SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Poucos dias depois da mudança da cracolândia para a rua dos Protestantes, a cerca de quatro quarteirões de distância, na região da Santa Ifigênia, o fluxo retornou na noite desta terça (15) para o mesmo local que ocupava antes, na esquina da rua dos Gusmões com a avenida Rio Branco.
Durante a tarde, um grupo de lojistas montou um bloqueio na rua Santa Ifigênia para tentar impedir que os usuários de drogas voltassem a ocupar a Gusmões. No entanto, no início da noite, os dependentes estavam de no local. Um grupo menor permaneceu na Protestantes.
No bloqueio, os comerciantes usaram grades de proteção que já estavam na rua. Eles afirmaram que a ação buscava evitar que os dependentes afastem a clientela ao voltar a se aglomerar no local -de onde saíram no último sábado (12) para seguir para a Protestantes, gerando protestos de moradores.
Tradicional ponto de comércio de produtos eletrônicos, a rua Santa Ifigênia fica a uma quadra do novo ponto de concentração dos usuários.
Durante a ação, um comerciante sofreu um corte na cabeça após ser atingido por um caixote de madeira jogado por um dependente químico. O homem ferido não quis conversar com a reportagem.
“Tem um mês que não entra um cliente na loja. Estou desesperado, sem ter o que fazer. Estou quebrado. Minha moto está com sete parcelas atrasadas. Minha esposa pediu para comprar banana para meu filho de dois anos e não tenho dinheiro para comprar”, relata Ede Carlos, 44, proprietário de um comércio na região.
Carlos, que atua na Santa Ifigênia há 30 anos, mostrou a tela de sua conta em um banco em que foi possível visualizar apenas R$ 6.
Um outro comerciante de 42 anos, que preferiu não se identificar, se queixou da ausência de policiamento. Ele, que trabalha na região há 15 anos, afirmou que os próprios comerciantes estão fazendo sua segurança.
Outro lojista disse que tem saudades da época em que a rua Santa Ifigênia era lotado de pessoas procurando por produtos.
Segundo os comerciantes, os usuários teriam dito que a GCM (Guarda Civil Metropolitana) pediu para que eles deixassem a rua dos Protestantes e seguissem para a rua dos Gusmões com a avenida Rio Branco.
Os comerciantes deixaram o cruzamento da Santa Ifigênia com a rua dos Gusmões por volta das 18h. Pouco depois, os usuários foram em direção ao novo ponto.
MORADORES FIZERAM PROTESTO NA VÉSPERA
A chegada de frequentadores da cracolândia à rua dos Protestantes já tem trazido transtornos para moradores do entorno, segundo relatos à reportagem.
Eles se queixam de barulho, sujeira, cheiro de plástico queimado e da feira da droga, onde os entorpecentes são anunciados em voz alta. Os vizinhos ainda reclamam de que seus filhos não podem olhar pela janela, sob ameaça de serem xingados pelos usuários.
Uma aposentada de 63 anos, que pediu para não ser identificada por temer represálias, relata que a mãe de 90 anos está sem dormir desde que a cracolândia se fixou no endereço. A mulher contou que a idosa passou por uma cirurgia recente no olho e precisa de repouso.
A aposentada participou na noite de segunda-feira (14) de uma manifestação contra a permanência da cracolândia no local.
O ato, que contou com cerca de 50 pessoas, bloqueou por cerca de uma hora a rua Mauá, em frente à Sala São Paulo. Policiais militares acompanharam o trajeto de cerca de 100 metros, entre a praça Júlio Prestes e a rua General Couto de Magalhães, onde existe um imóvel da Guarda Civil Metropolitana.
Um grupo de usuários de drogas da cracolândia chegou a querer discutir com os moradores quando eles passaram próximo à aglomeração. PMs rapidamente isolaram o cruzamento da rua Mauá com a rua dos Protestantes com escudos, e os dependentes se dispersaram.
A aposentada, assim como boa parte dos manifestantes, se queixa do barulho vindo da área em que estão os usuários, que escutam músicas em caixas de som portáteis durante todo o dia.
“Não adianta tirar da região dos Campos Elíseos e colocar no Bom Retiro. Do Bom Retiro para o Pari e do Pari para Santa Ifigênia. É necessária uma política que contemple os usuários e os moradores”, diz o professor Philippe Reis, 33.
Vendo a chance de o bairro se tornar mais tranquilo quase acabar, o analista fiscal Carlos José, 40, diz que pensa e voltar para o interior do estado. “Penso em abandonar. É porque não tenho para onde ir. Eu não consigo trabalhar [em casa].”
A técnica de enfermagem Paloma da Silva, 35, que também estava presente ao ato, pede mais segurança e lembra que os moradores pagam IPTU. Para ela, é importante ter carros e equipes da Polícia Militar ou da Guarda Civil Metropolitana realizando a segurança do perímetro. Ela também questiona o motivo de o fluxo ter migrado para a rua dos Protestantes, local em que há imóveis residenciais.
Procurada na segunda-feira, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) declarou não ter havido operação para deslocamento dos usuários e que não há determinação para essa mudança.
A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) foi questionada através da SSP (Secretaria de Segurança Pública) sobre a transferência de local, mas não se pronunciou.
O protesto de segunda-feira foi o terceiro nos últimos dias a cobrar uma solução para o problema da cracolândia.
Na noite de sexta-feira (11) moradores de um condomínio no entorno da praça Júlio Prestes chegaram a bloquear a passagem de veículos no cruzamento das avenidas Duque de Caxias e Rio Branco assustados com a possível transferência do fluxo para a alameda Dino Bueno.
Um dia antes, comerciantes da rua Santa Ifigênia realizaram um protesto em que fecharam as portas de suas lojas por algumas horas cobrando uma solução do poder público para o problema.
PAULO EDUARDO DIAS / Folhapress