operação na Baixada Santista teve início após o assassinato do soldado da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), Patrick Bastos Reis, 30. O policial foi atingido por um tiro na noite de 27 de julho na Vila Zilda, periferia de Guarujá. Três homens foram presos e indiciados sob suspeita do homicídio.
Além das apurações a cargo da Polícia Civil, um Inquérito Policial Militar foi aberto para analisar os fatos. Segundo o coronel Lopes, da PM, perícias feitas até o momento não indicaram possíveis abusos ou tortura nas ações. “Nenhum dos laudos periciais produzidos a partir da análise dos corpos apontou que houve lesão anterior ao confronto.”
Uma das 16 pessoas que morreram durante a operação foi enterrada como indigente.
Segundo a SSP, a Polícia Científica não obteve êxito em sua identificação. Os profissionais do IML (Instituto Médico Legal) extraíram materiais genéticos e dactiloscópicos na tentativa de uma identificação futura do homem através de confronto de DNA.
O sepultamento foi realizado com base em portaria da Polícia Civil de 1993, que autoriza o enterro de pessoas não identificadas após o prazo de 72 horas da chegada ao IML.
Segundo a Prefeitura de Guarujá, uma pessoa desconhecida foi enterrada no dia 3 de agosto no cemitério de Morrinhos.
PAULO EDUARDO DIAS E LUCAS LACERDA / Folhapress